O incomparável Cristo

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A ênfase cristocêntrica do ministério de Ellen White

Peter van Bemmelen

Foto: Lighstock

Após a Assembleia de 1888, realizada em Mineápolis (EUA), perguntaram a Ellen White o que ela achava da nova luz que Ellet J. Waggoner e Alonzo T. Jones haviam apresentado. Ela respondeu: “Ora, tenho apresentado isso a vocês nos últimos 45 anos – os encantos incomparáveis de Cristo. É isso que tenho tentado apresentar à sua mente” (Ellen G. White, Sermons and Talks, v. 1 [Ellen G. White Estate, 1990], p. 116). O que ela quis dizer com “os encantos incomparáveis de Cristo”? Há alguma evidência de que a autora tenha apresentado o assunto anteriormente?

O primeiro uso que Ellen White fez da expressão “encantos incomparáveis”, referindo-se a Cristo, aparece em um testemunho de 1857. Ela escreveu: “Se Cristo for em nós a ‘esperança da glória’ (Cl 1:27), Nele descobriremos tão incomparáveis atrativos, que o coração ficará enamorado, apegando-se a Ele. Preferiremos amá-Lo e, cheios de admiração por Ele, esqueceremos o próprio eu. Jesus será magnificado e adorado, e o eu rebaixado e humilhado” (Testemunhos Para a Igreja [CPB, 2021], v. 1, p. 149). Ela usou uma expressão similar, “as profundidades incomparáveis do amor de um Salvador”, várias vezes em seus primeiros escritos.

Em 1852, ela escreveu sobre a felicidade das crianças na nova Terra: “Olharão para o amado Salvador que Se entregou por eles e, com admiração e amor por Aquele que está sorrindo para eles, erguerão a voz e cantarão para Seu louvor e Sua glória, enquanto sentem e percebem a profundidade incomparável do amor do Salvador” (The Youth’s Instructor, outubro de 1852). Em outro artigo, ela descreveu o sacrifício de Cristo para a salvação deles. “Ele morreu para que pudéssemos viver. Que sacrifício foi esse! A língua de um anjo não pode descrever as ‘profundezas incomparáveis do amor do Salvador’” (Review and Herald, 25 de julho de 1854). É interessante que essas primeiras expressões foram todas destinadas aos jovens.

Entre 1858 e 1864, Ellen White escreveu quatro livros intitulados Dons Espirituais, contendo a versão mais antiga do tema do grande conflito. Embora as expressões apareçam com pouca frequência nesses escritos, elas destacam o enfoque cristocêntrico da sua obra. Por exemplo, encontramos essas palavras de admiração: “Deponho a caneta e exclamo: ‘Ah, que amor! Que amor maravilhoso!’ A linguagem mais elevada não consegue descrever a glória do Céu nem as profundidades incomparáveis do amor do Salvador” (Primeiros Escritos [CPB, 2022], p. 265).

Uma das descrições mais impressionantes da pioneira sobre os sofrimentos e a morte expiatória de Cristo foi publicada pela primeira vez em 1869 (Testemunhos Para a Igreja [CPB, 2021], v. 2, p. 170-181). Ninguém que leia cuidadosamente esse capítulo pode pensar que a ênfase de Ellen White na cruz de Cristo só veio à tona na última parte de seu ministério. Observe essa passagem: “As cenas do Calvário requerem a mais profunda emoção. A esse respeito, vocês estarão desculpados se manifestarem entusiasmo. Que Cristo, tão excelente, tão inocente, devesse sofrer tão dolorosa morte, suportando o peso dos pecados do mundo, jamais poderão nossos pensamentos e imaginação compreender plenamente. Não conseguimos sondar o comprimento, a largura, a altura e a profundidade de tão assombroso amor. A contemplação das incomparáveis profundidades do amor do Salvador deve encher a mente, tocar e sensibilizar o coração, refinar e enobrecer as afeições, transformando inteiramente todo o caráter” (p. 179).

Destaque contínuo

Devido à ênfase dada na Assembleia de 1888, seu enfoque cristocêntrico nas décadas anteriores foi muitas vezes ignorado ou subestimado. Considere os seguintes exemplos. Em 1869, ela expressou: “Vemos beleza, amabilidade e glória em Jesus. Contemplamos Nele encantos incomparáveis” (Review and Herald, 19 de abril de 1870). Cerca de um ano depois, Ellen White acrescentou: “Recomendo-lhes Jesus, meu bendito Salvador. Eu O adoro. Eu O exalto. […] Se eu pudesse me apresentar perante o Universo reunido e louvar Seus encantos incomparáveis!” (Review and Herald, 31 de maio de 1870). Em um testemunho sincero aos ministros, ela também enfatizou: “Eles devem ter em mente o valor dos seres humanos e as incomparáveis grandezas do amor do Salvador” (Testemunhos Para a Igreja [CPB, 2021], v. 2, p. 411).

DEVIDO À ÊNFASE DADA NA ASSEMBLEIA DE 1888, SEU ENFOQUE CRISTOCÊNTRICO NAS DÉCADAS ANTERIORES FOI MUITAS VEZES IGNORADO OU SUBESTIMADO

Em 1876, Ellen White publicou uma série de artigos sobre o início da sua vida e experiência cristã, bem como dos seus labores. Ao descrever seus oponentes pós-desapontamento de 1844, ela observou: “Aqueles que tinham pouco interesse na salvação das pessoas não conseguiam compreender o amor de Deus em meu íntimo, o que motivava meu desejo de ajudar os que estavam nas trevas a encontrar a mesma luz que iluminava meu caminho” (Signs of the Times, 11 de maio de 1876). Em seguida, ela fez essa importante observação: “Se eles também pudessem ter visto o que me foi revelado sobre o incomparável amor de Deus pelos seres humanos, manifestado ao dar Seu único Filho para morrer por eles, não teriam duvidado da minha sinceridade” (Signs of the Times, 11 de maio de 1876).

A morte do esposo, Tiago, em agosto de 1881, trouxe-lhe tristeza e solidão, mas também intensificou nela o desejo de confiar mais plenamente em Cristo e de testemunhar Dele para cristãos e incrédulos. No funeral, ela falou sobre a ressurreição, dizendo: “Aguardo aquela manhã em que os laços familiares rompidos serão reunidos novamente, e veremos o Rei em Sua beleza, contemplaremos Seus encantos incomparáveis, lançaremos nossas coroas reluzentes a Seus pés, tocaremos a harpa de ouro e encheremos todo o Céu com as melodias de nossa música e nossos cânticos para o ­Cordeiro. Lá, cantaremos juntos. Triunfaremos ao redor do grande trono branco” (In Memoriam: A Sketch of the Last Sickness and Death of Elder James White [Review and Herald, 1881], p. 43).

Ellen White passou dois anos na Europa, de 1885 a 1887. Seus sermões contêm frequentes apelos aos inigualáveis encantos de Cristo. Por exemplo, pregando em Grimsby, na Inglaterra, ela insistiu na importância do estudo da Bíblia: “Quero que leiam a Bíblia e vejam os encantos incomparáveis de Jesus. Quero que se apaixonem pelo Homem do Calvário, para que a cada passo possam dizer ao mundo: ‘Os Seus caminhos são agradáveis, e todas as Suas veredas são paz’ (Pv 3:17)” (Manuscript 80, 1886). Cerca de um mês depois, em Nimes, na França, ela levantou a pergunta: “Não trabalharemos para o Mestre?” E, respondendo, ela exortou: “Devemos utilizar o melhor do nosso intelecto no trabalho para o Mestre. Devemos revelar ao mundo Cristo e Seus encantos incomparáveis” (Manuscript 39, 1886).

Conclusão

Do começo ao fim, os escritos de Ellen White foram centrados em Cristo. Ela apresentou continuamente o incomparável amor de Deus manifestado na encarnação, no ministério, no sofrimento, na morte expiatória de Cristo e na indescritível dádiva da Sua justiça para os pecadores que não merecem. Ela exaltou seu Salvador como Aquele que é totalmente encantador, o Desejado de todas as eras e nações. Para ela, tudo poderia se resumir na frase “os incomparáveis encantos de Cristo”.

Portanto, a pioneira tinha toda a razão ao dizer, em 1889, que estava apresentando os incomparáveis encantos de Cristo havia 45 anos. E foi o que continuou fazendo por mais um quarto de século. Era seu desejo, expresso em 1870, continuar fazendo isso por toda a eternidade: “Ah, se eu tivesse uma língua imortal para poder louvá-Lo como desejo! Se eu pudesse me apresentar perante o Universo reunido e louvar Seus encantos incomparáveis!” (Testemunhos Para a Igreja [CPB, 2021], v. 2, p. 483).

PETER VAN BEMMELEN é professor emérito do Seminário Teológico da Universidade Andrews, nos Estados Unidos

(Artigo publicado na edição de julho/2023 da Revista Adventista / Adventist World)

Última atualização em 7 de agosto de 2023 por Márcio Tonetti.