Questão mental ou espiritual?

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O dilema da identificação de uma doença psiquiátrica ou de uma possessão demoníaca

Torben Bergland

Foto: Shaun Menary / Lightstock

Quando viajo pelo mundo e, na qualidade de psiquiatra, falo com adventistas sobre saúde mental, quase sem exceção surge a pergunta: Qual é a diferença entre transtornos mentais e possessões demoníacas? Essa é uma questão interessante, porém desafiadora.

Na Bíblia, lemos sobre homens e mulheres que foram libertados de espíritos satânicos por Jesus. Como adventistas, acreditamos na existência de seres sobrenaturais malignos que procuram controlar a vida humana. Acreditamos na possibilidade de, mesmo atualmente, as pessoas ainda serem possuídas por demônios, assim como acontecia nos tempos bíblicos. Portanto, é possível que algum diagnóstico de transtorno mental seja, em realidade, uma possessão demoníaca?

Como psiquiatra, minha especialidade são os problemas de saúde mental. Não sou especialista em possessões demoníacas e não tenho experiência em expulsar demônios. Temos muitas pesquisas e experiências que nos ajudam a compreender os transtornos mentais; no entanto, as possessões demoníacas são muito menos estudadas. Não posso determinar com clareza como diferenciar entre os dois, mas gostaria de compartilhar reflexões que podem ser úteis ao abordarmos essa questão tão complexa.

Minha recomendação é que se tenha muita cautela. Um princípio orientador na área da saúde é o seguinte: “Não prejudique ninguém.” Esse princípio ético pode ser estendido a todos os aspectos dos relacionamentos com outras pessoas. Tudo o que dissermos ou fizermos não deve “prejudicar” os outros. Se concordarmos com isso, então minha pergunta é: quando corremos o risco de causar mais danos? Ao rotular uma possessão demoníaca como transtorno mental e tratá-la como tal? Ou ao classificar um distúrbio mental como possessão demoníaca e tratá-lo como tal?

Se rotulássemos a possessão demoníaca como um transtorno mental e a tratássemos com métodos convencionais, como apoio social, mudanças no estilo de vida, terapia e medicação, o que ocorreria? Pouca coisa. Os demônios não reagem a antidepressivos ou antipsicóticos. Talvez alguns dos tratamentos ainda ajudassem a pessoa, mas não tratariam diretamente o problema espiritual. De fato, a pessoa provavelmente continuaria a ser atormentada pelo demônio; contudo, não a teríamos prejudicado. Poderíamos, então, passar a lidar com a possessão de maneira apropriada.

Agora, quais seriam as consequências de rotular erroneamente alguém como possuído por demônios quando, na verdade, está sofrendo de um transtorno mental? Em primeiro lugar, uma doença psiquiátrica já é um fardo pesado de se carregar. Acrescentar equivocadamente a ideia de estar possuído por demônios à luta e ao sofrimento da pessoa não apenas é inútil, mas também causará danos significativos. Os benefícios das estratégias de tratamento comprovadas e úteis que poderiam proporcionar alívio e cura, na melhor das hipóteses, seriam adiados e, na pior, seriam totalmente negligenciados. A pessoa seria ainda mais estigmatizada, tanto a seus próprios olhos quanto aos olhos dos outros. Rotular erroneamente um distúrbio mental como possessão demoníaca é um grave erro espiritual!

Sempre que enfrentarmos incerteza, é aconselhável optar pela alternativa que causa o menor dano possível. Se eu estiver em dúvida se algo é uma possessão demoníaca ou um distúrbio mental, prefiro errar por rotulá-lo erroneamente como um distúrbio mental e oferecer apoio e tratamento adequados para isso, até que haja evidências que justifiquem uma abordagem diferente.

Acreditamos que o diabo e seus anjos estão ativos em todos os lugares deste mundo. Além das possessões típicas, há muitas maneiras pelas quais o mal consegue se instalar em nossa vida. Os espíritos das trevas provavelmente não se importam tanto com a forma como nos controlam, mas com o fato de que, de uma forma ou de outra, conseguem nos submeter à destruição causada pelo pecado. É disso que todos nós precisamos ser salvos. Todos nós precisamos do Salvador e de Seu poder de cura em nossa vida.

TORBEN BERGLAND é médico psiquiatra e diretor associado do Ministério da Saúde na sede mundial da Igreja Adventista

(Artigo publicado na edição de outubro/2023 da Revista Adventista / Adventist World)

Última atualização em 30 de outubro de 2023 por Márcio Tonetti.