Lições de Waco

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O que podemos aprender com o grupo dissidente que teve um fim trágico

Ganoune Diop

Foto: Governo dos Estados Unidos

O que pode acontecer quando a Bíblia é mal interpretada e as pessoas abusam de sua liberdade?

Há trinta anos, em 19 de abril de 1993, imagens horríveis chocaram o mundo. Membros de uma seita apocalíptica, em Waco, no Texas (EUA), morreram em meio às chamas. Muitos deles escolheram morrer por acreditarem que isso era uma parte necessária da purificação pelo fogo antes do advento do reino de Deus (Dn 8:14). Uma mulher surgiu das chamas, mas tentou voltar para cumprir sua “missão”. De acordo com testemunhas oculares, ela teria morrido se não tivesse sido impedida por um agente do FBI.

Oitenta e dois homens, mulheres e crianças morreram naquele dia porque acreditaram em um indivíduo que alegava ter sido escolhido por Deus para revelar os segredos do Apocalipse. Ele afirmava ser não apenas o sétimo anjo das trombetas, mas o próprio cordeiro de Deus. A história desse grupo de dissidentes da Igreja Adventista do Sétimo Dia terminou de modo trágico.

Os grupos dissidentes geralmente começam porque uma ou mais pessoas deixam de acreditar no que a igreja ensina. Finalmente são excluídos do registro de membros local porque seus ensinamentos e suas práticas se tornaram extremos. Então, decidem reformar a denominação que deixaram porque acreditam que foi a igreja que apostatou, não eles. Em seguida, dedicam-se a recrutar outros com a pretensão de formar o que eles acreditam ser o grupo dos 144 mil. Isso leva à necessidade de uma futura mudança para Jerusalém, onde o novo reino de Deus será estabelecido.

De que maneira podemos evitar tragédias como a que aconteceu em Waco? A compreensão das lições a seguir pode impedir que nos desviemos da verdade bíblica genuína.

  • O princípio absoluto da crença adventista do sétimo dia é a autoridade suprema de Cristo. Todas as heresias, antigas ou modernas, diminuem ou assumem os direitos absolutos de Jesus, o único Senhor e Salvador.
  • Jesus Cristo é a nossa única esperança (1Tm 1:1). Isso é fundamental para o movimento adventista.
  • Ninguém deve submeter sua consciência ao controle de nenhuma outra pessoa. Não siga nenhum outro ser humano, mas somente a Deus. Ele tem acesso direto a nós, e nós temos acesso direto a Ele.
  • A era da mediação humana acabou. Jesus assumiu todas as funções dos antigos representantes de Deus. Ele é o único Rei (filho de Davi), único Sacerdote (filho de Abraão) e único sacrifício. Jesus é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14:6).
  • Somente Deus pode efetuar reavivamento e reforma. Cuidado com líderes que alegam ter sido designados para liderar Seu povo no tempo do fim, mas assumem falsamente prerrogativas divinas. O livro do Apocalipse adverte repetidamente: “Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas” (Ap 2:7, 11, 17, 29; 3:6, 13, 22). Nenhum ser humano pode tomar o lugar da Divindade. Cristo está vivo. O Espírito Santo é o Espírito vivo e onipresente de Deus.
  • Líderes de seitas apocalípticas interpretam mal a Bíblia. Eles usam e abusam das palavras de autoridade. Impõe-se e dominam em lugar de servir – exatamente o oposto do que Jesus disse que deveriam ser.
  • Ninguém deve ter “segredos” na interpretação do texto apocalíptico. Cuidado com pessoas que dizem que somente elas podem interpretar as Escrituras. A Bíblia foi dada a todos para ser estudada e para aprendermos qual é a vontade divina (Rm 12:2; 2Tm 3:14-17; At 17:11; Ef 6:11-17).
  • Deus quer salvar até Seus inimigos. Cuidado com aqueles que afirmam ser os únicos fiéis e escolhidos, encarregados de punir os ímpios – aqueles que não pensam como eles.
  • O amor está ausente de seu discurso e literatura. A principal linguagem usada é o medo e a violência, mediante anúncios de destruição para os ímpios. Deus não quer que os maus pereçam, mas que se arrependam e sejam salvos. Deus quer que todas as pessoas conheçam a verdade (1Tm 2).
  • Pertencer a uma seita apocalíptica ou igreja não é o equivalente a ser salvo. Jesus é o único Salvador. A salvação vem do Senhor.
  • É fundamental a maneira como se lê a Bíblia e a metodologia utilizada. Por exemplo, a leitura equivocada do Salmo 45 levou Vernon Howell (também conhecido como David Koresh) a afirmar que ele tinha que levar as esposas de seus seguidores para gerar 24 filhos que seriam príncipes no novo reino. Além disso, sua crença e má interpretação dos sete selos do Apocalipse e do sétimo anjo levaram ao resultado catastrófico no complexo de Waco, no Texas.
  • É importante manter a liberdade de consciência das pessoas. Ninguém deve ser coagido ou intimidado em suas crenças. Somente Deus é digno de ser seguido.
  • A Igreja Adventista do Sétimo Dia não pode ser responsabilizada por dissidentes que adotaram o nome da denominação, mas que se desviaram para o extremismo. A igreja é protegida por declarações oficiais claramente articuladas e votadas nas assembleias mundiais, na comissão executiva da Associação Geral e na comissão administrativa. Os documentos oficiais são compostos pelas 28 crenças fundamentais, as diretrizes de trabalho e o Manual da Igreja. Eles impedem qualquer pessoa ou grupo de se apropriar do direito de controlar os outros ou impor objetivos que não se alinham à missão da igreja.

Àqueles que são tentados a seguir líderes que afirmam representar Deus, permitam-me lembrar de que uma das evidências mais claras se alguém está sendo guiado por Deus é revelada no fruto do Espírito Santo: “amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gl 5:22, 23). O ­Espírito de Deus é incompatível com a violência e/ou controle dos seres criados à Sua imagem. Que a paz que excede todo entendimento guarde seu coração e mente em Cristo Jesus.

SAIBA +

O QUE ACONTECEU

Na década de 1930, um homem insatisfeito com a Igreja Adventista do Sétimo Dia se afastou e fundou seu próprio movimento, cujos seguidores eram chamados de davidianos. Após sua morte, outro assumiu o controle, dando-lhe o nome de Ramo Davidiano. Em 1962, esse grupo havia se estabelecido em um grande complexo em Waco, no Texas.

A seita procurou na Bíblia pistas sobre como o mundo terminaria, tendo em vista especialmente o livro do Apocalipse. Em 1978, o segundo líder morreu, deixando sua esposa para liderar o grupo como uma “profetisa”. Anos depois, Vernon Howell chegou ao local. Envolvendo-se com a esposa do ex-líder, ele acabou assumindo o direção do grupo dissidente em 1990.

Howell mudou seu nome para David Koresh, afirmando ser o “messias” e “o cordeiro” do Apocalipse que poderia abrir os selos daquele livro. Suas práticas envolviam tomar muitas “esposas espirituais” e ter filhos com elas.

O governo dos Estados Unidos confrontou os membros da seita com acusações relacionadas à violação das normas sobre armas de fogo, bem como ao abuso de crianças. O complexo ficou cercado por 51 dias, antes de os agentes federais conseguirem entrar. Como resultado, o fogo irrompeu, destruindo o complexo e matando 82 pessoas, sendo 25 crianças. Mais tarde, foi descoberto que alguns do movimento haviam morrido por ferimentos fatais de bala.

Durante o cerco, quatro agentes federais foram mortos em uma batalha armada, fazendo com que o número total de mortos em Waco chegasse a 86.

GANOUNE DIOP dirige o departamento de Relações Públicas e Liberdade Religiosa na sede mundial da Igreja Adventista (a versão completa deste artigo está disponível no site adventistliberty.org)

(Texto publicado na edição de maio/2023 da Revista Adventista / Adventist World)

Última atualização em 31 de maio de 2023 por Márcio Tonetti.