Sem pressa

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Como viver com sabedoria no ritmo de Deus

Chantal J. Klingbeil e Gerald A. Klingbeil

Crédito: Adobe Firefly

O tempo é essencial em diversas áreas da vida. Os atletas compreendem isso muito bem e treinam continuamente para melhorar, conquistando, por exemplo, mais um quarto de segundo ou alguns centímetros a mais em suas marcas. Ninguém responde “sim” em um funeral; essa é a resposta que se dá em cerimônias de casamento e, mesmo nelas, deve ser dita no momento adequado. A saúde também está intimamente relacionada ao controle do tempo. Pessoas saudáveis mantêm hábitos consistentes de alimentação, sono e exercícios, cientes de que essas práticas as ajudam a se desenvolver de maneira plena.

Além disso, o tempo também desempenha papel fundamental em nossa vida espiritual, pois segue padrões e ritmos estabelecidos por um Criador bondoso, que deseja abençoar Sua criação. O sábado não se limita a ser um período de 24 horas ao fim do ciclo semanal, mas representa uma forma de organizar a vida sob a direção divina. Além disso, o sétimo dia tem o propósito de abençoar não apenas a nós, mas também as pessoas ao nosso redor.

Como podemos ter uma vida sem pressa em um mundo governado por agendas e horários? O que podemos aprender com o exemplo de Jesus, conforme lemos nos evangelhos? Como podemos viver, sem pressa, o padrão do sábado – implícito a uma criação boa e perfeita – em um mundo marcado pelo pecado, pela dor e pela destruição?

A dádiva do tempo

No princípio, Deus criou o tempo. A Bíblia menciona o ritmo de tarde e manhã ao descrever a criação do planeta e de seu sistema solar (Gn 1). O tempo é um presente divino, mesmo após a entrada do pecado. Ele é a moeda que o Senhor utiliza para abençoar Sua criação, representando o momento das possibilidades.

Salomão, em Eclesiastes 3:1-11, apresentou esses momentos da existência humana em pares justapostos. “A primeira observação da graça é encontrada no tempo”, observou Jacques Doukhan, estudioso do Antigo Testamento, ao comentar o texto bíblico. “Ao contrário dos filósofos gregos, que viam o tempo como um poder destrutivo, os antigos hebreus viam a vida no tempo. Portanto, quando Salomão diz que há um tempo para cada evento (v. 1), ele não quer dizer que há um momento apropriado para os humanos agirem; tampouco quer dizer que os eventos acontecem sem nosso controle, de forma determinística. O uso da preposição le (“para”), anexada à palavra “todo” (para todo/tudo…) sugere, em vez disso, que todos esses eventos temporais, os tempos da existência humana, devem ser recebidos como graça de Deus” (Comentário Bíblico Andrews [CPB, 2025], v. 2, p. 362).

O sábado é uma expressão significativa dessa dádiva divina à humanidade. Por meio dele, o Senhor nos lembra de nossa “condição de criatura”, de nossas origens e de nossa total dependência Dele para receber graça e salvação. É no tempo que encontramos Deus. Embora Ele não seja limitado pelo tempo, está comprometido em agir no momento perfeito para salvar Sua criação.

A plenitude do tempo

A maravilha da encarnação reside no fato de que o Deus que transcende todas as dimensões em que vivemos, o Criador do tempo, entra na história e Se submete ao tempo. O apóstolo Paulo afirmou: “Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4: 4, 5).

Jesus veio na plenitude do tempo. Deus, em Sua soberania, escolheu Se submeter a um grande cronograma profético que, apesar das repetidas tentativas de Satanás de interrompê-lo, permanece inabalável. É um cronograma sem pressa. Jesus veio não apenas ao lugar certo, mas também no momento certo.

O fato de Deus limitar-Se voluntariamente ao tempo humano revela muito sobre Seu caráter. Ao restringir-Se à nossa realidade temporal, Ele demonstra Sua paciência e Seu propósito, assegurando que, mesmo diante das tramas e dos planejamentos do arqui-inimigo, Ele nunca Se adianta ou atrasa. Essa certeza nos oferece confiança em meio a um mundo turbulento, apressado e imprevisível.

O tempo de Cristo

Então, como Jesus viveu no tempo? Desde o início, é necessário reconhecer que as pessoas que viviam no 1º século d.C. aparentavam ter uma relação diferente com o tempo em comparação a nós. A vida não era regida por relógios. As pessoas observavam o céu para calcular a hora do dia. Não existiam horários para trens ou aviões. Possivelmente, o ritmo da vida fosse mais tranquilo.

Talvez essa realidade represente um desafio ou um chamado para todos nós: o de, na medida do possível, criarmos momentos de pausa em nossa vida, que nos permitam olhar para cima por um instante, em vez de planejarmos cada microssegundo de nossa rotina.

O tempo é um presente divino, mesmo após a entrada do pecado. Ele é a moeda que o Senhor utiliza para abençoar Sua criação

Mas houve momentos na vida de Cristo que foram tão intensos e apressados quanto costumam ser os nossos. Um exemplo é o episódio narrado em Lucas 8:41-56. O Mestre havia chegado à cidade, onde uma grande multidão já O aguardava. Imagine o cenário: muita gente, barulho e agitação nas ruas lotadas de Cafarnaum (cf. Mt 9:1; 4:13). Parece que todos queriam algo de Jesus.

Em meio a esse tumulto, surgiu o pedido urgente de Jairo. Lucas o apresentou como o “chefe da sinagoga”, alguém de grande importância. Despindo-se de sua dignidade e lançando­- se aos pés de Jesus, ele implorou que o Salvador fosse até sua casa, pois sua filha estava à beira da morte. O momento era crucial. Mesmo assim, quando Jesus decidiu atender ao pedido, o texto descreve que Ele se movia lentamente entre a multidão, que O comprimia por todos os lados.

Era hora de maior movimento, e Jesus estava a caminho para atender a uma questão urgente. Contudo, de repente, algo importante aconteceu, e Ele parou. No meio da multidão, uma mulher, movida pela fé, tocou o manto de Cristo e foi curada. O Salvador reconheceu esse momento como uma oportunidade significativa de edificação espiritual, tanto para a mulher quanto para a multidão. Assim, Ele para e dedica tempo à situação.

Lucas 8 refletiu essa pausa no espaço concedido à narrativa, detalhando o encontro nos versículos 43 a 48. Jesus fez uma pergunta aparentemente fora de contexto: “Quem Me tocou?” Uma pergunta que, como Pedro prontamente observou, parecia deslocada naquele cenário. Ainda assim, Cristo insistiu em perguntar.

Essa insistência abriu espaço para que a mulher, com coragem, se aproximasse e, na presença de todos, contasse sua história. Esse relato levou tempo, mas era precioso. Ela testemunhou o que tinha acontecido, e Jesus, em resposta, elogiou sua fé, reafirmando sua cura.

O evangelista destacou a urgência crescente da situação ao narrar que, enquanto Jesus ainda estava falando com a mulher, chegou uma mensagem. Podemos imaginar a ansiedade de Jairo se intensificando a cada momento em que a mulher contava sua história, enquanto ele acreditava que algo muito mais urgente requeria a atenção do Salvador. O tempo estava passando rapidamente. A mensagem era devastadora: “A sua filha já morreu; não incomode mais o Mestre” (v. 49). No entanto, Cristo não Se apressou nem acelerou Seus passos. Em vez disso, Ele Se voltou para Jairo e disse: “Não tenha medo; apenas creia, e ela será salva” (v. 50).

Se ouvíssemos essa história pela primeira vez, provavelmente ficaríamos surpresos com o que pareceria uma oportunidade perdida. Jesus parece não ter levado a sério a urgência da situação, e poderíamos pensar que Ele deixou escapar o momento crucial de curar a menina e realizar mais um milagre transformador. O urgente pareceu ter sido interrompido, e a oportunidade de ouro, desperdiçada.

Contudo, o Mestre assegurou a Jairo que nada tinha sido perdido. De forma sutil, Ele também nos ensinou algo sobre o tempo. Cristo Se recusava a ser guiado apenas pelo senso de urgência. Ele não permitia que a pressão da ocasião abafasse ou ofuscasse o que realmente era importante na vida.

Sabemos o restante da história. Jesus ressuscitou a filha de Jairo e a devolveu aos pais aflitos. Ele não foi lento para evitar uma catástrofe, mas foi rápido para desenvolver a fé e atender à confiança que Jairo depositava Nele, em Seu tempo; mesmo que as evidências parecessem contrárias. O Doador da vida usou esse milagre não apenas para restaurar a vida da menina, mas também para falar de forma ainda mais poderosa ao coração de todos os presentes.

O ritmo do Céu

O que podemos aprender com o Senhor a respeito do tempo? A interação divina com o tempo nos oferece lições claras e nos convida a refletir sobre ele. Deus, que vive fora do tempo e do espaço, nunca é apressado. Como Criador do tempo, Ele também é o Senhor do tempo. Ele tem em Suas mãos todo o tempo, incluindo o tempo profético, e não Se deixa apressar.

Uma parte fundamental do sábado é aproveitar esse dia como uma oportuni­dade para reavaliar como estamos gastando nosso tempo, entre muitas outras coisas importantes

No entanto, Ele compreende nossa complexa relação com o tempo. Jesus veio para viver dentro do espaço e estar sujeito ao tempo, mostrando-nos como podemos nos relacionar com ele. Sua vida nos ensina a importância de usar o tempo com sabedoria, sem sermos dominados por ele. Precisamos aprender a distinguir o urgente do importante. Se não conseguirmos fazer essa diferenciação, seremos continuamente arrastados pelo urgente, em detrimento do que é realmente importante.

Então, como podemos conter esse impulso implacável do urgente? Jesus demonstrou que devemos aprender a viver e a andar no ritmo divino. Ele regularmente passava tempo conversando com o Pai, na quietude das primeiras horas da manhã ou na escuridão da noite, enquanto as pessoas clamavam por Sua atenção ou Seus discípulos esperavam que Ele desse continuidade ao que parecia urgente.

Não é fácil aprender um novo ritmo. Os músicos afirmam que as mudanças rítmicas em uma peça musical são especialmente difíceis, principalmente quando já estamos no meio de uma música. Por isso, Deus nos oferece, a cada semana, um dia para nos afastarmos do urgente e refletirmos sobre o que é realmente importante. É um momento para mudar o ritmo. Uma parte fundamental do sábado é aproveitar esse dia como uma oportunidade para reavaliar como estamos gastando nosso tempo, entre muitas outras coisas importantes.

É importante perceber que nossa vida não consiste apenas em listas de afazeres e marcação de eventos, mas que nutrir nosso relacionamento com Deus e com as pessoas ao nosso redor é mais importante do que uma infinidade de realizações. De que outra forma podemos aprender a ordenar nossa vida no ritmo divino? Podemos nos afastar conscientemente das exigências irrealistas de nossos dispositivos, que nos conduzem 24 horas por dia, sete dias por semana. Outra opção é desativar alguns dos alertas. Também existe a possibilidade de deixar nossos dispositivos de lado e, então, estar atentos ao ambiente que nos cerca. Assim, podemos aprender a ouvir os ecos do Céu.

Deixar de lado o impulso do urgente não é fácil. Pode parecer arriscado, como se estivéssemos perdendo o controle de nossa vida. No entanto, podemos nos dar ao luxo de abandonar a correria incessante do urgente se, com o salmista, descansarmos na segurança de que nossos dias estão nas mãos divinas (Sl 31:15), confiando que um Deus amoroso não Se adianta nem Se atrasa. 

CHANTAL J. KLINGBEIL e GERALD A. KLINGBEIL trabalham na Associação Hanseática da Igreja Adventista do Sétimo Dia, em Hamburgo, na Alemanha

(Artigo publicado na edição de janeiro da Revista Adventista / Adventist World)

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Última atualização em 28 de janeiro de 2025 por Márcio Tonetti.