Autor de livro sobre John Andrews fala sobre o interesse renovado na história do adventismo e a importância de entendermos o passado de maneira mais ampla e contextualizada
Nathan Brown
Natural da Nova Zelândia, o doutor Gilbert Valentine tem uma vasta experiência como educador e administrador. Ele serviu a igreja não apenas em sua terra natal, mas também na Austrália, no Paquistão, na Inglaterra e na Tailândia. Hoje, além de ser professor e presidente do Departamento de Administração e Liderança da Universidade La Sierra, em Riverside, na Califórnia (EUA), ele tem se dedicado a pesquisar a história do adventismo.
Depois de retratar W. W. Prescott para a “Série dos Pioneiros Adventistas”, nos últimos dez anos o doutor Valentine se dedicou a um projeto ainda mais ousado: a biografia de John Andrews. O resultado foi um livro de 728 páginas, publicado pela Pacific Presss em 2018. Nesta entrevista, concedida originalmente ao site da Adventist Record (revista da igreja na Austrália) e reproduzida aqui de maneira resumida, ele revela detalhes de sua exaustiva investigação e discute a relevância da pesquisa histórica para a igreja.
Parece haver um ânimo renovado entre os historiadores adventistas. O que motivou esse fenômeno?
Em tempos recentes, uma grande quantidade de material novo se tornou acessível ao historiador adventista, e algumas cartas que antes eram consideradas reveladoras, ou sensíveis demais para os pesquisadores, agora estão disponíveis. É como ter novas lâmpadas de alta potência que brilham como holofotes em uma sala escura – os novos detalhes e perspectivas podem ser surpreendentes. Isso energiza os historiadores. Ademais, as editoras adventistas hoje estão mais dispostas a publicar os resultados de estudos que contam a história de nossa de modo a desafiar a compreensão tradicional do nosso passado, que às vezes se mostra incompleta. Isso pode nos ajudar a preencher lacunas, corrigir mitos e mal-entendidos, abrir perspectivas mais amplas sobre fenômenos complexos e revelar nossos antepassados de novas maneiras. Por exemplo, como George Knight aponta em seu novo livro, intitulado Ellen White’s Afterlife (Pacific Press, 2019), muitas ideias imprecisas cresceram em torno da história de Ellen White nas décadas seguintes à sua morte. Novos estudos e novas fontes podem nos ajudar a ter uma noção muito mais clara de quem somos e de como chegamos aqui.
O que chamou sua atenção em J. N. Andrews?
Muitos fatos me impressionaram. Por exemplo, a profundidade de suas lutas para estabelecer a missão na Europa e os choques culturais. Também chamou a atenção o fato de Tiago White, às vezes, sentir-se ameaçado pelo colega. Outro aspecto foi como Andrews vivenciou a iminência do advento, como isso concentrou nitidamente seu senso de dever em tudo o que fazia, mas também gerou um sentimento permanente de culpa de que ele nunca havia feito o suficiente.
Por quanto tempo você trabalhou neste livro de mais de 700 páginas e como foi desenvolver um projeto tão amplo?
Comecei a trabalhar na biografia de Andrews em 2010. Foi um longo período. Procurei seguir o conselho de Robert Caro, autor da biografia do presidente norte-americano Lyndon B. Johnson e vencedor do prêmio Pulitzer. Certa vez, ele explicou que sua estratégia era “virar todas as páginas”, sem deslizar ou pular. A documentação agora disponível sobre Andrews é enorme, mas fiz o possível para pesquisar todas as páginas (fontes) disponíveis. Acho que valeu a pena!
Qual foi a sua descoberta mais surpreendente?
Talvez as ideias mais reveladoras do estudo tenham sido sobre Ellen e Tiago White como colegas próximos de Andrews. Ver Tiago White lutando com o que parece ter sido um transtorno de humor bipolar, conforme sugiro no livro, é esclarecedor. Além disso, foi possível compreender melhor suas lutas e a razão de a pioneira ter vivenciado momentos de depressão, à medida que seu esposo se tornou cada vez mais disfuncional, em resultado de sucessivos derrames. Isso despertou em mim uma nova apreciação por sua perseverança e determinação.
Andrews é frequentemente elogiado como o primeiro missionário adventista estrangeiro, mas parece que seu trabalho duro e seus melhores esforços tiveram pouco sucesso. Ele morreu na Suíça com uma sensação de fracasso.
Os líderes da igreja na década de 1870 acreditavam que poderiam simplesmente pegar o que chamavam de “modelo americano” de evangelismo, colocá-lo para funcionar na Europa e ser bem-sucedidos. Além disso, supunha-se que o missionário não precisaria de um salário da base. Assim, Andrews foi para a Europa sem ter um salário regular. Ele aprendeu rapidamente que as coisas não eram tão simples quanto nos EUA. Nesse período, a igreja fez pouca ou nenhuma análise do impacto do choque cultural e das habilidades de comunicação intercultural. Andrews ajudou a denominação a aprender a fazer a missão como ele próprio aprendeu.
Qual é a contribuição mais significativa dele para o adventismo?
Embora esteja pouco desatualizado, o trabalho de Andrews sobre a história do sábado foi uma contribuição notável. Ele foi pioneiro em ensinar sobre o valor das “notas de rodapé” e da cuidadosa pesquisa histórica na busca e defesa da verdade.
Por que a história de nossos pioneiros é tão importante?
A história não se resume a eventos e datas, guerras e descobertas. É sobre pessoas e feita por pessoas. Mais do que qualquer outra coisa, biografias podem contar nossa história com mais detalhes, revelando quem éramos e quem somos.
Última atualização em 18 de dezembro de 2019 por Márcio Tonetti.