O terremoto e a ajuda humanitária

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Tragédia na Turquia e Síria une amparo governamental e ações de entidades internacionais. Saiba como a igreja tem auxiliado os sobreviventes desse desastre

Filipe Veiga

Equipes de resposta de emergência da Adra no marco zero na Síria. Foto: Adra Síria

Turquia e Síria, países vizinhos, sofrem com as consequências do terremoto de magnitude 7,8 registrado no dia 6 de fevereiro. Os últimos levantamentos apontam para mais de 20 mil mortos, mas milhares ainda estão desaparecidos. Conforme as buscas avançam, o número de vítimas cresce vertiginosamente.

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O tremor registrado atingiu uma das zonas de terremotos mais ativas do mundo. No entanto, foi o pior dos últimos 80 anos. Essa região concentra um grande número de nativos e refugiados. Em 2021, a população da Turquia ultrapassou os 84 milhões de habitantes, enquanto a Síria registra mais de 21 milhões de cidadãos.

Os países já enfrentavam dificuldades econômicas antes dessa tragédia natural. A Síria passou por anos de guerra civil e ainda sofre com conflitos internos. Já a Turquia foi o país que mais recebeu refugiados da Síria, Irã e Afeganistão nos últimos oito anos, número estimado em torno de 3,8 milhões, conforme levantamentos da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Como se isso não bastasse, desde 2021 o país turco lida com a alta da inflação que, de acordo com os números oficiais, supera a taxa de 60%.

A resposta da igreja

A Igreja Adventista está presente na Turquia desde 1889 e, em solo sírio, há registro da conversão de quatro adventistas em 1893, durante a visita de um pioneiro turco. Os esforços missionários permanecem nos dois países e o auxílio à população foi intensificado após a tragédia.

Os escritórios locais da Adra, a agência humanitária da denominação, têm colaborado com os governos e com outras entidades internacionais nas operações de resgate e evacuação. Há também profissionais de saúde adventistas atendendo os sobreviventes.

Morei na cidade turca de Adana durante oito anos. Cheguei com minha esposa em 2015 e nossos dois filhos nasceram lá. Voltamos para o Brasil cinco dias antes do terremoto. Estamos com o coração partido e em contato com os amigos para ajudá-los em suas perdas. Por lá, a Igreja Adventista funciona como uma fundação, tendo possibilidades de desenvolver iniciativas sociais que alcancem tanto a população local quanto os refugiados. Foi por meio de projetos de aulas de inglês, musicalização infantil e violão que conhecemos muitas famílias de refugiados iranianos.

Em geral, a cultura do Oriente Médio é muito receptiva com os estrangeiros, tendo como principal característica a hospitalidade. Na rotina diária, sempre que alguém necessita de apoio, os turcos se prontificam a ajudar. E essa disposição aumenta consideravelmente se o necessitado faz parte do círculo social de quem oferece ajuda.

Foi o caso da família de Hilton (nome fictício). Nascidos em Teerã, capital do Irã, eles foram para a Turquia como refugiados em 2013. Lá conheceram a igreja por meio de um iraniano que morava na cidade e trabalhava como tradutor do pastor responsável pelo distrito de Adana. Durante 2016 e 2017, a família participou de estudos bíblicos e a esposa de Hilton tomou a decisão pelo batismo.

Como a situação econômica dos refugiados é muito difícil, pois não podem ter contrato de emprego legal no país, a forma mais acessível de sustento é abrir um comércio. Foi o que fizeram Hilton e seu irmão. Em 2022, eles realizaram o sonho de dividir uma sala alugada no andar térreo de um prédio. De um lado ficava o estúdio fotográfico; do outro, a loja de reparo e venda de acessórios para telefones celulares.

Edifício no qual ficava a loja de Hilton, antes e depois do terremoto. Fotos: Google Maps e arquivo pessoal 

Infelizmente, o terremoto destruiu esse prédio, que era a fonte de renda dessa família. Muitas pessoas morreram nos escombros. Há também um número expressivo de famílias que perderam algum parente e viram seus estabelecimentos comerciais desabarem, assim como suas residências. Além disso, muitos edifícios estão condenados. Não podem ser frequentados porque há risco de desabamento.

Diante de tudo isso, espaços públicos como estádios, estacionamentos e igrejas se transformaram em dormitórios improvisados para enfrentar esse momento que inclui também as baixas temperaturas da época. Hilton e sua família estão abrigados numa igreja evangélica e não podem voltar ao prédio onde moram porque a região ainda registra pequenos tremores.

Família iraniana alocada em uma das igrejas que acolhem os sobreviventes. Foto: Arquivo pessoal

Outro caso é o do Menderson (nome fictício), que atualmente trabalha como tradutor dos pastores adventistas na cidade de Adana. Nascido em Shiraz, cidade localizada no Irã, chegou na Turquia em 2017 como refugiado. Inicialmente, ele frequentava uma igreja evangélica pentecostal, mas, por falar inglês, começou a trabalhar com tradutor do pastor adventista local. Ao traduzir os estudos bíblicos, encontrou verdades bíblicas que procurava e decidiu ser batizado e fazer parte da Igreja Adventista.

O prédio em que ele mora é antigo e foi evacuado. Assim, Menderson foi forçado a se abrigar em um local em que outros iranianos também estão se acomodando. Muitos refugiados se uniram para dividir os espaços temporários que surgiram.

Solidariedade e acolhimento

A cidade turca de Gaziantep, epicentro do terremoto, é famosa pela gastronomia e por uma grande universidade que recebe milhares de jovens. Foi a cidade mais afetada pelo tremor, sendo seguida por Kahramanmaras Hatay e Adana.

Um pastor adventista recém-chegado na cidade de Adana alugou o apartamento em uma das zonas afetadas pelos abalos sísmicos. Por não poder ficar no lugar, o dono do imóvel o levou para o dormitório da universidade local. Após dois dias, o proprietário ofereceu ao pastor e à sua esposa abrigo em seu escritório e disse que deixaria a chave de quatro caminhões, que possuem camas internas, à disposição em caso de novos tremores.

O pastor adventista agradeceu, mas explicou que não ficaria na cidade porque precisaria receber uma equipe da Adra Internacional para auxiliar na cidade de Hatay, a uns 200 km de distância. O senhor que o abrigou manteve  dois caminhões à disposição para levar os mantimentos e disse que, se as doações adventistas não completassem os caminhões, ele compraria o restante dos alimentos para doar aos afetados pelo terremoto.

Os atendimentos solidários têm unido moradores, estrangeiros, autoridades locais e entidades internacionais. A Adra, por exemplo, está trabalhando com os governos para ampliar o suporte às vítimas. Também permanece recebendo doações para que as famílias em emergência tenham uma resposta urgente de alívio. As doações podem ser feitas pelo site adra.org.

FILIPE VEIGA, pastor e mestrando em Teologia, morou na Turquia de 2015 até o começo de 2023

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Última atualização em 17 de fevereiro de 2023 por Márcio Tonetti.