Mais do que regras

6 minutos de leitura

O Manual da Igreja não é apenas um conjunto de normas, mas uma base sólida que orienta os adventistas a cumprir sua missão com amor, fidelidade e ordem, mesmo diante dos desafios do mundo contemporâneo

João Nicolau Gonçalves

Foto: Nikolay Stoykov / Adventist Media Exchange (CC BY 4.0)

A Igreja Adventista do Sétimo Dia é uma denominação internacional presente em 212 países. Em meio ao pluralismo étnico e à crescente ênfase pós-moderna de novos métodos e estratégias administrativas, surgem desafios para a manutenção de sua identidade, unidade e missão.

O apóstolo Paulo, em 1 Coríntios 14:40, afirmou que as ações na igreja deveriam ser realizadas com “decência e ordem”. No verso 33 do capítulo, ele também declarou: “Porque Deus não é de confusão, e sim de paz. Como em todas as igrejas dos santos.” De fato, a organização constitui a base de toda instituição que almeja o sucesso. Ellen White escreveu: “Método e ordem se manifestam em todas as obras de Deus, em todo o Universo. A ordem é a lei do Céu, e deveria ser a lei do povo de Deus sobre a Terra” (Testemunhos Para Ministros [CPB, 2025], p. 31).

No decorrer da história do adventismo, surgiram problemas relacionados à organização, aos procedimentos e às normas denominacionais, para os quais diversas sugestões foram propostas. Com a expansão do movimento, percebeu-se a necessidade de promover a uniformidade em suas práticas. Por isso, a fim de superar os desafios existentes em uma denominação cada vez mais internacional, preservar a integridade doutrinária e manter a unidade em meio à diversidade cultural, a Comissão da Associação Geral aprovou, em 1931, a publicação do Manual da Igreja.

O escolhido para preparar o documento foi James McElhany, vice-presidente da Associação Geral para a América do Norte que, cinco anos depois, foi nomeado presidente mundial da igreja. O texto original foi cuidadosamente examinado pela Comissão da Associação Geral e publicado em 1932.

Ao refletir sobre as origens da publicação, Daniel Plenc ponderou: “Desde o início, o Manual da Igreja foi uma ferramenta útil e necessária para o andamento e organização da igreja. A propagação do trabalho requereu uma revisão do conteúdo nas conferências mundiais. Não é uma ferramenta imóvel e rígida, mas a manifestação do consenso da igreja mundial sobre os procedimentos, práticas denominacionais e assuntos gerais pertinentes à direção da igreja” (para ver a citação completa, clique aqui).

Ao longo dos anos, as comissões da Associação Geral fizeram alterações e sugeriram novas soluções administrativas, à medida que a compreensão dos assuntos se desenvolvia. Essas decisões eram votadas nas comissões, e as devidas alterações eram inseridas no Manual da Igreja.

No entanto, na Assembleia da Associação Geral realizada em junho de 1946, a igreja adotou o seguinte procedimento: “Todas as mudanças ou revisões de normas que devam ser feitas no Manual deverão ser autorizadas pela Assembleia da Associação Geral” (General Conference Report, 1946, p. 197). Essa decisão tinha o objetivo de que os votos sobre a governança denominacional expressassem não apenas o pensamento, mas também a plena autoridade da igreja.

Além disso, essa atitude estava em consonância com o que afirmou Ellen White: “Deus ordenou que os representantes de Sua igreja de todas as partes da Terra, quando reunidos numa Assembleia Geral, devam ter autoridade” (Testemunhos Para a Igreja [CPB, 2021], v. 9, p. 204). Assim, desde 1946, qualquer alteração ou revisão no Manual só pode ser efetuada por voto de uma Assembleia da Associação Geral devidamente convocada, com a presença dos representantes da igreja de todo o mundo.

Pouco tempo depois, a liderança da Igreja Adventista se deparou com um desdobramento da decisão tomada. Considerando a presença da denominação em todos os continentes, reconheceu-se que poderiam surgir circunstâncias locais que exigissem votos específicos. Diante desse desafio, o Concílio Outonal, realizado em outubro de 1948, aprovou o seguinte voto: “Que cada Divisão do Campo mundial, incluindo a Divisão Norte-Americana, prepare um suplemento do novo Manual da Igreja, não para modificá-lo, mas contendo material adicional que seja aplicável às condições e circunstâncias que prevaleçam na respectiva Divisão. Os manuscritos desses suplementos deverão ser submetidos à consideração da Comissão da Associação Geral, para serem por ela referendados antes de serem impressos” (Autumn Council Actions, 1948, p. 1188).

Dessa forma, cada Divisão tem liberdade e autonomia para preparar um suplemento especial, adequado ao seu contexto geográfico. Esse suplemento não tem aplicação mundial, constituindo-se em um capítulo à parte, exclusivo para seu território.

Documento necessário

Atualmente, como reflexo de uma cultura pós-moderna em que o relativismo impera e a autoridade e as leis são frequentemente questionadas, o Manual da Igreja eventualmente tem sofrido ataques quanto à sua relevância. Mesmo sendo um documento oficial que estabelece os princípios de organização, funcionamento e disciplina da Igreja Adventista, em determinadas situações, ele tem sido alvo de questionamentos.

Geralmente, estas são as observações apresentadas: (1) Legalismo: a aplicação rígida do Manual pode levar a um foco excessivo em regras e normas, em detrimento da ênfase na graça; (2) Desconexão com a realidade local: por ser um documento de alcance mundial, o Manual é, por vezes, considerado pouco sensível às diferentes questões culturais e sociais; (3) Engessamento organizacional: o excesso de procedimentos pode bloquear a inovação e dificultar a adequação da igreja às novas realidades evangelísticas.

Contudo, o Manual é um livro que expressa a aplicação dos princípios bíblicos em diálogo com nosso tempo, considerando a presença da Igreja Adventista em diferentes culturas. Por esse motivo, seus procedimentos não impedem o desenvolvimento de novas estratégias e inovações missiológicas, mas ajudam a mantê-los dentro de uma moldura coerente com a Palavra de Deus. Assim, para que ele cumpra seu propósito de promover a unidade da igreja, preservar os ideais bíblicos e estabelecer a unificação de procedimentos, é imprescindível que seja utilizado de forma correta, sábia e equilibrada.

É importante familiarizar-se com o Manual, dedicar tempo à sua leitura e estudá-lo com atenção. A compreensão superficial de seu conteúdo pode levar a aplicações equivocadas, resultando em prejuízos para a vida eclesiástica. É necessário que sua aplicação considere adequadamente o contexto e não seja enviesada com predisposições pessoais.

Além disso, deve-se lembrar que sua utilização precisa demonstrar o espírito com que foi elaborado. Sua aplicação deve refletir o amor, a fidelidade, a misericórdia e o foco na salvação que se encontravam na vida de Cristo. O Manual existe para auxiliar a igreja na aplicação dos princípios bíblicos no contexto eclesiástico, a fim de que a denominação cumpra a missão de pregar o evangelho em todo o mundo, superando possíveis dificuldades que possam surgir. Evidentemente, ele não deve ser visto como substituto das Escrituras, mas como um suporte que apresenta os princípios nelas contidos de maneira sistematizada e efetiva.

Ademais, o Manual deve ser utilizado em todas as reuniões como referência para os procedimentos, evitando os “achismos” que enfraquecem a coesão denominacional. Para isso, é fundamental utilizar a versão mais recente, já que ele é periodicamente revisado nas Assembleias da Associação Geral, a fim de atender às necessidades e aos desafios contemporâneos da igreja. Caso contrário, os membros correm o risco de ignorar as novas alterações e aplicar procedimentos desatualizados.

Walter Beach sintetizou a relevância do documento ao afirmar que “as provisões do Manual da Igreja salvaguardam a igreja de provas e erros que debilitam, bem como da falta de coesão, injustiça e, às vezes, apostasia total. Os princípios e as normas encontrados nesse livro contribuem para a preservação da uniformidade da igreja de Deus em todo o mundo. Eles evitam a tendência natural nas diferentes regiões de imitar em demasia os costumes e normas de administração e negócios e desenvolver um tipo diferente de igreja” (“Por que ter um Manual da Igreja?” Revista Adventista, agosto de 1979, p. 13).

Portanto, os procedimentos contidos no Manual contribuem para um ambiente de decisões coerentes, pois eles oferecem margem adequada para que as pessoas pensem, aprendam e façam escolhas sábias, condizentes com o contexto em que estão inseridas. Com esse detalhamento e padronização de orientações, aliados à liberdade de decisão, a igreja pode manter a identidade denominacional, o compromisso doutrinário, a estabilidade administrativa, o vigor missionário e a unidade ao redor do mundo.

JOÃO NICOLAU GONÇALVES é mestre em Teologia e líder de Ministério Pessoal e Escola Sabatina da Associação Central Paranaense

LEIA TAMBÉM:

Última atualização em 8 de julho de 2025 por Márcio Tonetti.