A internet, que completa cinco décadas de existência, mas se popularizou nos últimos 30 anos, ampliou as possibilidades de pregação do evangelho, mas essa poderosa ferramenta não pode substituir o contato pessoal
No dia 29 de outubro de 1969, às dez e meia da noite, na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (EUA), o estudante de computação Charley Kline, cercado por um grupo de cientistas em expectativa, deu um comando ao computador SDS Sigma 7, e uma mensagem foi transmitida para outro computador, um SDS 940, que estava a cerca de 600 km dali, numa sala da Universidade de Stanford, em Palo Alto, no centro da região que ficaria conhecida como Vale do Silício. O computador deveria enviar a palavra “login”, mas a linha de comunicação caiu, e os pesquisadores em Stanford receberam apenas as duas primeiras letras: “lo”.
Apesar da relativa falha de comunicação, uma revolução havia começado. Aquela foi a primeira transmissão eletrônica de uma mensagem entre dois computadores. Alguns minutos depois, houve uma nova tentativa e, dessa vez, a palavra “login” foi comunicada de forma completa. Estava criada a internet, a rede de computadores que, mais tarde, se popularizaria e mudaria toda a comunicação do planeta.
“Lo”, as duas primeiras letras recebidas em um computador de Palo Alto, em uma noite de quarta-feira, converteram 29 de outubro de 1969 na data-chave para a abertura de um capítulo importante da história, não apenas da comunicação eletrônica, mas da humanidade. Algumas décadas depois, como resultado direto dessa pequena ação, os sistemas de comunicação tradicionais do século 20, como telefone, música, cinema e televisão, e até o comércio, seriam remodelados dentro do padrão do que se tornaria a rede mundial de computadores. A nova interdependência eletrônica recriaria o mundo à imagem de uma aldeia global (M. McLuhan, The Gutember Galaxy, 1962, p. 31).
O conceito de uma aldeia global, interligada por um meio de comunicação eletrônico abrangente, converge virtualmente para a necessidade da primeira mensagem angélica (Ap 14:6), que é a Grande Comissão (Mt 28:19), dada hoje no contexto dos últimos dias (Mt 24:14). A globalização da mensagem é uma “verdade presente”, revelação de Deus concedida à humanidade no momento em que existe uma necessidade, sendo que todos os três textos (Mt 24:14; 28:19; Ap 14:6) enfatizam a pregação do evangelho a todo o mundo, a “todas as nações” e “a cada nação, e tribo, e língua, e povo” (N. Gulley, Sabbath School Lesson, 2nd, 2018, p. 99); Contagem Regressiva, 2018, p. 59). Em outras palavras, de forma compatível à contingência da comunidade cibernética que emergiu nas últimas décadas, a divulgação da primeira mensagem angélica, somada às duas outras subsequentes (Ap 14:6-12), é uma necessidade todo-abrangente. Toda pessoa precisa ouvi-la!
Nesse sentido, Apocalipse 18:1 revela um movimento incomum de pregadores do evangelho que, como nos dias do Pentecostes (Atos 2:1-11), irá acelerar drasticamente a proclamação da mensagem dos três anjos, o que, sob o contexto bíblico-escatológico, converge para um poder de persuasão sobrenatural concedido pelo Espírito de Deus para aqueles que mantiveram até o fim uma aliança sólida com Ele; e “a terra toda sendo iluminada” significa que todos receberão a mensagem de advertência. Todo o período entre o Pentecostes e a segunda vinda de Cristo (seja longo ou curto) deve ser preenchido com a missão mundial da igreja (John R. W. Stott, A Mensagem de Atos, 1994, p. 43).
Retomando o conceito da universalidade comunicacional da internet, que está incluída no bojo daquela que é conhecida historicamente como a terceira revolução industrial, as plataformas digitais da rede mundial de computadores auxiliam para que “o evangelho seja pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as nações” (Mt 24:14). No entanto, essas são apenas ferramentas auxiliares. Existe uma obra individual que não pode ser transferida à tecnologia. “O serviço aos pobres e enfermos, o anunciar o evangelho aos perdidos, não deve ser deixado a comissões ou caridade organizada. Responsabilidade individual, individual esforço e sacrifício pessoal são exigências evangélicas” (Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, p. 147).
A base fundamental do discipulado, palavra que resume a Grande Comissão (Mt 28:19), é relacionamento, na forma intrasferível do contato pessoal. A construção de laços de amizade, proporcionados pela interação direta, se tornará uma ponte pela qual a verdade marchará até a mente do discípulo (Mark Finley, Decisiones, 1984, p. 10). O ensino relacional, que é um segundo fundamento do discipulado, é caracterizado pelo estudo da Palavra de Deus sob a perspectiva do suprimento das necessidades emocionais e doutrinárias do discípulo. As pessoas não estão interessadas em quanto sabemos da Palavra de Deus, mas quanto nos importamos com elas e isso é, em muitas ocasiões, proporcionado por um contato visual que a rede não pode fornecer (Paulo Godinho, Discipulado e Formação Espiritual, 2018, p. 34).
Quando, através do batismo, o discípulo-aprendiz é integrado ao corpo da igreja, o respeito, o acolhimento e o amor dão ao mecanismo o polimento necessário para que a peça-chave, que é o novo discípulo, não se quebre por causa da decepção ou do abandono. O acompanhamento, ensino e integração, que ocorre depois do batismo, auxilia o novo crente na formação espiritual e doutrinária para o evangelismo pessoal. Nesse sentido, o discipulador acompanha o discípulo antes, durante e depois do batismo, para que ele seja também um discípulo-discipulador, permanecendo e crescendo em Cristo. Essas ações, em sua maioria, não podem ser feitas por procuração eletrônica.
Em resumo, a evangelização a distância não permite que o discípulo aprenda a lição fundamental do discipulado, que é a reprodução do caráter de Cristo, através do testemunho de um discipulador, que mostra de perto o que é comunhão, relacionamento e missão.
FLÁVIO PEREIRA DA SILVA FILHO, mestre em Teologia Bíblica, é pastor jornalista
Última atualização em 29 de outubro de 2019 por Márcio Tonetti.