Crises na saúde pública podem levar ao despertamento espiritual
FERNANDO DIAS
A epidemia do novo coronavírus, um patógeno que também responde pelo nome mais técnico de SARS-CoV-2, responsável pela COVID-19, uma infecção que pode ser fatal, avança e começa a mudar a rotina das pessoas onde chega. Hábitos de higiene são intensificados. Evitam-se as saudações com toque físico. O caloroso abraço e os beijos no rosto deixam de ser uma demonstração de afeto para se tornarem gestos malvistos e impróprios. Na cidade onde vivo, começa a diminuir a quantidade de pessoas nas ruas, especialmente à noite. Os estudantes não estão mais indo às aulas. Os grupos de idosos não têm mais seus encontros. Os cultos religiosos não estão acontecendo nos templos. Restaurantes e bares não abrem suas portas. Tive a impressão de que apenas um estabelecimento parecia mais movimentado que o costumeiro: a farmácia. Máscaras e álcool para assepsia são os itens mais buscados, mas esgotam-se das prateleiras tão logo chegam a elas.
Apesar das crises pessoais que todos vivemos, uma tensão coletiva e global é novidade para a maioria de nós. A ansiedade e o medo do futuro nos assombram. Até quando isso durará? Experimentaremos o caos que outros países europeus e asiáticos têm vivido? Será que em nosso país milhares de pessoas afluirão aos hospitais com gravíssimos problemas respiratórios? Veremos os profissionais de saúde trabalhando com escafandros cirúrgicos? Há poucos dias, “coronavírus” era um termo que a maioria desconhecia, mas agora tornou-se a palavra mais ouvida.
A humanidade já experimentou outras pragas e epidemias. Muitas delas ocorreram num tempo em que não existiam hospitais, médicos e drogas para combatê-las, e por isso causavam uma mortandade estrondosa. Antes também não havia os rápidos meios de transporte e comunicação, o que localizava o mal, suas consequências e seu pavor. A Bíblia menciona uma dessas tragédias, ocorrida cerca de mil anos antes de Cristo. Seu relato encontra-se em 2 Samuel 24 e em 1 Crônicas 21.
O rei Davi propôs-se a realizar um censo militar entre o povo hebreu. Deus, no entanto, havia determinado, numa época em que não havia vacinas, uma medida para que tal ato não resultasse na disseminação de uma praga (Êxodo 30:11-16). Cada um dos recenseados deveria doar uma moeda de seis gramas de prata para o santuário. Ao pesarem-se as moedas, seria conhecido o número total de pessoas alistadas. Isso evitaria aglomerações desnecessárias, que agora reconhecemos o quão perigosas podem ser. Além disso, incluir uma oferta, um ato de devoção religiosa, em um processo de alistamento militar visava retirar o foco da força numérica do exército e concentrá-lo no poder de Deus para proteger a nação de seus inimigos, fossem eles os nômades do deserto que intentavam invadir seu território para roubar gado e a produção agrícola, ou impérios estrangeiros que ameaçavam levá-la em cativeiro ou impor-lhe pesados impostos.
No entanto, parece que o rei Davi deixou de lado a orientação bíblica de tornar cada gesto de seu governo uma oportunidade para exaltar a Deus. O general Joabe, seu ministro da Defesa, ainda tentou dissuadir o monarca de transgredir a ordem divina. Mesmo assim, o recenseamento foi feito. Foi somente após o término do procedimento que Davi despertou para o mal que cometera. Em oração, disse a Deus: “Cometi um grande pecado ao fazer tal coisa. Mas agora peço-te que perdoes a iniquidade do teu servo, porque fiz uma grande loucura” (1 Crônicas 21:8).
Deus concede o perdão, mas o resultado dos erros humanos segue as leis inevitáveis de causa e efeito, de semeadura e colheita. Por meio do profeta Gade, Deus deu a Davi a opção de escolher as consequências de seus atos: uma fome que se alongaria alguns anos, uma guerra que duraria três meses, ou três dias de praga, em que “a espada do Senhor, isto é, a peste na terra e o Anjo do Senhor causem destruição em todos os territórios de Israel” (1 Crônicas 21:12).
Angustiado diante das possibilidades trágicas que se lhe apresentavam, Davi escolheu a mais breve, três dias de peste, sob o argumento de que “é preferível que eu caia nas mãos do Senhor, por que são muitas as Suas misericórdias”; ele não queria “cair nas mãos dos homens” (v. 13).
A peste veio. Morreram em três dias 70 mil pessoas em um único país. Essa foi uma devastação bem maior e mais rápida do que a causada pela pandemia do novo coronavírus.
Algumas lições podemos tirar dessa história. Apesar de a linguagem bíblica frequentemente colocar Deus como o sujeito tanto de tragédias como de livramentos, sabemos que o mal não tem origem no coração amoroso de Deus. A praga mortífera que custou dezenas de milhares de vidas foi resultado direto do pecado. É por causa do pecado que tragédias acontecem. É por causa do pecado que há hoje epidemias letais. Talvez não seja possível nem adequado identificar um pecado específico como a causa da atual tragédia que assola o planeta. Mas tudo de ruim que acontece é resultado do pecado de cada um de nós, pois “todos pecaram” (Romanos 6:23). O grande mal do mundo não é a infecção viral. Tampouco são os desgovernos com suas políticas desastrosas e sua corrupção sistêmica. Nem é a desigualdade social. O único grande problema da humanidade é o pecado, do qual emanam todas as outras infelicidades. Se a propagação de doenças, a injustiça social, a falta de conhecimento e a corrupção devem ser combatidas, muito mais deve ser buscado o livramento do pecado, a causa desses e de todos os males.
Essa foi a solução da peste nos dias de Davi. Ao ver o Anjo do Senhor com a espada desembainhada sobre o monte Moriá, diante da cidade de Jerusalém, Davi buscou a Deus antes que a peste atingisse a maior cidade do país e aumentasse ainda mais a mortandade. Ele orou a Deus. Nos momentos de crise mais difíceis, devemos orar mais. Buscar mais a Deus. Em sua prece, Davi arrependeu-se confessou seu pecado. “O arrependimento inclui a tristeza pelo pecado e o afastamento dele. Não abandonaremos o pecado enquanto não reconhecermos o quanto ele é perigoso. E enquanto não nos afastarmos realmente do pecado, não haverá mudança real em nossa vida” (Ellen White, Caminho a Cristo: Passos que Conduzem à Verdadeira Felicidade [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019], p. 23).
Além de envolver confissão, a oração de Davi incluiu intercessão. “Eu é que pequei e fiz esse mal. Mas estas ovelhas o que fizeram? Ah! Senhor, meu Deus, que a Tua mão seja contra mim e contra a casa de meu pai, mas não contra o Teu povo, para castigá-lo” (1 Crônicas 21:17). Buscar a Deus implica em procurar a salvação de outras pessoas também. Em sua intercessão, Davi chegou ao ponto de rogar a Deus que sua família fosse atingida, e os outros, salvos. Isso se cumpriu quando Jesus Cristo, o Filho de Davi, morreu pela salvação de todos nós.
Para Davi, que viveu antes da morte de Cristo na cruz, algo deveria materializar o sacrifício substitutivo do Salvador, ainda no futuro para ele. Davi comprou o terreno do monte Moriá, além de bois e lenha para a cerimônia de oferta pelo pecado. Ele justificou a compra com o seguinte argumento: “[…] porque não oferecerei ao Senhor, meu Deus, holocaustos que não me custem nada” (2 Samuel 24:24; 1 Crônicas 21:24). Ao pagar sete quilos e duzentos gramas de ouro (o que hoje chegaria perto de 2 milhões de reais) pelo terreno, Davi repôs a oferta que deveria ter sido recolhida, reparando o erro anterior. Ele edificou um altar de pedras e sacrificou os bois que comprara sobre ele. Deus respondeu de maneira extraordinária, enviando milagrosamente fogo do Céu para queimar o sacrifício. Assim que a oferta foi aceita pelo Altíssimo, a peste cessou imediatamente.
Um despertamento espiritual é a resposta mais eficaz à atual pandemia. Medidas sanitárias são muito importantes para conter o avanço do número de casos, mas ainda mais essencial é buscar em Deus a solução para os males deste mundo. E a história de Davi nos deixa ensinamentos preciosos. Essa também deve ser uma ocasião de arrependimento e confissão de pecados. Também precisa ser o ensejo para implorar em intercessão a Deus pela salvação das pessoas. É o momento de agir para levar o Cristo crucificado e ressurreto ao mundo que perece. Assim como a morte do novilho sobre o altar no monte Moriá cessou a mortandade entre o povo, a morte de Cristo na cruz sobre o Calvário, um lugar no mesmo monte Moriá, aniquilará a morte e dará vida eterna a todos os que creem em Cristo. Agora, mais do que nunca, é o tempo de buscar a salvação que somente Jesus Cristo tem para oferecer. Agora é o momento de nos prepararmos para a ocasião da segunda vinda de Cristo, cujo aumento das epidemias é um dos sinais de sua aproximação (Lucas 21:11).
“Busquem o Senhor enquanto Ele pode ser encontrado” (Isaías 55:6).
FERNANDO DIAS, pastor e mestrando em Teologia, é editor associado de livros na Casa Publicadora Brasileira
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Última atualização em 27 de março de 2020 por Márcio Tonetti.