Chegou a hora de deixar as cidades e viver no campo?
Alberto R. Timm
Quando Deus criou Adão e Eva, colocou-os no Jardim do Éden e os abençoou com as seguintes palavras: “Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra!” (Gn 1:28, NVI). Aquele jardim “era uma representação do que Deus desejava se tornasse a Terra toda” (Ellen G. White, Educação, p. 22).
Após a queda, a população da Terra cresceu significativamente e começaram a surgir as cidades. Josué, sob a direção de Deus, distribuiu os assentamentos de Canaã entre as tribos israelitas (Js 13–21). Eventualmente, Jerusalém se tornou o centro religioso de Israel e a cidade na qual o Senhor colocou o Seu nome (2Sm 7:13; 2Rs 21:4). O próprio Deus é o “Arquiteto e Edificador” da Nova Jerusalém (Hb 11:10; Ap 21:2, 10), que será nosso “lugar de descanso” (Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, v. 9, p. 287; Vida e Ensinos, p. 236).
E quanto às cidades do nosso mundo no tempo do fim? Como devemos agir em relação a elas? Pesquisando a Bíblia e os escritos de Ellen White, nota-se uma tensão intrigante entre morar nas cidades e deixar as cidades. Vamos refletir brevemente sobre essa tensão.
MORAR NAS CIDADES
A Bíblia menciona pessoas fiéis que moravam em cidades. José, por exemplo, foi o primeiro-ministro na corte do faraó e deve ter morado na capital (Gn 41:44; 44:4). Daniel e seus companheiros serviram na corte da Babilônia (Dn 2:49; 6:1-3). Paulo, como missionário itinerante, ia de cidade em cidade (At 20:18-24), e finalmente morou dois anos inteiros em uma casa alugada em Roma (cf. At 28:16, 30).
Jesus disse aos Seus discípulos que Jerusalém seria destruída e que teriam de fugir (Lc 21:20, 21). Eles não deixaram a cidade para proteger sua própria espiritualidade. Ao contrário, permaneceram lá e pregaram o evangelho de forma tão convincente que até o grande sacerdote reconheceu: “Vocês encheram Jerusalém com sua doutrina” (At 5:28, NVI). Somente uma perseguição severa expulsou muitos deles da cidade, permitindo que pregassem o evangelho em outros lugares (At 8:1, 4). Diante dos eventos finais, não há desculpa hoje para sermos menos corajosos e menos intencionais.
Ellen White declarou em 1888: “A grande obra do evangelho não deverá encerrar-se com menor manifestação do poder de Deus do que a que assinalou o seu início. […] Servos de Deus, com o rosto iluminado e a resplandecer de santa consagração, apressar-se-ão de um lugar para outro para proclamar a mensagem do Céu. Sobre toda a Terra, a advertência será dada por milhares de vozes” (O Grande Conflito, p. 611, 612).
Ellen White, inclusive, apelou para que famílias trabalhassem nas cidades. Em 1892, ela escreveu: “Muitos nos Estados Unidos que podem devem mudar com sua família para diferentes povoados e cidades e lá elevar o estandarte da verdade” (Manuscript Releases, v. 12, p. 331). Em 1908, ela incentivou as pessoas a mudar das cidades, embora reconhecendo que “alguns devem permanecer nas cidades para dar a última nota de advertência” (Ministério Para as Cidades, p. 112). Em 1910, ela acrescentou: “Não é tempo agora de se estabelecerem colônias. A obra deve ser levada rapidamente de cidade em cidade” (p. 146).
DEIXAR AS CIDADES
A Bíblia também menciona famílias que se mudaram de cidades para áreas mais remotas. Abraão e sua família, por exemplo, foram de Ur dos Caldeus para a terra de Canaã (Gn 11:31; 12:1-4). Ló e suas duas filhas deixaram Sodoma e habitaram nas montanhas próximas a Zoar (Gn 19:15-17, 30). Quando o cerco romano foi provisoriamente interrompido (Lc 21:20, 21), os cristãos que moravam em Jerusalém deixaram a cidade, seguindo o alerta de Cristo. Como resultado, nenhum deles pereceu (O Grande Conflito, p. 30, 31).
Por muitos anos, Ellen White incentivou os membros da igreja a se mudarem das cidades para as áreas rurais (veja o livro Vida no Campo). Em 1906, ela afirmou: “Conforme o tempo avança, cada vez mais terá nosso povo de sair das cidades. Durante anos temos recebido a instrução de que nossos irmãos e irmãs e especialmente as famílias que têm filhos devem fazer planos para abandonar as cidades, conforme diante deles se abrir o caminho para fazê-lo” (Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 360).
Além de saúde e benefícios espirituais, o ambiente no campo afasta as famílias da influência destruidora das grandes cidades. Ellen White explicou: “O inimigo da justiça tem todo tipo de prazer preparado para os jovens em todas as circunstâncias da vida; e elas não se apresentam apenas nas grandes cidades, mas em todo lugar habitado por seres humanos” (Mensagens aos Jovens, p. 407, 408). “Mas, nas grandes cidades, seu poder sobre as mentes é maior e suas redes para enlear os pés dos incautos são mais numerosas” (Fundamentos da Educação Cristã, p. 423).
A decisão de sair das cidades é uma escolha particular e da família; ninguém deve forçar ninguém. Deve ser considerada com oração, levando em conta todas as condições e implicações, aconselhando-se com outros e seguindo fielmente o que a consciência indicar.
Chegará o tempo em que essa mudança será imperativa. “Como o cerco de Jerusalém pelos exércitos romanos era o sinal de fuga para os cristãos judeus”, escreveu Ellen White, “assim o arrogar-se nossa nação o poder para decretar obrigatório o dia de repouso papal será uma advertência para nós. Será então tempo de deixar as grandes cidades, passo preparatório para sair das menores para lares retirados em lugares solitários entre as montanhas” (Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 464, 465; Testemunhos Seletos, v. 2, p. 166)
Uma mudança bem planejada da cidade para uma área rural pode nos aproximar do plano original de Deus para a humanidade. Mas nunca deve enfraquecer nossos esforços missionários nem nos levar a uma forma egocêntrica de religião. Nossa missão para as cidades não está terminada e não podemos nos tornar Jonas modernos (cf. Jn 1:1-3).
Na verdade, devemos nos guiar pelo compromisso incondicional de Paulo: “Todavia, não me importo [com as prisões e tribulações], nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão-somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor Jesus me confiou, de testemunhar do evangelho da graça de Deus” (At 20:24).
ALBERTO R. TIMM é diretor associado do Patrimônio Ellen G. White, em Silver Spring (EUA)
(Artigo publicado na edição de agosto de 2020 da Revista Adventista / Adventist World)
Última atualização em 28 de agosto de 2020 por Márcio Tonetti.