Teólogo brasileiro é eleito diretor do centro global de diálogo entre adventistas e judeus
André Vasconcelos
Em outubro, o teólogo Reinaldo Siqueira foi nomeado pela sede mundial adventista para substituir o pastor Richard Amram Elofer (2000-2021) na direção do centro global de estudos e diálogo entre adventistas e judeus (jewishadventist.org). Para assumir a nova função, o doutor Siqueira encerra sua longa trajetória no Unasp como professor (1996-2008), coordenador acadêmico (2009-2011) e diretor da Faculdade de Teologia (2016-2021).
No entanto, o que nem todos sabem é que, além de ser um profundo estudioso das línguas bíblicas, ele morou no qibbuts Palmach Tsubah, perto de Jerusalém, e estabeleceu alguns dos principais centros de estudo judaico-adventistas (Beth B’nei Tsion) da América do Sul. Nesta entrevista, o professor Reinaldo compartilha um pouco de sua experiência e explica o propósito desse importante ministério.
O que é o World Jewish-Adventist Friendship Center?
A organização mundial adventista tem vários centros de estudos que foram criados para dialogar com religiões não cristãs e pessoas secularizadas. Existem seis desses centros: (1) Centro Para as Religiões da Ásia Oriental; (2) Centro Para as Religiões do Sul da Ásia; (3) Centro Mundial Para as Relações Entre Adventistas e Muçulmanos; (4) Centro Urbano de Missão Global; (5) Centro de Estudos Sobre Secularismo e Pós-Modernismo; e (6) Centro Mundial de Amizade Judaico-Adventista.
Respondendo à pergunta, o World Jewish-Adventist Friendship Center ou Centro Mundial de Amizade Judaico-Adventista é o núcleo da Associação Geral responsável por criar projetos e estratégias que ajudem a estreitar o relacionamento entre adventistas e judeus, promovendo um diálogo respeitoso.
Quando esse trabalho de diálogo inter-religioso começou oficialmente?
No formato de hoje, esse trabalho recebeu seu primeiro impulso com o voto da sede mundial adventista no dia 17 de maio de 1994, na cidade de Washington, nos Estados Unidos. Parte desse voto diz o seguinte: “É necessário refletirmos sobre a realidade atual do povo judeu de uma forma global. Nossa amizade com cada indivíduo e comunidade de origem judaica deveria ser aprofundada. Necessitamos encontrar métodos apropriados de nos comunicar com eles. Esses métodos deveriam considerar a imensurável contribuição desse povo à humanidade […]. Necessitamos compreendê-los em sua longa história de sofrimento e serviço ao mundo. Muitas pessoas têm um entendimento demasiadamente limitado sobre o real significado dessa nação dentro da experiência histórica da humanidade. Alguns a desprezam de todo. Outros chegam mesmo a odiá-la. Não podemos proceder de tal modo. Ao contrário, compreendendo seu verdadeiro papel na origem do mundo ocidental, bem como sua longa história de sucessos e malogros, deveríamos encontrar meios que criassem uma ligação mútua segundo os mais sublimes ideais bíblicos e proféticos para indivíduos, nações e a humanidade como um todo” (General Conference of the Seventh-day Adventists, “World Jewish Friendship Commitee”, em Global Mission to MV-ADCOM, Washington: DC, 17 de maio de 1994, linhas 5 a 17).
O que é um centro de estudos judaico-adventista?
São as comunidades em que o diálogo entre judeus e adventistas acontece efetivamente. Nela os adventistas de ascendência judaica são incentivados a valorizar suas raízes culturais e étnicas e a manter uma relação, baseada no respeito e no amor, com seus familiares e a coletividade judaica. Além disso, esses centros de estudo ajudam a promover um reavivamento religioso entre judeus assimilados que simpatizam conosco, despertando-os para a sua verdadeira identidade. Essas comunidades também existem para desenvolver entre os adventistas uma maior apreciação pelo povo judeu e pelas raízes judaicas da fé cristã.
Como tem sido sua experiência de liderar, estabelecer e apoiar vários desses centros na América do Sul?
Para mim, esse ministério tem sido uma oportunidade de reencontro e redescoberta. Ele faz parte de um movimento muito positivo de reaproximação entre o judaísmo e o cristianismo. Deus tem trabalhado nas últimas décadas para trazer uma compreensão, tanto no meio cristão como no meio judaico, de que ambos os povos são instrumentos do Senhor. Trata-se de uma inversão daquilo que aconteceu no segundo século de nossa era, quando houve um rompimento entre essas comunidades, que até então conviviam relativa em harmonia.
A partir da década de 1950, com várias descobertas arqueológicas em Israel, inclusive os manuscritos do Mar Morto, ficou evidente que o cristianismo não surgiu como uma nova religião, mas como um movimento judaico. Aliás, tanto o judaísmo rabínico como o cristianismo tem sua origem no judaísmo do primeiro século. Em outras palavras, sinto-me feliz em poder participar dessa iniciativa de restauração. Creio que adventistas e judeus podem caminhar juntos nesse processo de reconciliação.
Quais são as principais pontes de diálogo entre judeus e adventistas?
A principal ponte, sem dúvida, é a observância do sábado. Mas há também as leis alimentares da Bíblia Hebraica, a liberdade religiosa, a luta contra o antissemitismo, o conceito sobre educação e família, bem como a promoção de atividades sociais, humanitárias e assistenciais. Outro aspecto pouco explorado é a relação entre a liturgia judaica (articulada com base no serviço do templo) e a teologia adventista (construída em grande medida a partir da teologia do santuário). Enfim, existem muitos valores compartilhados entre as duas comunidades que poderiam servir de pontes para o diálogo inter-religioso.
Por que são necessárias empatia e uma reeducação teológica para dialogar com judeus?
Elas são necessárias por causa de muitas crenças equivocadas que foram perpetuadas pelos cristãos e que culminaram com o sofrimento do povo judeu. Isso vem desde os primórdios do cristianismo, quando parte dos cristãos, buscando o favor do mundo greco-romano, desprezou os judeus (ver Rm 11:17, 18). Durante as guerras judaicas contra o Império Romano, os cristãos de origem gentílica se afastaram intencionalmente das raízes hebraicas de sua fé, a fim de não serem confundidos com os judeus. Assim, muitos cristãos substituíram a observância do sábado pela celebração do domingo e desenvolveram a ideia de que o cristianismo era uma religião completamente distinta do judaísmo.
Podemos dizer que a teologia da substituição (a igreja toma o lugar de Israel), do deicídio (os judeus mataram Deus) e da rejeição do povo da aliança, que fundamentaram muitos atos de violência sistemática contra os judeus, são as maiores barreiras para o diálogo judaico-cristão. Devemos ter em mente que o antissemitismo e o preconceito são contrários à religião que Jesus nos ensinou. Precisamos resgatar o espírito Dele e do cristianismo apostólico se quisermos fazer a diferença. Se apresentarmos uma teologia bíblica, que represente o caráter de Deus adequadamente, nossas palavras e ações surtirão o efeito desejado.
Como os adventistas do sétimo dia podem contribuir individual e coletivamente para esse ministério?
Em nível pessoal, cada adventista pode contribuir para esse ministério conhecendo judeus e fazendo amizade com eles. É claro que os pontos abordados nesta entrevista devem ser levados em consideração. Nosso testemunho precisa ser revisado constantemente para que espelhemos bem o caráter de Jesus. Ao conhecer um judeu, não é necessário ocultar sua identidade adventista. A amizade sincera derruba qualquer preconceito.
Em nível coletivo, as instituições da igreja podem desenvolver uma maior interação com a coletividade judaica de seu território. Uma possibilidade seria promover programas em conjunto, seja na área social, civil ou acadêmica. Um bom exemplo foi o esforço conjunto de judeus e adventistas para conseguir que os guardadores do sábado não sejam prejudicados em concursos públicos nem na realização da prova do Enem.
Qual é a importância do diálogo entre adventistas e judeus para a escatologia bíblica?
Uma das profecias bíblicas que falam diretamente da obra do remanescente apocalíptico é Isaías 40. Nessa passagem encontramos a seguinte declaração: “Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor” (v. 3, ARA). Porém, é interessante destacar como essa profecia começa: “Consolai, consolai o Meu povo, diz o vosso Deus. Falai ao coração de Jerusalém, bradai-lhe que já é findo o tempo da sua milícia, que a sua iniquidade está perdoada e que já recebeu em dobro das mãos do Senhor por todos os seus pecados” (v. 1, 2, ARA).
Hoje vemos um crescimento inacreditável do antissemitismo. Em contraste com essa tendência mundial de ódio, a profecia de Isaías nos chama a consolar e amar o povo judeu. Se o cristianismo desprezou e perseguiu os judeus ao longo da história, nós devemos tratá-los com consideração e carinho, falando gentilmente a seu coração. Quando fizermos isso, “a glória do Senhor se manifestará, e toda a carne a verá” (v. 5, ARA). Logo, essa importante obra faz parte da missão adventista de preparar o caminho para a vinda do Senhor.
(Versão completa da entrevista publicada na edição de dezembro de 2021 da Revista Adventista)
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