Poder na fragilidade

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O testemunho de um missionário com Esclerose Lateral Amiotrófica que prega com os olhos

Ivo Mazzo

Ilustração: Jairo Ostemberg

Seu sonho era ser jogador de futebol profissional, algo que não estava muito distante, pois ele já jogava nas categorias de base do Amazonas. Porém, um dia, aquele jovem ouviu uma música que dizia: “Quebra minha vida e faze-a de novo. Eu quero ser, eu quero ser um vaso novo.” Quando a canção terminou, ele fez a seguinte oração: “Deus, não quero perder a salvação. Por isso, se for preciso, quebra a minha vida.” De fato, sua história mudaria significativamente!

Primogênito de sete filhos, Marinilton Centeio Santiago nasceu em Manaus no dia 16 de junho de 1970. Seus pais, Hamilton Santiago e Maria de Lourdes, eram adventistas. Assim, o rapaz foi educado nos princípios bíblicos.

O interesse pelo futebol surgiu na infância e, aos 15 anos, ele já expressava o desejo de seguir carreira no esporte. De  fato, era um talento promissor. Mas, paradoxalmente, quanto mais perto chegava desse sonho, mais se afastava da igreja. Logo se apaixonou por Marinete Bento Santiago, com quem se casou aos 19 anos. O casal teve quatro filhos: Romário, Ramon, Rebeca e Robert.

Marinilton conquistou fama no mundo do futebol, destacando-se nos campeonatos amazonenses. Atuou em diversos times profissionais do estado, incluindo o clube Atlético Rio Negro.

Em 1996, sua esposa encontrou o caminho da fé por influência do sogro e foi batizada. A partir de então, passou a orar para que o marido voltasse para a igreja.

Em 2001, aos 31 anos, Marinilton enfrentou a perda de sua mãe e, em 2004, a partida de seu pai o conduziu de volta à igreja. Assim, em 7 de março de 2004, ele renovou seus votos por meio do batismo, tornando-se um fervoroso missionário. Ministrou estudos bíblicos e pregou em diversas denominações, levando a mensagem adventista para muitas pessoas.

Em 2007, ele decidiu que sua casa seria o local de encontro de um “PG”, inicialmente chamado de “Pequeno Grupo do Irmão Mário”. A residência se tornou um centro de atividades espirituais e sociais. O PG acolhia cerca de 50 participantes, engajados em ações como visitas a hospitais, distribuição de literatura e fornecimento de sopas e lanches para pessoas em situação de rua. Foi um instrumento poderoso na condução de muitas pessoas a Cristo, sendo apenas uma das muitas obras missionárias lideradas por Marinilton.

DESAFIO INESPERADO

Em janeiro de 2016, ele começou a sentir fraqueza muscular e dificuldades na fala, que já eram os primeiros sintomas da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Sem entender o que estava acontecendo, buscou ajuda médica, passando por consultas e exames, enquanto continuava firme em seu ministério. Com o tempo, vieram a perda de peso e a atrofia no braço esquerdo, até que, em setembro do mesmo ano, recebeu o diagnóstico da doença.

A esperança da breve volta de Jesus não é apenas o conteúdo principal de suas mensagens, mas também a expectativa que faz seus olhos brilharem

Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença que afeta o sistema nervoso de forma degenerativa e progressiva, acarretando paralisia motora irreversível. Pacientes com a doença sofrem paralisia gradual e morte precoce como resultado da perda de capacidades cruciais, como falar, movimentar-se, engolir e até mesmo respirar. O físico britânico Stephen Hawking, que morreu em 2018, foi uma das vítimas da ELA. Seu drama foi relatado no filme A Teoria de Tudo (2014).

Não há cura para a Esclerose Lateral Amiotrófica. Com o tempo, as pessoas que têm a doença perdem a capacidade funcional e a habilidade de cuidar de si mesmas. Em geral, o óbito ocorre entre três e cinco anos após o diagnóstico. Somente um em cada quatro pacientes sobrevive por mais de cinco anos. Marinilton é um deles.

Um ano após receber o diagnóstico, ele ficou cadeirante, além de ter a fala, a respiração e os movimentos comprometidos. Em 2019, uma parada respiratória o levou a necessitar de um aparelho de suporte à vida (ventilação mecânica) por meio de uma traqueostomia, privando-o daquilo que considerava essencial para propagar o evangelho: sua voz. Mesmo debilitado, manteve-se firme na fé e não deixou de pregar e testemunhar o amor de Cristo. Aliás, como sempre pregou sobre a fé, entendeu que aquele era o momento de mostrar as evidências de sua confiança em Deus.

Mário, como é conhecido, perdeu a voz e os movimentos por completo. Desde então, ele se comunica por meio de um aparelho ligado a um computador, que detecta o movimento dos seus olhos e permite que ele se expresse. Por muitas vezes, pregou nas igrejas usando esse suporte de comunicação. Marinilton convive com a doença há 9 anos, está acamado e encontra-se em cuidados paliativos. Vive um dia de cada vez, sendo uma impressionante testemunha do poder da fé e da confiança em Deus.

Mesmo com todas as suas limitações, Marinilton não deixou de pregar o evangelho e a fé que ele vive. Devido à doença degenerativa, ele é frequentemente internado com pneumonia. Porém, mesmo na UTI, usando uma caixa de som conectada ao notebook, ele anima outros pacientes, acompanhantes e a equipe médica. Durante o último Impacto Esperança, enquanto se recuperava de uma dessas crises, ele solicitou à família que levasse livros para os pacientes e colaboradores do hospital. Em um dos últimos sermões que pregou, o amazonense escreveu. “O câncer, a Aids ou qualquer outra doença não podem tirar do ser humano a salvação. Mas o pecado, sim!”

Apesar da progressão da ELA, Marinilton continua pregando com a ajuda da tecnologia. A esperança da breve volta de Jesus não é apenas o conteúdo principal de suas mensagens, mas também a expectativa que faz seus olhos brilharem! 

IVO MAZZO é o líder de Comunicação da União Noroeste Brasileira (Unob)

(Texto publicado na Revista Adventista de setembro/2024)

Última atualização em 24 de setembro de 2024 por Márcio Tonetti.