Relato de uma experiência vivida em UTI que têm atendido vítimas da Covid-19
“O senhor é pastor?” De repente, todos nós, que estávamos compenetrados, paramos para olhar para o leito 2 da Unidade de Terapia Intensiva. Lá estava o Roberto, de 49 anos, com a voz ainda rouca e embargada pelos dez dias que passou entubado na UTI do Hospital Adventista de São Paulo.
São dias estranhos e diferentes os que vivemos. Em meio a esse cenário, estávamos revisando e pensando em tantos fatores diferentes, como dose de drogas vasoativas, critérios de ventilação mecânica, antibióticos e todas as questões relativas ao tratamento de pacientes graves.
“O senhor é pastor?”, repetiu mais uma vez Roberto, desta vez com a voz um pouco mais forte, como tentando vencer a máscara de oxigênio que estava usando.
Nesse momento, pensei na resposta que daria: Médico? Coordenador da UTI? Cardiologista? Intensivista? Não. Não me pareceu o correto. Então, falei: “Não, seu Roberto. Não sou pastor. Sou ajudante do Pastor. Por quê?” Ele respondeu que todos os dias me ouvia orar pelos pacientes. E então fez o seguinte pedido: “Poderia orar por mim?”
A observação do Roberto me deixou impressionado. Todos os dias, antes da visita multiprofissional, fazemos uma oração em favor dos pacientes e pedimos a Deus que nos dê orientação e sabedoria ao tomarmos as decisões que melhorem a saúde deles. Mas confesso que me surpreendi com a observação desse homem. Ele passou vários dias em sedação, o que chamamos de “coma induzido”, respirando com o auxílio de aparelhos.
“Claro, Roberto! Já vamos aí orar com você”, respondi.
Terminamos as observações que tínhamos naquele instante e nos aproximamos dele. Éramos ajudantes do Pastor Jesus Cristo, intercedendo em oração por uma pessoa que tinha visivelmente mais sede de Deus do que o próprio ar de que tanto necessitava para respirar. Pedimos a Deus mais uma vez pelo Roberto, para que a luz de Deus iluminasse sua vida, e por todos os pacientes não só daquele hospital, mas de todos que estão em luta nas UTIs e enfermarias.
Em todo o mundo, várias homenagens estão sendo feitas aos trabalhadores da saúde e da segurança que estão arriscando a vida para atender a população. Neste momento, em que é lembrada a importância desses profissionais, podemos achar que somos o centro da solução para a crise na saúde pública.
Contudo, me permito relembrar que nosso trabalho, por mais importante e essencial que seja, tem um propósito maior: ajudar as pessoas a enxergarem a misericórdia e o amor de Deus. Ellen White escreveu: “Coisa alguma abrirá portas à verdade como a obra missionária médico-evangelista. Esta achará acesso aos corações e espíritos, e será um meio de converter muitos à verdade. […] A obra médico-missionária é a mão direita, a mão auxiliadora do evangelho, para abrir as portas à proclamação da mensagem. […] Portas que foram fechadas para aquele que simplesmente prega o evangelho, abrir-se-ão ao inteligente missionário médico. Deus alcança os corações por meio do alívio ao sofrimento físico” (Evangelismo, p. 513).
Saí daquele lugar profundamente emocionado, por mais uma vez lembrar que nossas atitudes profissionais têm um propósito maior que salvar o corpo. E me senti muito feliz e honrado em dizer que minha função, assim como de tantos colegas da área de saúde, é a de ajudante do Pastor.
EVERTON PADILHA GOMES, doutor em Cardiologia pela Universidade de São Paulo (USP), coordena a Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Adventista de São Paulo
Última atualização em 1 de maio de 2020 por Márcio Tonetti.