Uma reflexão sobre a arte de manter a paz conjugal
Pablo Canalis
Carlos saiu do trabalho cansado e preocupado. Na semana anterior, a empresa havia demitido um antigo funcionário, e as más línguas diziam que, no mês seguinte, mais duas pessoas do seu setor seriam desligadas. O trânsito para chegar em casa estava complicado. Sua esposa ligou para ele no meio do caminho, pedindo-lhe que parasse no supermercado a fim de comprar algumas coisas que estavam faltando para o jantar. Isso o deixou ainda mais irritado, pois não gostava de parar no mercado. Ambientes com muitas pessoas sempre o deixavam nervoso.
Mesmo assim, Carlos parou, comprou rapidamente os itens da lista e ficou remoendo pensamentos negativos sobre o motivo de sua esposa não ter feito a compra antes. “Com certeza, ela ficou conversando com uma das vizinhas, como sempre faz, e se esqueceu de ir ao mercado. Agora vamos jantar tarde. E, pelo que ela me mandou comprar, nem comida vamos ter! Tenho certeza de que será um lanche. Estou cansado de comer lanche à noite!”, pensou.
Esses pensamentos foram se avolumando, gerando uma tensão emocional negativa. Ao entrar em casa, viu que sua esposa estava ao telefone conversando com a mãe dela. Suas expressões indicavam que algo não estava bem. Por algum motivo, ela nem lhe disse “oi”, o que aumentou a insatisfação de Carlos. Quando a esposa desligou o celular e foi pegar os tomates que ele havia comprado, ela lhe perguntou de maneira ríspida: “Não tinha tomates melhores?” Aquela foi a gota d’água! Enfurecido, ele começou a gritar: “Se você não gostou dos tomates que eu trouxe, vá você ao mercado!”
A esposa não perdeu tempo. Com o dedo em riste, replicou: “Não grite comigo! Por que não escolheu com atenção os tomates que comprou?” Os dois brigaram por cerca de 10 minutos, usando palavras duras, em tom agressivo. Por fim, foram dormir sem comer e chateados um com o outro.
Tudo isso ocorreu por causa de alguns tomates? Obviamente, não. O ponto inicial dessa discussão poderia ser questionado de várias maneiras. Contudo, quero focalizar o processo resolutivo. De que maneira Carlos tentou resolver seu problema? O acúmulo de tensão poderia ter sido tratado de outra forma.
Será que colocar uma música tranquila no carro durante o caminho para casa poderia ter ajudado? E se, em vez de parar no mercado para comprar tomates, ele tivesse sugerido à esposa que jantassem fora ou comprassem comida pronta?
E quanto à esposa, será que ela poderia ter levado em conta o fato de que ele não gosta de ir ao mercado e evitado reclamar do tomate? Por que ela não se programou para não deixar as compras para a última hora? Essas pequenas mudanças poderiam ter feito toda a diferença no desenrolar da situação.
São várias as possibilidades, mas o interessante é que ambos tentaram resolver a situação “no grito”, cada qual se colocando em uma posição de ataque, buscando mostrar ao outro que venceria aquela batalha.
Estamos dispostos a pôr fim rapidamente às brigas? Diante de uma discordância, estamos inclinados a evitar palavras grosseiras e atitudes autoritárias? Devemos colocar em prática o conselho bíblico: “A resposta gentil desvia o furor, mas a palavra ríspida desperta a ira” (Pv 15:1, NVT). Diminuir o volume, o tom e a exaltação pode ajudar a controlar melhor os momentos de conflito.
PABLO CANALIS é médico especialista em Psiquiatria, pós-graduado em Medicina da Família e Comunidade
(Artigo publicado na seção “Em Família” da Revista Adventista de novembro/2024)
Última atualização em 19 de novembro de 2024 por Márcio Tonetti.