Um retrato de sua vida
Lael Caesar
Passe por Ele pelo caminho empoeirado até o humilde edifício galileu do primeiro século que você chama de lar: dois cômodos, tijolos de barro com lama e palha como argamassa e chão de terra. Dois quartos e um pátio aberto. Você trabalhou desde o nascer do Sol. Agora, comida e descanso são tudo em que você pensa, não em encontros dramáticos com estranhos importantes.
O Personagem
O homem que passou na outra direção pode ter sido Jesus, filho de José, um judeu palestino com quase 30 anos de quem você já escutou falar, mas nunca conheceu – até onde você se recorda. É verdade que Ele não parecia ser o tipo de pessoa que teria encontros dramáticos, e talvez seja exatamente por isso que você nunca O conheceu: não havia nada Nele que chamasse atenção.
Mas ao escutar Sua mãe falar Dele, você acreditaria que nunca houve outra criança como Ele na pequena cidade montanhosa de Sua juventude. Um menino educado, pronto para ajudar e humildemente fascinante, mesmo em momentos dolorosos, embaraçosos e difíceis. Ela lhe contará a história de Seu constante amadurecimento e crescimento em sabedoria, ao mesmo tempo em que também crescia fisicamente.
O filho de Maria e José foi uma criança que não Se transformou em um adolescente atrevido, ou num jovem adulto orgulhoso. Mas não há como negar: Ele conhece muito. Ainda assim, tudo o que fez foi Se tornar um jovem cordial, de aparência sensata.
Sua mãe e Seus irmãos, embora com muito menos satisfação, também poderiam dizer o quão persuasivo Ele é ao falar de Suas convicções éticas. Seu coração está sempre transbordando de gratidão por Sua devoção às Escrituras, que Maria tão cuidadosa e fielmente Lhe ensinou. Para Ele, tudo se fundamenta na Palavra de Deus. Ele extrai do livro de Deuteronômio: “O ser humano não viverá só de pão, mas de tudo o que procede da boca do Senhor” (Dt 8:3).
Seus irmãos podem provar as coisas ditas pela mãe. Quando falam, o fogo dentro deles é diferente do fervor que queima em Sua alma e que se manifesta em Seus olhos evidentemente honestos. Às vezes, eles exclamam a respeito de Sua santidade impraticável: “Está fora de si” (Mc 3:21). Outros também pensam assim, e chegam a sugerir que Ele esteja possuído (Jo 10:20). Ele realmente conhece a história de Sua nação e os grandes pais dessa história? Quão equilibrado ele é?
Jesus fala com convicção sobre o que Deus fez por nós por intermédio dos patriarcas. Então, exorta sobre o falso zelo, lembrando que os grandes nomes de Israel cometeram falhas: Moisés matou um egípcio; Davi iludiu Saul e o rei filisteu Aquis. Além disso, responsabiliza Davi pela morte de 85 sacerdotes! Em vez de relembrar suas façanhas, Ele Se irrita com a ideia de que os próprios pais das tribos foram o fruto de tanta contenda, engano e ciúme criminoso, que queimaram tão furiosamente no período em que viveram, bem como em nossos dias. Afinal, ninguém é perfeito!
Essa, claro, é uma das piores coisas para dizer se esperava silenciá-Lo. É isso que O anima! Ele concordará prontamente com você, porque esse é o problema. Ninguém é perfeito. Precisamos de um exemplo melhor, um guia melhor, um modelo melhor; uma orientação diferente. Não precisamos nos espelhar em nossos semelhantes caídos quando podemos buscar o Senhor de todo o nosso coração, nossa alma e com toda nossa força (Dt 6:5); quando podemos confiar na graça e no poder do Céu a cada momento de cada dia. Isso não é sobre nós. É tudo a respeito do Pai Celestial, que pretende que Seus filhos valorizem a pureza da alma e a integridade de ação mais do que a vida. Você serve à causa do Senhor, permitindo que Ele aja por seu intermédio, “para que vejam as boas obras que vocês fazem e glorifiquem o Pai de vocês, que está nos céus” (Mt 5:16).
Ele vê verdades naqueles pergaminhos que Sua mãe, Sua principal professora, não havia pensado, aprendido, ou escutado na sinagoga. Incluindo o que Ele acredita sobre Sua nação, o povo especialmente escolhido por Deus. Às vezes, os irmãos pressionam Maria quando O escutam falar sobre família. Ela sente, mas isso nunca a leva a condenar seu Filho quando Ele diz: “Minha mãe e Meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a praticam” (Lc 8:21).
Os chefes da sinagoga
Os chefes da sinagoga tomam conhecimento da singularidade de Jesus. Isso não os deixa confortáveis. Eles não poderiam descrevê-Lo como hostil. Além disso, apesar da modéstia, a livre familiaridade com que invoca a Bíblia os deixa instáveis em seus fundamentos teológicos. As ocasiões a que Ele Se refere como “discussões” envolvem momentos – às vezes bastante longos – de gritos enfurecidos de líderes congregacionais que acabam se sentindo mais como inimigos do que como debatedores. Eles tentaram o máximo que puderam sintetizar suas alegações de desrespeito à autoridade, distorção das Escrituras e deslealdade à nação escolhida por Deus. Mas acabam com pouca ou nenhuma prova. Na maioria das vezes, eles se sentem desejando que o Todo-Poderoso Lhe inflija o dano corporal grave que merece pelas “blasfêmias” das quais não conseguem provar Sua culpa.
Ele os leva à loucura, mas não há nada que possam atribuir ao Seu tom ou volume de voz, Seu vocabulário ou Sua linguagem corporal. Eles simplesmente sentem ódio intenso por Ele e lutam para encontrar uma justificativa para isso (Sl 69:4; Jo 15:25). Eles não têm certeza se Ele Se submete adequadamente até mesmo aos rabinos mais respeitados. Eles não conseguem dizer o que Ele acredita sobre os romanos. Nem se pode contar com Ele para denunciar e repudiar os publicanos que trabalham para o império. Todos sabem que os romanos, particularmente os militares romanos, são uma presença desprezível, cruel e má em Israel, e ninguém, exceto os publicanos, são menos bem-vindos do que eles.
Além disso, todos sabem que os filhos devem obediência aos pais, e que eles e seus pais devem total lealdade à família e aos mais velhos da comunidade. Mas esse Homem, com Sua maneira mais reservada e segura, cita o Shemá (Dt 6:4-9), realçando que somente a Deus é devida lealdade absoluta, e que até mesmo a separação de famílias é completamente apropriada para o bem da determinação de qualquer um em seguir ao Senhor (Mt 10:34-36).
Então, se você deixar, esse Mestre o abraçará tão forte que você saberá que Ele não tem um pingo de raiva em Seu corpo e que o ama do mesmo jeito, quer você concorde ou discorde de Suas ideias. Mas a questão ainda é inquietante: de modo geral, não se pode confiar que Ele dará aos romanos o que lhes é devido, ou dará aos líderes familiares e comunitários o apoio de que podem necessitar quando chegar o momento de agirem juntos por Israel, contra seus inimigos.
O povo
Há outros na comunidade, mesmo entre a população mais velha, que têm receio de Suas palavras e Seus ensinamentos. Essas pessoas não são mal-intencionadas, mas é que as histórias que contam sobre Ele são de uma improbabilidade monumental. Ele não é originário de Nazaré; mas Se mudou para a cidade quando criança, vindo do Egito. Sua mãe engravidou antes do casamento, mas seu pai ainda a tomou como esposa. José era um trabalhador exemplar e ensinou-Lhe o ofício de carpinteiro. Se estivesse vivo, ficaria orgulhoso de ver o trabalho meticuloso que seu filho desenvolve.
Certa vez, Jesus abandonou Sua mãe e Seu pai depois da Páscoa. Eles passaram três dias O procurando no caminho de casa. Quando ficou claro que não estava entre os peregrinos que retornavam para o lar, José e Maria voltaram a Jerusalém desesperados. Enquanto isso, o Garoto estava no templo, envolvido em um diálogo profundo com “os doutores”, sentado entre eles, “ouvindo-os e fazendo-lhes perguntas” (Lc 2:46). Pelo que sei, pode ter sido a primeira vez na vida que Maria O repreendeu publicamente: “Filho, por que você fez isso conosco? Seu pai e eu estávamos aflitos à Sua procura” (v. 48).
A resposta Dele foi surpreendente: “Por que Me procuravam? Não sabiam que Eu tinha de estar na casa de Meu Pai?” (v. 49). Outra coisa que eu provavelmente deveria mencionar: Sua idade na ocasião. Ele tinha apenas 12 anos!
Emanuel
Uma onda de forte emoção tomou conta de Maria ao escutar a resposta de Jesus. Naquele momento, sua mente voltou ao passado, para o momento em que ela estava sozinha em seu quarto e um visitante apareceu sem ruído ou permissão, rodeado por uma luz sagrada que inundou o ambiente de mistério e admiração: “Salve, agraciada! O Senhor está com você. […] Não tenha medo, Maria […] Você ficará grávida e dará à luz um filho, a quem chamará pelo nome de Jesus” (Lc 1:28, 30, 31).
José, seu noivo, também recebeu uma mensagem do Céu. Ela não deveria ter medo. Nem ele: “Não tenha medo de receber Maria como esposa, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e você porá Nele o nome de Jesus, porque Ele salvará o Seu povo dos pecados deles” (Mt 1:20, 21).
Cumprimento profético, dizem eles. E eles seriam aqueles por meio dos quais o Verbo desceria à Terra, habitaria um corpo humano, viveria uma vida pura e sem falhas e morreria para tirar o pecado do mundo (Jo 1:29, 36). “A virgem conceberá e dará à luz um filho e Lhe chamará Emanuel” (Is 7:14).
Maria estava certa: nunca houve nem haverá outra criança como Ele, Emanuel, Deus conosco!
LAEL CAESAR foi diretor-associado da Adventist Review
(Artigo publicado na Revista Adventista de dezembro/2024)
Última atualização em 4 de dezembro de 2024 por Márcio Tonetti.