Recém-homenageado pela Universidade Andrews com o título de doutor honoris causa, pastor Alejandro Bullón fala sobre sua vida, ministério e sonhos
Por Carlos Henrique Nunes
Ele não se permite ser um “ídolo de barro”. Alejandro Bullón, seguramente um dos mais reconhecidos evangelistas do mundo, se retirou da cena adventista como pastor ativo há cerca de dez anos. Mas parece cada vez mais presente na vida de centenas de milhares de pessoas ao redor do mundo para as quais ainda prega a mensagem da justificação pela fé. Mais versátil e atuante do que nunca, Bullón divide seu tempo entre pregações evangelísticas, livros que escreve e roteiros de cinema que elabora.
Como coroamento de seu intenso e frutífero ministério, recebeu no início deste mês o mais alto reconhecimento acadêmico justamente da maior, mais antiga e mais reconhecida universidade adventista, a Andrews, nos Estados Unidos. Nesta entrevista, o doutor honoris causa abre seu coração, falando de Cristo, da vida e de seus sonhos.
O título de doutor honoris causa atribuído a um pastor sem uma carreira acadêmica significa, na prática, encurtar a distância entre teólogos e os pastores distritais? Isso é real no ministério e afeta os membros?
Sou graduado em Teologia, mas não me dediquei a fazer Teologia e, sim, evangelismo. Creio que essa “diferença” entre os teólogos e os evangelistas é um tanto imaginária. Pode ser que existam um ou dois teólogos que acreditem que os evangelistas pregam “água com açúcar”, e também é possível que existam dois ou três evangelistas que pensem que os teólogos vivem fechados em uma “redoma de livros”, afastados do mundo real. Mas isso não é verdade. Não se pode definir um conceito pela opinião de dois ou três. A verdade é que os teólogos são os encarregados de fazer nossa Teologia, de dar um fundamento bíblico sólido à nossa mensagem e às nossas doutrinas. E os evangelistas, por sua vez, se encarregam de fazer com que essa mensagem e essas doutrinas cheguem às pessoas de maneira tão simples que até uma criança possa entender.
No corpo de Cristo há lugar para todos. Paulo declarou isso em 1 Coríntios 12: 5, 6, 17-19, mencionando a diversidade de dons concedida pelo mesmo Deus na comparação com as partes do corpo humano. Assim, penso que, quando a Andrews decidiu conceder um título honorífico a um evangelista, foi simplesmente porque reconheceu esse fato, e isso deve gerar na igreja a confiança de que os pastores trabalham em unidade.
Em sua trajetória se vê um homem sempre avesso às honras e reconhecimentos pessoais, inclusive evitando saudações e fotos por não querer representar um tipo de artista. A titulação acadêmica afeta essa consciência pessoal?
Os que me conhecem de perto sabem que evito, sempre que possível, toda homenagem pessoal. Talvez a igreja nunca entenda isso. Amo os meus irmãos. É por eles que, apesar de aposentado, não parei de fazer evangelismo. Apesar disso, não faz bem à igreja formar “ídolos de barro”. Pessoalmente, jamais alimentarei esse tipo de aproximação. Porém, creio que esse título acadêmico não foi uma simples homenagem pessoal, mas um reconhecimento de nossa universidade mais antiga ao trabalho que os pastores realizam.
Conte um pouco da sua trajetória ministerial desde sua saída da cidade natal até a homenagem da Andrews. É a maior honra do seu ministério?
Saí de uma cidade humilde. Jauja, onde nasci, parece hoje uma cidade adormecida no tempo. Ali, entre o canto dos pássaros e o aroma fresco das árvores no campo, passei os dias da minha infância. Dali, meus pais se mudaram a Ñaña, nos arredores de Lima, para dar aos filhos uma educação cristã. Desse modo cheguei ao que é, hoje, a Universidade Peruana União, onde vivi minha adolescência e juventude. Devo muito a essa universidade. Ali fui batizado, graduei-me em Teologia, casei-me, fui ordenado ao ministério e essa universidade me concedeu o primeiro doutorado honoris causa em Teologia. Embora tenha trabalhado os primeiros anos do meu ministério no Peru, passei a maior parte da minha vida no Brasil, que me adotou como a um filho, e nunca me fez sentir um estrangeiro. Fui pastor de igreja, diretor de jovens em vários campos e Uniões e, nos últimos anos de meu ministério ativo, fui secretário ministerial da Divisão Sul-Americana. Ao longo de todos esses anos vivi muitas emoções. Cada noite, quando vejo dezenas de pessoas aceitando a Cristo como seu Salvador, meu coração bate acelerado. Aquelas são vidas que literalmente foram arrancadas das mãos do diabo pela graça maravilhosa de Jesus. Mas não posso negar que a entrega deste título honorífico me fez viver um momento especial.
Amigos e colegas publicam em seus perfis nas redes sociais que o senhor é o “príncipe dos pregadores”. Pergunto, primeiramente, se o senhor se considera assim e, em segundo lugar, quais critérios estabeleceria para formar um bom pregador?
Eu sou apenas um pobre pecador que um dia foi alcançado por Jesus. Meu entendimento do que Jesus faz a um pecador arrependido e o que Sua graça transformadora realiza, trouxe tanto alívio ao meu angustiado coração que, hoje, tudo que eu mais desejo é ensinar às pessoas que, por mais que se sintam perdidas e acabadas, há esperança para elas se forem a Jesus e aceitarem a obra que Ele fez na cruz e que hoje realiza no Santuário Celestial. Ao longo do meu ministério preguei com força essa mensagem. Coloquei minha mente, meu coração e meu corpo ao serviço de Deus para que Ele me usasse da melhor maneira. Creio que não somente a igreja, mas também os pastores sentem isso e, talvez, por essa razão, falam de mim com carinho.
Para formar um grande pregador há que se buscar um grande homem de Deus. Antes de estar preocupado em lotar estádios e pregar a multidões é preciso se preocupar em buscar a Deus todos os dias e depender dEle. Nós, pregadores, não somos simples propagandistas de uma doutrina. Somos arautos do evangelho, e essa é uma obra divina. Nossa missão é dar ao mundo a notícia de que, ainda que o pecado tenha arruinado os planos divinos, Cristo veio ao mundo para restaurar esses planos e devolver ao ser humano a esperança da salvação e a confiança em um mundo novo, quando finalmente o pecado será exterminado.
“Um exemplo a seguir, uma inspiração, um Billy Graham adventista para o mundo hispano”. Essas foram algumas das palavras ditas sobre o senhor durante a cerimônia na Universidade Andrews. Como vê essa comparação?
Nos Estados Unidos, Billy Graham é considerado uma referência para os pregadores. Ele pregou em diferentes estádios do mundo e desenvolveu um ministério acima de qualquer suspeita. Creio que, nesse país, qualquer pregador gostaria de ser comparado a Billy Graham. Eu tenho minhas referências pessoais. Jesus e Paulo são meus mestres de pregação e evangelismo.
Como conhecedor do mundo e das culturas de quase todos os lugares, o que falta para a segunda vinda de Jesus?
Ellen White, a serva de Deus, disse: “A mensagem da justiça de Cristo há de ressoar de um extremo ao outro da Terra para preparar o caminho do Senhor. Essa é a glória de Deus que conclui a obra do terceiro anjo (Testemunhos Seletos, v. 2, p. 374). Essa é a mensagem que preparará a igreja para o fim. Esse é o desafio que, como pregadores, temos.
O Espírito de Profecia declara: “Os discípulos haviam de realizar sua obra em nome de Cristo. Todas as suas palavras e atos haviam de chamar a atenção ao poder vital de seu nome para salvar pecadores. Sua fé havia de concentrar-se nAquele que é a fonte da misericórdia e poder. O nome de Cristo havia de ser seu slogan, sua divisa distintiva, seu vínculo de união, a autoridade para seu curso de ação e a fonte de seu êxito. Nada que não levasse o Seu nome e Sua inscrição havia de ser reconhecido em Seu reino” (Atos dos Apóstolos, p. 23). Ao longo do meu ministério tratei de ter isso em conta e tenho segurança de que essa mensagem preparará a igreja para o encontro com Jesus.
Olhando para toda a sua trajetória ministerial, quem foi, quem é e quem será Bullón até que Cristo volte?
Apenas um servo de Deus. Uma simples ferramenta em Suas mãos. Por amor a Deus eu O busco cada dia e estudo Sua Palavra com seriedade. E por amor aos seres humanos, me esforço para transmitir o que Deus me deu, de maneira simples e fácil de entender.
Escritor, pregador e roteirista de cinema… Que faltaria fazer profissionalmente na vida? Há algo que ainda é um sonho?
Gostaria de pregar toda a Bíblia, desde o Gênesis até o Apocalipse. Já preguei séries inteiras de Habacuque, Obadias, Rute, Malaquias, Judas, as cartas de João, Romanos. Mas me falta muito e não creio que Deus me dê vida para terminar esse sonho. Deveria ter começado antes, mas todos vamos crescendo e pregar a Bíblia e somente a Bíblia me levou algum tempo. Hoje entendo que a pregação existe porque existe a Palavra de Deus. Sem ela, a pregação não tem sentido. A pregação fundamentada no texto bíblico tem um poder extraordinário que vem da própria Palavra. “Minha Palavra não voltará a Mim vazia”, diz Isaías 55:11.
CARLOS HENRIQUE NUNES, pastor e jornalista, exerce o ministério na cidade de Chiclayo, no norte do Peru
Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.