Apesar da pressão da sociedade consumista atual, o que possuímos não deve nos possuir nem nos definir
GERALDO BEULKE
Vivemos numa sociedade em que tudo está à venda e numa época em que se crê que quanto mais se consome mais se tem garantias de bem-estar, prestígio e valorização. Há quem afirme que estamos nos desequilibrando na linha perigosa entre ter uma economia de mercado e ser uma sociedade de mercado (Michael J. Sandel, O Que o Dinheiro Não Compra [Civilização Brasileira, 2017], p. 14).
Essa cultura de mercado resultou no que conhecemos como consumismo, que não é apenas um comportamento, mas uma visão de mundo (Mark Driscoll, Quem Você Pensa Que É? [Mundo Cristão, 2014], p. 18). Os bens carregam significados, emitem sinais sociais às pessoas ao redor e podem interferir em nossa identidade. Assim, roupas de grife, carros de última geração e novidades tecnológicas podem produzir um falso senso de segurança e se tornar uma muleta psicológica e social.
O consumismo pode ser considerado uma compulsão caracterizada pela busca incessante de objetos novos sem que haja real necessidade deles. Torna-se uma forma de idolatria, cuja trindade a ser adorada consiste em móveis, imóveis e automóveis, exigindo em seu altar o sacrifício do tempo, da saúde, da paz, do convívio social e do bem-estar familiar. Quando cedemos a essa forma de idolatria, aquilo que possuímos passa a nos possuir.
O conselho bíblico, sempre atual, é ainda mais significativo para nossos dias: “Melhor é ter um punhado com tranquilidade do que dois punhados à custa de muito esforço e de correr atrás do vento” (Ec 4:6, NVI). Esse texto nos remete a duas aplicações relacionadas ao consumismo. Primeira, o preço a ser cobrado por uma vida centrada em consumir e acumular pode ser muito mais caro do que o valor dos bens adquiridos. Segunda, com as duas mãos cheias de bens adquiridos para nós mesmos, ficamos ocupados demais para estendê-las em ajuda a quem precisa e em adoração a Deus. O foco em adquirir e acumular nos rouba a energia e o tempo necessários para o trabalho demorado de amar os outros e a Deus.
Em parte, esse foi o problema daquele rico produtor da parábola de Lucas 12:15-21. Lendo com atenção o texto bíblico, reparamos como os planos daquele homem gravitavam em torno do próprio ego. Seus bens o definiam, pois o possuíam. Por isso, Jesus introduziu a parábola afirmando que “a vida de um homem não consiste na quantidade de seus bens”.
O consumismo é um “parasita” transmitido pela mosca da ganância (Eugene Peterson, A Linguagem de Deus [Mundo Cristão, 2011], p. 73). Somos todos vulneráveis. Às vezes há anticorpos bíblicos suficientes em nossa mente; outras vezes, não. De quando em quando, nos vemos pensando, à semelhança daquele fazendeiro, em construir um celeiro maior. Deixamos de ver dádivas, dinheiro e bens como amor a ser compartilhado e começamos a calculá-los como meios de nos render prestígio, influência e atenção. Portanto, precisamos viver por estes princípios: a vida de uma pessoa não consiste na quantidade de seus bens, então é melhor ter um punhado com tranquilidade do que dois punhados à custa de muito esforço e de correr atrás do vento. Aquilo que possuímos não deve nos possuir.
GERALDO BEULKE, pastor em Tatuí (SP), está cursando o doutorado em Teologia pelo Unasp
(Artigo publicado na edição de março de 2019 da Revista Adventista)
Última atualização em 24 de abril de 2019 por Márcio Tonetti.