O triunfo do amor de Deus

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Reflexões sobre os capítulos finais do grande conflito entre o bem e o mal

Elmer Guzman

Crédito da imagem: Adobe Stock

Certa noite, após o término do culto na igreja, uma pessoa se aproximou de mim e perguntou: “Pastor, tenho tido dificuldades ultimamente. Não tenho certeza se Deus pode perdoar meus pecados. Sinto que fiz muitas coisas erradas. Sei que Deus perdoa, mas meus erros parecem ser grandes demais.” Depois de ouvir a sua história para compreender a razão da sua consciência culpada, assegurei-lhe que Deus não apenas quer perdoá-lo, mas é plenamente capaz de o fazer. Depois de me ouvir atentamente, ele respondeu: “Mas e se os meus pecados forem realmente graves?” Eu disse a ele que Deus é eficaz em nos ajudar especialmente com nossos problemas mais graves.

Mais tarde, enquanto refletia sobre o encontro, percebi que, na resolução do grande conflito, Deus está lidando não apenas com os nossos pecados individuais, mas também com a própria existência do pecado e do mal. A realidade do mal é profundamente grave, com consequências cósmicas que perturbam a harmonia e a ordem do governo universal de Deus. Esta questão ampla da existência e resolução do mal tinha de ser abordada pelo ministério celestial de Jesus. Quando Cristo ascendeu ao céu, Ele não entrou num período de descanso, mas continuou Sua obra redentora na fase seguinte. A preparação das muitas moradas na casa do Pai para os redimidos significa o cumprimento do plano de salvação no Céu (Jo 14:2), enquanto o Espírito Santo continua a aplicar os benefícios da salvação à humanidade.

Uma vez cumprida a profecia apocalíptica dos 2.300 anos (Dn 8:14; Ez 4:6; Nm 14:34), o plano de salvação de Deus fez a transição para um período de julgamento pré-advento através do ministério sacerdotal de Jesus no segundo compartimento do santuário celestial. Esta fase, muitas vezes chamada de juízo ‘investigativo’, não serve para Deus aprender novas informações, pois Ele é onisciente. Em vez disso, o julgamento pré-advento é realizado tendo em vista os outros seres criados, vindicando assim o caráter de Deus contra a acusação de Satanás no tempo do fim (Dn 7:10b, 13, 21; 1Co 4:9). Em um futuro desconhecido, antes do retorno do Filho do Homem à Terra, a oportunidade de arrependimento terminará (Gn 6:3), a obra da salvação será concluída e Cristo retornará para finalmente resolver o problema do mal.

Acontecimentos que precedem a segunda vinda

Antes da segunda vinda de Cristo, o povo remanescente proclamará o evangelho eterno ao mundo inteiro (Mt 24:14; Ap 14:12; 18:1-4). Capacitada pelo Espírito Santo, esta missão dará a todos a oportunidade de decidir a favor ou contra a verdade presente. Este tempo também será marcado por um profundo engano em relação à autoridade e à adoração, onde até os eleitos poderão ser enganados se não estiverem firmemente estabelecidos na verdade bíblica e com seus olhos fixos em Jesus.[1]

Como Deus cuida e sustenta Seu povo, Ele os sela, indicando que pertencem a Ele e serão protegidos em qualquer tribulação (Ez 9:4–6; Ap 7:1–4). Uma vez que o selamento for concluído, Cristo[2] se levanta[3] (Dn 12:1) e declara: “Está feito” (O Grande Conflito, p. 613). A partir desse momento, o destino de toda a humanidade é determinado, seguido de um decreto irrevogável sobre a condição humana. Esta determinação divina não é arbitrária, mas baseia-se nas escolhas voluntárias daqueles que responderam positiva ou negativamente à oferta de salvação. Deste ponto em diante, os justos e os ímpios permanecerão como estão até o retorno iminente do Senhor (Ap 22:11, 12).[4]

Após o encerramento do período de graça, Jesus sai do santuário, levando a uma escalada de calamidades na terra e ao aprofundamento da escuridão moral em todo o planeta (O Grande Conflito, p. 614). Durante este período, conforme descrito em Apocalipse 7, os quatro anjos soltam os ventos, desencadeando o início das sete últimas pragas.[5] Este tempo é marcado pela violência coercitiva e pela opressão injusta contra os fiéis seguidores de Deus. Tais eventos são esperados, uma vez que o engano e as táticas coercitivas têm sido empregados há muito tempo pelo adversário (Dn 7:25; Ap 13:17). Em meio a tamanha provação, Deus permanece soberano e responsável por tudo o que Ele permite, prometendo não abandonar Seus filhos mesmo em momentos sombrios (Jo 14:18).

Da perspectiva de Deus, quando Cristo completa Seu ministério de intercessão no Santo dos Santos, termina o tempo de oportunidade para os pecadores receberem o perdão divino. Neste momento, a humanidade deve aproximar-se de Deus sem um intercessor. Enquanto isso, o Espírito Santo é retirado da terra, pois Seu papel é convencer os pecadores de suas iniquidades e conduzi-los a Cristo (Jo 16:8). Com a finalização da obra de Cristo e do Espírito, um julgamento divino parcial recai sobre os ímpios, intensificando a culminação do drama final da redenção.[6]

A importância da intercessão de Cristo

O papel de Cristo como nosso Intercessor tem importância central ao longo da história da salvação. Desde o início (Jo 17:5) até o fim (Ap 22:13), Jesus é consistentemente retratado como o Advogado ou Ajudador intercedendo em nome dos crentes diante do Pai (Rm 8:34; Hb 7:25, 9:4; 1Jo 2:1).[7] Sua obra mediadora de propiciação visa reconciliar os pecadores com Deus. Esta função propiciatória (1Jo 2:2; 4:10) reflete o papel do propiciatório da arca da aliança no santuário (Hb 9:5). A mediação de Cristo com o Pai implica que Ele atua como um intermediário entre o Pai e a humanidade, semelhante ao propiciatório que estava entre o decálogo dentro da arca – simbolizando o caráter de Deus – e o sumo sacerdote que representava o povo no Dia da Expiação (Leon Morris, The Apostolic Preaching of the Cross [Eerdmans, 1955], p. 144–213).

Além disso, a necessidade de um advogado (1Jo 2:1) sublinha uma tensão específica entre o Pai e o pecador. Esta tensão não surge devido à falta de amor do Pai pelo pecador (Jo 16:27), mas sim por causa da natureza inerente do próprio pecado. Contudo, a ira de Deus, provocada pela pecaminosidade humana, não é apaziguada através de esforços humanos, mas através do próprio Deus na pessoa de Jesus (Rm 3:25). Assim, Jesus não é apenas a propiciação, mas também o propiciador.

Durante o tempo da tribulação, o papel de intercessor, mediador e propiciador entre Deus e a humanidade cessará porque Jesus terá completado a Sua obra. Mesmo aqueles que se apegarem a Deus nestes tempos difíceis passarão por grande angústia, semelhante à noite de luta de Jacó no Jaboque (Gn 32:25-33; cf. Jr 30:5-7). Assim como Jacó teve contato direto com Deus e sobreviveu, também, no final, os fiéis permanecerão diante de Deus sem um intercessor e resistirão (O Grande Conflito, p. 613). Porém, Jacó não sobreviveu a esse encontro por seus próprios esforços, mas pela provisão de Deus.[8] Deus, por meio de Cristo, não é apenas o Autor, mas também o Consumador da nossa fé, conduzindo-nos até o fim (Hb 12:2). Aqueles que triunfam no julgamento de Deus e nos eventos finais da história da Terra não o fazem por meio da sua própria justiça ou mérito (Is 64:6; Rm 3:23), mas por terem aceitado a Cristo como seu defensor e substituto no julgamento, e por estarem unidos com Deus, semelhante a Jacó, que se agarrou ao Estranho naquela noite e declarou: “Não o deixarei ir se você não me abençoar” (Gn 32:26).

A vinda do Senhor e o triunfo do amor

Na segunda vinda de Jesus, nossa bendita esperança, os mortos em Cristo ressuscitarão, e os vivos encontrarão seu Senhor nos ares para receber a imortalidade (1Ts 4:16, 17; 1Co 15:50-52). Todos os ímpios que estiverem vivos por ocasião da segunda vinda morrerão, embora esta morte seja distinta da morte eterna (conhecida como a segunda morte) que os espera mais tarde. Este julgamento final está reservado para a terceira vinda de Jesus, após o milênio (Ap 20:14).

Durante o milênio, Satanás ficará confinado e isolado em uma Terra desolada. Com os fiéis no céu e os ímpios mortos (2Ts 1:7, 8; 2:8; Jr 25:33), Satanás e seus anjos terão tempo suficiente para refletir sobre todo o mal perpetrado ao longo da história, pelo qual ele carrega responsabilidade como originador do pecado.[9] A terra reverterá ao seu estado primordial, descrita como “sem forma e vazia” (Gn 1:2), desprovida de luz ou vida. Esta desolação é o abismo ao qual o Apocalipse se refere quanto ao estado da Terra durante o milênio (Ap 20:1).[10]

Enquanto isso, os fiéis, que foram salvos pela graça de Deus e estão no céu, participarão com Deus em Seu julgamento (Ap 20:4; 2Pe 2:4; Jd 6; 1Co 6:2, 3). Essa fase do julgamento envolvendo os santos não determina quem está salvo ou perdido, pois essa decisão já foi tomada antes da segunda vinda. Em vez disso, esse julgamento durante o milênio serve para confirmar o que foi feito por Deus e dissipar toda e qualquer dúvida relativa à justiça e ao amor de Deus, em resposta às acusações do diabo contra o governo divino. Será evidente para todos que Deus é justo em Sua obra de justificar (Rm 3:26), e que todos os esforços foram feitos para salvar os perdidos (Lc 19:10). No entanto, Deus não pode passar por cima do livre arbítrio daqueles que escolhem não aceitar a Sua graça. Embora isso traga tristeza a Deus (Ef 4:30), Ele respeita a escolha de cada ser humano.

Depois do milênio, Jesus voltará, e os restantes dos mortos ressuscitarão para receberem o juízo final de condenação (Jo 5:29; Ap 20:5, 7). Porém, antes disso, Satanás fará ainda uma última tentativa de tomar a nova Jerusalém que desce do Céu (Ap 20:8, 9). Reunindo os ímpios ressuscitados, ele tenta atacar a Cidade Santa. Esse ataque desesperado é frustrado pela santidade e poder de Deus. Embora Jesus tenha vindo pela primeira vez à terra como um “Homem de dores e experimentado nos sofrimentos” (Is 53:3), em Sua segunda e terceira vindas, Cristo virá de uma maneira gloriosa (Ap 14:14–16; 19:11–16; 20:11), descrito como “Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Ap 19:16).

Antes do julgamento executivo, Jesus e os santos se encontram dentro da Cidade Santa, enquanto os ímpios estão do lado de fora com Satanás e seus anjos. Pela primeira vez na história da humanidade, todos os que nasceram estão presentes no mesmo momento. Jesus apresenta uma visão panorâmica do plano da salvação aos ímpios, tornando-os conscientes de cada pecado que cometeram sem se arrepender (O Grande Conflito, p.666). Eles se lembram de cada oportunidade perdida, de cada momento em que silenciaram voluntariamente o Espírito Santo e de cada pecado que se recusaram a abandonar. Isso lhes causa profundo remorso pelo que perderam, mas não um verdadeiro arrependimento. Eles reconhecem a justiça de Deus e percebem que o salário do pecado é de fato a morte eterna (Rm 6:23).

Ao ser proferida a sentença final, até mesmo Satanás reconhece seus erros. Então, todos – tanto os que estão dentro como os de fora da cidade – se curvam diante de Jesus, e toda língua confessa que Jesus Cristo é o Senhor (Fp 2:10, 11). Depois disso, Deus purifica a Terra com um fogo restaurador, cirúrgico e purificador, renovando todas as coisas (Ap 21:1). Ele então enxuga as lágrimas dos fiéis, que talvez estejam lamentando a dor da separação de alguém que rejeitou a salvação e se perdeu para sempre (Ap 21:4). A dor que gera estas lágrimas é curada pelo próprio Criador ao reestabelecer novamente a lei do amor e a ordem de Seu governo.

Não há mais dúvidas sobre o caráter justo e amoroso de Deus, pois Ele demonstrou ao Universo inteiro não apenas o Seu amor, mas também como ele finalmente triunfou. Quando Deus recria, tudo se faz novo. A vasta criação recupera a sua glória edênica imaculada. A restauração da nova Terra é abrangente, transformando todos os aspectos da natureza humana e da ordem criada (Is 11:6; 66:22). Contudo, um lembrete permanece para sempre: “nosso Redentor conservará para sempre as marcas de Sua crucifixão. […] E os sinais de Sua humilhação são Sua mais elevada honra. Por toda a eternidade, os ferimentos do Calvário proclamarão o louvor e declararão o poder de Cristo” (O Grande Conflito, p. 674).

A garantia de que o mal e o pecado não surgirão uma segunda vez não se baseia na ideia de que Deus eliminará a nossa liberdade de escolha após a restauração de todas as coisas. Em vez disso, baseia-se na compreensão de que todo o Universo aprendeu, por meio da história da redenção, que a verdadeira felicidade, liberdade e amor apenas pode residir em uma relação harmoniosa com Deus. O grande conflito terminou. O pecado e o mal não mais existem.

ELMER GUZMAN, PhD, é professor no seminário de Teologia da Faculdade Adventista do Paraná (FAP)


[1] Ellen White afirmou: “Quando chegar o tempo de provação, serão conhecidos os que fizeram da Palavra de Deus sua regra de vida” (O Grande Conflito [CPB, 2021], p. 602). Isso significa que a nossa fé não deve confiar em nada além da Palavra, mantendo humildemente uma fé firme em Jesus e nas Suas promessas.

[2] Para uma explicação das razões de considerar Miguel como Cristo, veja Marvin Moore, Challenges to the Remnant: Adventists, Catholics and the ‘the Church’ (Pacific Press, 2008), p. 241. Veja, também, Questões Sobre Doutrina (CPB, 2008), p. 60–83.

[3] Esta palavra abrange um significado amplo quando se refere ao homem como sujeito. No entanto, existem alguns significados específicos quando Deus é o sujeito. No Salmo 109:31, Deus assume (amad) Sua posição à direita dos necessitados para garantir a justiça. Também é usada poeticamente para descrever a teofania, referindo-se à vinda de Deus (Ez 3:23; 10:18; 11:23). Habacuque retrata Deus em pé (amad) examinando a Terra (Hc 3:6). Willem VanGemeren, New International Dictionary of Old Testament Theology & Exegesis (Zondervan, 1997), v. 5, p. 432, 433.

[4] O fato de Ele estar vindo “em breve” sugere que mesmo após a conclusão do juízo investigativo, Cristo ainda não retornou à Terra. Sua chegada é, portanto, entendida como um evento futuro a partir deste momento. Existe um período entre o encerramento do juízo investigativo e a Parousia.

[5] “Vi que os quatro anjos segurariam os quatro ventos até que a obra de Jesus estivesse terminada no santuário, e então viriam as sete últimas pragas” (Ellen G. White, Primeiros Escritos [CPB, 2022], p. 36).

[6] As sete últimas pragas descritas no Apocalipse servem a um propósito semelhante às dez pragas enviadas por Deus contra o Egito antes da libertação do povo israelita da escravidão imposta pelo Faraó. Essas pragas apocalípticas não devem incutir medo no povo de Deus, mas sim levar os santos a confiar na resolução divina de como Deus responde ao problema do pecado, da injustiça e do mal.

[7] A intercessão de Jesus junto ao Pai não implica um papel negativo do Pai na obra da salvação. É crucial lembrar que a expiação se originou no coração do Pai. Veja Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (CPB, 2021), p. 57; Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia (CPB, 2011), p. 126, 127.

[8] “A noite de angústia de Jacó, quando o patriarca lutou em oração para obter livramento da mão de Esaú (Gn 32:24-30), representa a experiência do povo de Deus no tempo de tribulação” (O Grande Conflito, p. 616).

[9] A prisão de Satanás nesta Terra desolada foi prenunciada pelo bode expiatório no Dia da Expiação. Terminado o serviço desse dia, os pecados do santuário eram transferidos para o bode expiatório, o qual era levado ao deserto. Da mesma forma, Jesus, nosso Sumo Sacerdote, quando terminar Seu ministério no santuário celestial e, em Sua segunda vinda, declarar Satanás culpado e responsável pelos pecados, irá depositar os pecados do povo de Deus sobre Satanás. Assim como o bode era levado ao deserto, Satanás será banido e recluso na Terra desolada durante o milênio (veja O Grande Conflito, p. 658).

[10] Ranko Stefanovic, Revelação de Jesus Cristo (CPB, 2023), p. 558.

Última atualização em 28 de junho de 2024 por Márcio Tonetti.