Mentalidade secular e pós-cristã

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Ainda há oportunidades para a missão num mundo em que os sem religião crescem cada vez mais?

Kleber Gonçalves

Foto: Adobe Stock

A missão é a mesma, mas as pessoas com as quais devemos compartilhar a boa-nova do “evangelho eterno” (Ap 14:6) não são. As mudanças socioculturais durante as últimas décadas afetaram profundamente a forma como as pessoas consideram e praticam a religião em todo o mundo. Por exemplo, a missão de Deus tem sido severamente prejudicada pelo crescimento contínuo do secularismo, que envolve a eliminação de qualquer coisa relacionada à religião ou espiritualidade. Ao mesmo tempo, muitos desenvolveram atitudes de rejeição ao cristianismo e à igreja como um todo — particularmente contra a religião institucionalizada.

Algumas dessas mudanças são maiores do que podemos perceber. Consideremos o número absoluto de pessoas que esse grupo representa: aproximadamente 1,1 bilhão de pessoas em todo o mundo. Em outras palavras, um em cada sete indivíduos deste planeta afirma não ter filiação religiosa. Esse é um grupo muito diversificado e complexo, composto de ateus, agnósticos, pessoas não religiosas ou qualquer indivíduo que não abrace nenhuma tradição religiosa ou crença específica.

Normalmente, quando olhamos para o desafio secular e pós-cristão, temos em mente o mundo ocidental. Há muitas razões para isso, entre elas, os esforços deliberados para eliminar a religião da vida pública e social. Por exemplo, de acordo com pesquisas realizadas pelo Pew Research Center, nos Estados Unidos, cerca de 3 em cada 10 adultos se consideram “sem filiação religiosa”, e cerca de um quarto da população abraça agora a cosmovisão secular/não religiosa. Durante os últimos 15 anos, o número de pessoas que se identificam com o cristianismo diminuiu 15%. O grupo que afirma não ter filiação religiosa cresceu 13%. Esses números são ainda mais altos quando as gerações mais jovens, como a Y e a Z, são incluídas nas estatísticas.

De certa forma, as questões relacionadas à falta de religiosidade na Europa Ocidental são muito mais complexas. Poucas pessoas frequentam regularmente a igreja naquele que outrora foi um continente cristão. O número de europeus que são indiferentes ao cristianismo e que consideram a religião irrelevante está em constante crescimento. Um padrão semelhante também está surgindo na Austrália, onde a rejeição da fé religiosa está em ascensão. Quase dez milhões de australianos, cerca de 38% da população, afirmam não ter religião.

Com o avanço da globalização e das novas tecnologias de comunicação, as ondas contra a religiosidade não estão invadindo apenas as fronteiras ocidentais. Nas regiões euroasiáticas, essa é uma tendência sempre crescente. Por exemplo, a ascensão do secularismo como ordem social e política coincidiu com o renascimento da religião nas regiões pós-soviéticas. Na Rússia, 28% de seus cidadãos não seguem nenhuma tradição religiosa e 13% não acreditam em Deus. Além disso, a Ásia concentra cinco dos dez países menos religiosos do mundo: China, Japão, Coreia do Sul, Coreia do Norte e Hong Kong. Um exemplo simples é que um em cada três templos budistas no Japão provavelmente fechará nos próximos 25 anos devido à falta de frequentadores e sacerdotes.

Atitudes similares são percebidas também entre os “muçulmanos culturais” – especialmente entre os jovens – que se identificam com o Islã por laços culturais e sociais, mas tendem a se desconectar da fé herdada dos pais. Os judeus estão vivendo o mesmo fenômeno. Entre os que moram em Israel e têm 20 anos de idade ou mais, 44% dizem ser laicos. Por sua vez, nos Estados Unidos, 25% se identificam como agnósticos, ateus ou “crentes” em “nada em particular”.

Ondas de ateísmo, agnosticismo e secularismo também mostram seu impacto no continente africano. Mais de 15% das pessoas na África do Sul se consideram ateias. Em Moçambique, 14% se declaram não religiosas, em comparação aos 20% de Botsuana. Pelo menos 30 milhões de pessoas na África Subsaariana se identificam como “não religiosas”, afirmando que não seguem nenhuma denominação.

Podemos desenvolver “pontos de contato” intencionais para compartilhar o amor de Deus em um mundo sem religião, principalmente por meio do nosso estilo de vida

Não é surpresa encontrar paralelos similares na América Latina. Com a queda da autoridade católica em muitos países da América Central e do Sul, o secularismo é predominante em várias formas. No Uruguai, o país menos religioso da América do Sul, cerca de 47% da população não acredita na existência de Deus. Além disso, aproximadamente 10% dos mexicanos denominam-se “não religiosos”, o que faz deles o grupo laico que mais cresce na América Central.

Esses são apenas alguns exemplos da realidade mundial causada pela mentalidade ­secular e pós-cristã. O que acontecerá em seguida? Com o desenvolvimento de uma postura relativista da religião, muitos agora estão tentando criar sua própria “espiritualidade”, centrada em escolhas pessoais. Isso está levando a um desenvolvimento gradual do pluralismo religioso no qual, em última instância, qualquer religião – ou atitude não religiosa – é apropriada e aceitável. Ao mesmo tempo, há uma desconfiança crescente na autoridade institucional, o que leva à rejeição e à alienação de qualquer forma de religião institucionalizada.

Mas a pergunta permanece: Ainda há oportunidades para a missão nos contextos secularizados e pós-cristãos? Tudo depende de como as encaramos e tiramos proveito delas.

Como adventistas, seguindo o conselho de Paulo e “aproveitando ao máximo cada oportunidade” (Ef 5:16), podemos desenvolver “pontos de contato” intencionais para compartilhar o amor de Deus com um mundo sem religião, principalmente por meio do nosso estilo de vida.

A atenção e o cuidado com a saúde, a ênfase na família e na comunidade e a mensagem do sábado são alguns pontos que podemos usar para estabelecer contato e compartilhar o evangelho eterno com pessoas sem filiação religiosa.

A implantação do conceito de “terceiro lugar” – criando uma opção entre o primeiro (lar) e o segundo (local de trabalho) – representa outra tremenda oportunidade de se conectar de forma relevante com a mentalidade secular e pós-cristã, na qual as abordagens tradicionais da missão não são tão bem-sucedidas.

Essas e outras abordagens foram implantadas e experimentadas em projetos-piloto apoiados pelo Centro de Estudos Sobre Secularismo e Pós-Modernismo (CSPM) na sede da Missão Adventista (saiba mais em: cspm.globalmissioncenters.org). O CSPM serve à Igreja Adventista em todo o mundo, fazendo discípulos em sociedades seculares e pós-cristãs e preparando-os para a segunda vinda de Cristo. No entanto, não devemos perder de vista o fato de que nossa mensagem deve priorizar a realidade futura do Reino de Deus e a esperança, elementos que nossos amigos secularizados e ­pós-cristãos precisam urgentemente hoje, embora frequentemente não percebam.

As pessoas mudam, mas a missão permanece a mesma: “A missão da igreja de Cristo é salvar os pecadores que estão a perecer. É divulgar o amor de Deus aos seres humanos, conquistando-os para Cristo pela eficácia daquele amor” (Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, v. 3, p. 381).

Deus pode contar conosco para o cumprimento de Sua missão?

KLEBER GONÇALVES é diretor do Centro de Estudos Sobre Secularismo e Pós-Modernismo (CSPM) da Missão Adventista

(Artigo publicado na edição de abril de 2023 da Revista Adventista / Adventist World)

Última atualização em 19 de abril de 2023 por Márcio Tonetti.