Satisfeito

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O verdadeiro significado da Páscoa tem que ver com o alto preço pago pela nossa liberdade

Felipe Masotti

Crédito da imagem: Adobe Stock

Em minha infância, a Páscoa era um dos feriados mais especiais do ano. Ovos de chocolate escondidos ao redor da casa nos aguardavam na manhã daquele dia. Eu e meus irmãos tínhamos que achá-los em uma caça frenética para nos deliciar. Bons tempos aqueles! Entretanto, a doçura das memórias não estava apenas no chocolate, mas também no sorriso generoso de minha avó e da dona Maria, amiga da família, que nos presenteavam a cada ano. Parecia haver algo muito profundo em seu olhar satisfeito diante de nossa felicidade. Éramos livres, precisávamos de muito pouco para nos sentir assim, e aquelas mulheres pareciam saber muito bem disso.

O tempo passou e hoje sei que, neste dia, não comemoramos a visita de coelhos mágicos que botam ovos. Algo muito maior é o fundamento desta data. O termo Pesach, Páscoa, indica o ato misericordioso do Anjo enviado pelo Senhor para derramar a última praga destinada a convencer o rei egípcio a libertar os hebreus. Assim, a palavra significa literalmente “passar por alto”, em referência ao fato de o Anjo ter passado por cima das casas dos hebreus quando feriu os primogênitos egípcios (Êx 12:27).

A Palavra de Deus descreve a primeira Páscoa como um evento de libertação, que deu origem às festividades judaicas e aponta para um resgate de natureza muito mais profunda (Êx 12). Naquele dia, há 3.500 anos, Deus visitou os descendentes de Abraão de maneira poderosa, destruindo o cativeiro que os escravizava e iniciando uma caminhada em direção à libertação do mal que habitava o coração deles. Este último, em realidade, é o sentido mais impressionante desta festividade. Por mais de 15 séculos, o cordeiro morto a cada noite de Páscoa e o seu sangue manchando o batente da porta ensinaram ao povo de Israel que Alguém especial, enfim, os libertaria da escravidão interior que todos vivemos.

ISAÍAS DESCREVE COMO O SALVADOR SE SENTIU APÓS O SACRIFÍCIO, COMO SE SENTE QUANDO NOS VÊ ACEITANDO SUA ETERNA ENTREGA E COMO SE SENTIRÁ QUANDO O MAL FOR FINALMENTE REMOVIDO DA TERRA E DE NÓS

Ao lembrar da minha infância, percebo que não é mais tão fácil me sentir livre e feliz como acontecia quando ganhava meu chocolate pascal. Expectativas, pressões da vida adulta e a contínua convicção da natureza pecaminosa tendem a me colocar em um modo de defesa, de batalha. Contudo, hoje, o verdadeiro sentido do evento mantém viva a paz que sentia naqueles dias. Esse sentido está ancorado na lembrança de Cristo, ceiando com Seus discípulos e comemorando Seu sacrifício pela humanidade
(Lc 22:3–23). Em Sua última ceia neste mundo, nosso Salvador lembrou Seus discípulos e a nós todos que, como cordeiro pascal, ofereceria Seu corpo e Seu sangue em nosso favor (Lc 22:19, 20).

Jesus estava nos resgatando, purificando-nos em Seu sangue e nos prometendo a erradicação do mal, libertando-nos, assim, do pecado e da morte eterna (1Jo 3:8). Séculos antes daquele sacrifício, o profeta Isaías vislumbrou esta obra (Is 52:13–53:12). “Traspassado por nossas transgressões e moído por nossas iniquidades” (Is 53:5), o Senhor recebeu “o castigo que nos traz a paz” e nos sarou (Is 53:5). Sabe o que é mais impressionante? Isaías descreve como o Salvador Se sentiu após o sacrifício, como Se sente quando nos vê aceitando Sua eterna entrega e como Se sentirá quando o mal for finalmente removido da Terra e de nós. Assim como nos olhares de minha avó e da dona Maria, veremos Nele o olhar terno e amoroso de um Pai “satisfeito” (Is 53:11). 

FELIPE MASOTTI é doutor em Teologia Bíblica pela Universidade Andrews (EUA) e atua como professor do seminário teológico da Faculdade Adventista do Paraná (FAP)

(Artigo publicado na seção Enfim da Revista Adventista de março/2024)

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Última atualização em 26 de março de 2024 por Márcio Tonetti.