A ressurreição de Cristo dissipou as trevas daquela madrugada de domingo e da história humana. Sua vitória foi uma prévia da nossa
Gerald A. Klingbeil
A história de John Nevins Andrews, que viajou com seus dois filhos adolescentes para a Basileia, na Suíça, tornando-se o primeiro missionário transcultural oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia, é um capítulo importante da nossa história denominacional. Andrews era um erudito, escritor e administrador. Os adventistas prezam sua pesquisa sobre a história do sábado. Apreciamos também sua habilidade de escrever e sua liderança. No entanto, para mim, o que mais se destaca na vida desse pioneiro foi sua disposição de se agarrar a Jesus no meio da dor e da perda pessoal.
Ele teve que sepultar a filha bem jovem, vítima da mesma doença terrível que havia ceifado a vida da esposa, seis anos antes. Num registro realizado por John Vuilleumier na página 11 da Advent Review and Sabbath Herald de 11 de abril de 1929, aparece um desabafo de Andrews num contexto em que ele estava exausto, subnutrido e desafiado: “Irmão Kinne, parece que estou me segurando em Deus com a mão dormente.” Mas você pode pensar: “O que mãos e corações dormentes têm que ver com a alegria?”
A alegria engloba uma variedade de sentimentos e situações. Embora envolva emoções, é também um sentimento, ou seja, pode se tornar uma fonte de algo prazeroso. Muitas vezes pensamos na alegria como algo frágil, uma bolha que pode estourar rapidamente. Contudo, a alegria é mais do que contemplar o céu azul, a luz solar ou nuvens brancas e fofas.
A alegria vai além das sensações de aconchego e de soluções rápidas. Vamos pensar um pouco sobre isso.
ALEGRIA E ADVERSIDADE
Os autores bíblicos escreveram bastante sobre a alegria, especialmente na perspectiva de adoração a Deus e confiança Nele (ver Jó 33:26; Sl 21:1; 42:4; 51:12; 105:43). Ela aparece, por exemplo, de modo surpreendente, relacionada à provação (Tg 1:2). Isso porque o conceito bíblico de alegria contraria em grande medida a concepção contemporânea sobre
esse sentimento.
Quando pensamos a partir da perspectiva de que Deus age na história e em nossa vida, somos lembrados de que fé e alegria caminham juntas. Não sem razão, segundo Kurt A. Richardson, em seu comentário da carta de Tiago (New American Commentary, 1997, v. 36, p. 58), o autor bíblico incentiva seus leitores a “aceitar suas provações não pelo que foram, mas pelo que Deus pôde realizar por meio delas”. Em outras palavras, Tiago quis nos direcionar para uma potencial vitória divina sobre a realidade humana, num ato de fé que nos leva a enxergar além do que vemos.
Essa parece ter sido parte da motivação de Jesus ao enfrentar o julgamento e a cruz. É o que ressalta o autor da epístola de Hebreus, quando nos incentiva a fixar nossos olhos em Cristo: “O qual, em troca da alegria que Lhe estava proposta, suportou a cruz, sem Se importar com a vergonha, e agora está sentado à direita do trono de Deus” (Hb 12:2).
A alegria de salvar Sua criação ajudou Jesus a suportar as trevas da cruz, mesmo quando gritou para o Pai que, se possível, afastasse Dele esse sofrimento (Lc 22:42). Nessa oração, ouvimos dor e desespero, mas também entrega e compromisso. No momento mais terrível de Sua curta vida na Terra, Jesus foi capaz de enxergar além da cruz e considerar a alegria que a salvação traria a incontáveis milhões e bilhões de pessoas que haviam sido reivindicadas por Satanás.
A CRUZ E ALÉM DELA
A escuridão e o desespero compõem o cenário da crucificação. Depois de um julgamento fraudulento perante um Sinédrio que não seguia suas próprias leis, Jesus foi pregado numa cruz, entre dois criminosos. A mensagem das autoridades é clara: pendurado aqui está um pecador entre outros pecadores. Muitos na multidão que O viram sofrer zombam Dele (Mt 27:39-44), enquanto um pequeno grupo de Suas discípulas chorava e lamentava (Lc 23:27; Mc 15:40, 41).
Trevas sobrenaturais cobriram o local ao meio-dia e duraram três horas (Mc 15:33). Quando Jesus finalmente morreu, lá no templo de Jerusalém, o véu que separava o compartimento santo do santíssimo se rasgou de cima a baixo, um terremoto sacudiu a cidade e sepulturas foram abertas (Mt 27:51-53). A criação chorou e a alegria pareceu estar tão distante quanto o Oriente está do Ocidente.
Naquele sábado, Jesus descansou no túmulo até acontecer o impensável na manhã de domingo. Quando algumas mulheres e os discípulos foram à tumba para embalsamar o corpo sem vida de Jesus, encontraram a sepultura vazia, pois Deus havia ressuscitado Seu Filho.
O apóstolo João descreve com ternura o momento em que Maria Madalena chorou ao ver o túmulo vazio e dois anjos sentados no lugar em que haviam depositado o corpo de Cristo. De repente, uma voz gentil atrás de Maria perguntou: “Mulher, por que você está chorando?” (Jo 20:15). Maria não reconheceu a voz até que Jesus a chamou pelo nome (v. 16).
Ao longo dos séculos, a exclamação “Ele ressuscitou” tem sido a saudação tradicional dos cristãos na Páscoa. E isso realmente muda tudo. As trevas se convertem em luz, o desespero se transforma em reconhecimento, e o reconhecimento, finalmente, se converte em alegria.
A manhã da ressurreição nos oferece uma prévia do que Deus tem planejado para aqueles que dormiram confiando Nele ao longo da história. A manhã da ressurreição nos lembra de que Satanás não tem a palavra final. A manhã da ressurreição nos oferece esperança e nos comunica fé.
Davi estava certo quando escreveu isso mil anos antes da cruz: “Porque a sua ira dura só um momento, mas o seu favor dura a vida inteira. O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (Sl 30:5). Ele ressuscitou! Seu coração já ouviu isso? Você consegue sentir novamente a alegria dessa afirmação?
GERALD A. KLINGBEIL é editor associado da Adventist World
(Artigo publicado na edição de abril de 2021 da Revista Adventista / Adventist World)
Última atualização em 1 de abril de 2021 por Márcio Tonetti.