O mundo está descobrindo o que os vulneráveis sempre souberam: sem estudo não há esperança
Michael Kruger
Os últimos meses têm permitido a muitos de nós a experiência do que é ter uma criança fora da escola. Não em casa no verão ou nas férias, mas em casa tentando manter os programas de ensino dentro do prazo, sem acesso adequado a todas as coisas que tornam a escola muito boa.
Esta interferência na vida normal, entre outros efeitos secundários da pandemia da Covid-19, será uma nota de rodapé na narrativa da nossa vida: o tempo em que todos nós tentamos o ensino em casa. Para alguns, isso reforça o valor do sistema educativo. Para outros, foi um acidente inesperado, cheio de pontos fortes, aprendizagem virtual e infinitas sessões de trabalhos manuais e artísticos.
Se quando você ler esse artigo a vida já tiver voltado à normalidade, ficaremos felizes pelo fato de nossos filhos não estarem mais fora da escola, mas simplesmente aproveitando as férias. Quando eles voltarem para seus professores, recursos, playgrounds e colegas, será mais uma vez um tempo agridoce de volta às aulas.
EMPATIA NASCIDA NA CRISE
Para 264 milhões de crianças em todo o mundo que não estão frequentando a escola, esse parece um sonho cruel. Agora que nossas crianças perderam sua rotina educacional normal, mesmo que seja por apenas alguns meses, podemos começar a imaginar como seria se essas interrupções temporárias da escolaridade se tornassem permanentes.
Imagine, por um momento, que seu filho de 8 anos de idade nunca tenha frequentado uma escola primária. Seu filho nunca participou de uma discussão de classe, nunca levantou a mão para responder a um problema de matemática, nunca teve uma oportunidade formal de aprender a ler e escrever. Para 25 milhões de crianças nessa faixa de idade, esse é o cenário real. Seu filho hipotético de 8 anos de idade seria contado entre as crianças que nunca viram o interior de uma sala de aula e, sem intervenção, provavelmente nunca verão.
Essas estatísticas são ainda piores se essa criança for menina ou refugiada ou necessitar de educação especial. De acordo com a Unesco, o dobro de meninas em relação aos meninos nunca irá ingressar na escola. Além disso, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) afirma que as crianças refugiadas têm cinco vezes mais probabilidade de sair da escola do que seus semelhantes não refugiados (saiba mais aqui). Além disso, segundo o Unicef (saiba mais aqui), 90% das crianças com deficiência nos países em desenvolvimento estão fora na escola.
Esse é o mundo de Rafeef, uma refugiada síria de 10 anos de idade que sofre de uma doença genética debilitante na medula espinhal. Embora não conheça essas estatísticas oficiais, certamente ela sabe o que significa ficar fora da escola. Visto que sua doença afeta a visão, a mobilidade e a habilidade de aprender em ambientes tradicionais, Rafeef requer assistência especial. Mas no Líbano, onde ela vive, é difícil conseguir esse tipo de assistência.
“Crianças com necessidades especiais requerem cuidados especiais”, diz Rita Haddad, gerente de projetos da ADRA no Líbano. “Aqui no Líbano, até as meninas sem necessidades especiais são desvalorizadas. Não é dada prioridade nenhuma às meninas com necessidades especiais.” Por isso, a ADRA ABILITY, um projeto adaptado às necessidades das crianças com deficiências físicas e mentais como Rafeef, trabalha com essas famílias para proporcionar o que a ADRA acredita ser inalienável: acesso igualitário à educação de qualidade.
Agora Rafeef tem aulas particulares com Ahlam, um tutor do projeto ADRA ABILITY. Juntos eles trabalham por meio de um currículo planejado para atender às necessidades da criança. “No Líbano, se não ajudarmos as meninas com necessidades especiais, elas não têm futuro nem esperança”, diz Ahlam. “O pensamento é que a menina com qualquer deficiência é incapaz de qualquer coisa. Os pais vão tentar casá-la com um homem bem mais velho.”
O casamento precoce e as deficiências são apenas duas das muitas circunstâncias que mantêm as crianças fora da escola. Outros fatores são guerra, pobreza, desastres naturais e fome. Em Maputo, Moçambique, as taxas de desnutrição crônica são superiores a 30%, e a ADRA detectou que metade dos estudantes da região tem peso abaixo do normal. Para combater essa situação, a ADRA fez parceria com o Rise Against Hunger, fornecendo almoços quentes de arroz e soja com legumes desidratados fortificados com multivitaminas. Para alguns alunos, essa iniciativa de alimentação escolar (SFI) fornece a única refeição que eles recebem por dia.
Basta perguntar ao Elison. Aluno do sexto ano, ele muitas vezes perdia aula para ajudar os pais, ou simplesmente porque estava com muita fome para ir a pé à escola e conseguir concentrar-se nos estudos. Agora, o aluno de 12 anos pode, finalmente, sentar-se numa sala de aula e prestar atenção, em vez de sentir a fome roendo seu estômago. “Nem sempre temos comida em casa”, diz ele. “Meus pais não têm trabalho; por isso, não levo lanche para a escola.”
Ao fornecer um almoço quente e nutritivo todos os dias, a ADRA incentiva as crianças a reconhecer a escola como um lugar que alimenta o corpo e a mente. Como resultado, a frequência às aulas alcançou números recordes. “O número de alunos tem aumentado”, diz Rumbi Muzembi, coordenador de resposta de emergência da ADRA em Moçambique. “Começamos com 9.366 alunos, e agora temos 13.453.”
Esses números são consistentes em toda a África Austral, onde o projeto foi desenvolvido. Desde 2017, a iniciativa de alimentação escolar da ADRA tem melhorado a nutrição e o acesso à educação de quase 50 mil crianças em Moçambique, Eswatini (ex-Suazilândia), Madagascar, Zimbábue e Malawi.
CADA CRIANÇA, EM TODO LUGAR, NA ESCOLA
Devido ao sucesso dos muitos projetos da ADRA para a melhoria da vida das crianças, e à luz de estatísticas terríveis que continuam a pintar um quadro sombrio para crianças em todo o mundo, a ADRA e a Igreja Adventista do Sétimo Dia estabeleceram uma parceria para assegurar que todas as crianças, em todo lugar, tenham a chance de frequentar uma escola.
A campanha “Cada criança, em todo lugar, na escola” é uma parceria construída sobre um objetivo comum mútuo: servir para que todos possam viver de acordo com o plano de Deus. Essa parceria une a comunidade religiosa da Igreja Adventista do Sétimo Dia mundial com as competências técnicas e o sucesso histórico da ADRA.
Mobilizando a comunidade religiosa, influenciando os líderes que decidem sobre as políticas relacionadas com a educação e desenvolvendo projetos que se fundamentam em programas bem-sucedidos como ADRA ABILITY e SFI, a ADRA e a Igreja Adventista acreditam que podemos garantir que todas as crianças em todo lugar tenham a oportunidade de ir à escola.
A educação transforma vidas. A educação tira as crianças dos conflitos, das catástrofes e da pobreza. A educação equipa as crianças com ferramentas para o sucesso. E a educação inspira as crianças a sonhar mais alto.
Com a sua ajuda, podemos oferecer esperança de um futuro brilhante a todas as crianças de todos os lugares (para saber mais de como a ADRA está ajudando as crianças que estão sem escola e como poder ajudar, visite ADRA.org/InSchool).
MICHAEL KRUGER, natural da África do Sul, é presidente da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA)
(Matéria publicada originalmente na edição de junho de 2020 da Revista Adventista / Adventist World)
Última atualização em 16 de junho de 2020 por Márcio Tonetti.