A outra face de Deus

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A ênfase no amor divino só faz sentido se entendermos a ira Dele contra o pecado

Foi-se a época em que o grande avivalista norte-americano Jonathan Edwards, no século 18, arrastava multidões ao precipício do desespero por pregar seu emblemático sermão “Pecadores nas Mãos de um Deus Irado”. Testemunhas afirmam que, em suas exposições, Edwards descrevia os horrores do inferno e criava no coração dos ouvintes uma angústia tão intensa que esses se desesperavam pela condição pecadora e perdida de sua natureza humana.

“Como aranhas penduradas a uma frágil teia”, assim descrevia Edwards a fragilidade dos pecadores diante das chamas do inferno. Ele dizia que nada os salvaria dos atrozes sofrimentos infernais, a não ser a mão de Deus. Pregando sobre a ira divina, Jonathan Edwards conseguiu levar milhares à conversão, tornando-se um modelo entre pregadores do primeiro grande avivamento nos Estados Unidos.

Esse tempo, porém, já passou, e hoje pregadores evangélicos evitam tocar no assunto da ira de Deus. Em parte porque as pessoas não se preocupam tanto com sua salvação futura e sim com suas necessidades presentes. Em outra parte porque percebem que, na maioria dos casos, esse tipo de extremismo mais assusta do que atrai.

No entanto, o silêncio dos púlpitos sobre o assunto gerou outro extremo, uma saturação do tema do amor divino. Chegou a tal ponto que está se tornando corrente a ideia de que Deus salvará a todos, a chamada doutrina da “salvação universal”. A partir desse ponto de vista, independentemente do rumo que o pecador escolher seguir, ou do estilo de vida que mantiver, querendo ou não, Deus o salvará inevitavelmente.

Ambos extremos geram confusão e levantam dúvidas sobre a misericórdia, a justiça e a santidade de Deus. Como pode um Deus santo amar o pecador? Como pode um Deus amoroso sentir ira pelo pecado? Como Sua justiça resolverá a questão da destruição do pecado e da salvação do pecador? Como sentimentos tão antagônicos conseguem coexistir no mesmo Ser divino?

O livro A Ira de Deus no Mundo dos Homens, do pastor Emilson dos Reis, professor da Faculdade Adventista de Teologia no Unasp, ­campus Engenheiro Coelho, procura responder a essas perguntas por meio do estudo de relatos bíblicos em que a ira de Deus se manifestou e por meio da análise da linguagem empregada para tratar do assunto.

Em muitos casos, expressões antropomórficas, que descrevem a Deus com características humanas, são empregadas para retratar a reação Dele diante do mal. Por meio dessa análise, é possível perceber, em certo sentido, um paralelo com o sentimento humano da ira. Por outro lado, quando se refere à injustiça, ao mal e ao pecado, os autores bíblicos descrevem a ira divina de forma totalmente distinta daquela manifestada por seres humanos, seja em seus efeitos, tempo e forma escolhida por Deus para manifestá-la. A mesma distinção pode ser percebida quando se compara as manifestações de ira do Deus da Bíblia com os acessos de raiva das divindades cultuadas no antigo Oriente Médio e nos impérios grego e romano.

No entanto, a seção mais interessante do livro discute a maneira como Deus administra sentimentos aparentemente antagônicos, como Seu amor, graça e misericórdia, e Sua ira, justiça e luta contra o mal. Nessa discussão, a participação de Jesus Cristo é fundamental para equilibrar os efeitos da justiça e da graça divina. A doutrina da expiação se torna uma peça central nas discussões, e unicamente a interpretação correta da obra de Cristo na cruz e no santuário celestial permite que tanto a ira de Deus quanto Sua graça participem do processo de resgate do ser humano e da erradicação do pecado. Para que o grande conflito entre o bem e o mal seja resolvido, ambos atributos divinos são necessários; tanto para garantir a salvação do pecador como para manter por toda a eternidade a pureza e a felicidade de todo ser criado.

GLAUBER ARAÚJO é pastor, mestre em Ciências da Religião e editor de livros denominacionais na CPB

(Resenha publicada originalmente na edição de dezembro de 2017 da Revista Adventista)