As implicações de tentar conciliar a teoria da evolução com a Bíblia
Glauber S. Araújo
Muitos já leram ou ouviram falar das aventuras de Charles Darwin no H. M. S. Beagle. Logo que se graduou na Universidade de Cambridge, o jovem de 22 anos viajou por várias partes do globo a serviço da Marinha Real Britânica, chegando a visitar Salvador, na costa brasileira. A etapa de sua viagem que ficou mais conhecida foi nas ilhas Galápagos, território que hoje pertence ao Equador. Ali, Darwin fez várias observações sobre as espécies que habitavam o arquipélago. O livro que foi publicado com essas observações e ideias, intitulado Origem das Espécies, saiu somente 24 anos depois.
Em sua obra, Darwin propôs a hipótese de que a variedade de espécies que hoje presenciamos na natureza se produziu por meio de mutações e seleção natural. Conforme ele acreditava, a vida em nosso planeta começou com um organismo unicelular. Ao longo do tempo, esse organismo se reproduziu, multiplicou-se e transmitiu seu DNA de geração em geração. Ao longo dos séculos, esse DNA sofreu mutações, abrindo a porta para variações nos organismos. Ao se espalharem por diferentes ambientes do planeta, esses organismos enfrentaram frio, calor, falta de alimento e outras adversidades que acabaram forçando-os a lutar pela sobrevivência. Os que conseguiram se adaptar melhor (graças a certas mutações) às dificuldades de cada ambiente, continuaram se reproduzindo e passando suas mutações a seus filhos. Aqueles que perdiam essa batalha morriam pelo caminho. Esse processo cego e cruel de distinção entre organismos foi chamado de seleção natural. Com o passar do tempo e a influência do meio ambiente, os organismos manifestaram tantas diferenças entre um e outro que passaram a ser tratados como espécies distintas. Assim, novas espécies foram “aparecendo”, produzindo toda a diversidade que hoje vemos. Essa forma de ver a natureza e o processo de “produção” de novas espécies foi chamado de evolucionismo.
Embora alguns estudiosos já houvessem proposto ideias evolucionistas semelhantes, Darwin foi um dos primeiros a procurar explicar os mecanismos da evolução e a oferecer exemplos de como isso estaria acontecendo. Suas ideias chocaram muitas pessoas, especialmente pelo fato de contrariar o relato bíblico da criação. Para Darwin, a variedade de espécies não foi criada por Deus, mas teria surgido por meio de processos naturais. Consequentemente, tudo que está relatado nos primeiros capítulos do livro de Gênesis – criação em 7 dias literais, jardim do Éden, Adão e Eva, o fruto proibido e etc. – nunca existiu! Para efeito de conversa, é como se o próprio Deus não existisse nem tivesse criado!
Diante das ideias de Darwin, houve três reações diferentes. De um lado, houve aqueles que rejeitaram completamente as propostas darwinistas. Eles passaram a ser chamados de criacionistas. De outro, houve aqueles que abraçaram o evolucionismo e abandonaram a religião definitivamente, os chamados evolucionistas (ou darwinistas). Mas houve um grupo que ficou no meio, insatisfeito com as duas opções. Eles estavam convictos de que Deus existe e que a Bíblia, se fosse interpretada de maneira diferente, poderia acomodar tanto a revelação divina quanto as ideias evolucionistas. Esse grupo passou a ser chamado de evolucionista teísta.
Evolução e religião
Para esse último grupo, as evidências em favor do evolucionismo são irrefutáveis. Quando olham para o código genético, os fósseis e a morfologia de muitas espécies, agem como se o evolucionismo fosse um fato. Se rejeitarem as evidências, sentem como se estivessem adotando um obscurantismo científico. Para eles, a evolução acontece e ponto final!
No entanto, eles têm dificuldades de conciliar essa posição com o relato bíblico da criação. A Bíblia, por exemplo, fala de um Deus amoroso que preparou tudo para que a vida existisse neste planeta. Ele esteve intimamente envolvido em cada aspecto da criação. A Bíblia fala de uma criação em sete dias literais, realizada pela atuação direta de Deus. Ela relata como Deus criou várias espécies de plantas e animais por meio de Sua palavra. Descreve como o ser humano foi criado em meio a todas as outras espécies de seres viventes, e como a morte só passou a existir depois que todos esses organismos vieram à existência. Inclusive, na Bíblia, a morte só se torna uma realidade em decorrência da queda de Adão e Eva.
Esse quadro é completamente diferente daquele apresentado pelo evolucionismo. De acordo com a teoria de Darwin, foram necessários milhões de anos para que o planeta testemunhasse o surgimento das primeiras espécies. Dessa perspectiva, o ser humano só surgiu no final desse processo evolutivo, depois que quase todas as outras espécies já teriam evoluído. Darwin também acreditava que a morte é um instrumento fundamental para que todo o processo de evolução possa acontecer corretamente. Longe de ser uma consequência de algo que deu errado, a morte é o motor que aciona toda essa estrutura e a faz funcionar. Diferentemente da Bíblia, o evolucionismo depende de milhões de anos de evolução, morte de milhares de seres, chance cega e sofrimento incontável para que uma nova espécie apareça.
Na tentativa de conciliar ambas as formas de ver o mundo, o evolucionismo teísta precisou distorcer muita coisa na Bíblia. A história da criação deixou de ser interpretada como um relato factual e passou a ser vista como uma lenda ou um mito. Assim, os sete dias da criação foram interpretados como sete períodos de milhões de anos. Adão e Eva se tornaram personagens de uma lenda. A história de sua tentação e queda passou a ser lida como um mito, eficiente para descrever os defeitos humanos, mas inútil como fonte de informação histórica. Até a história do dilúvio passou a ser questionada, pois colocaria o ser humano no mesmo período em que os dinossauros viveram.
De acordo com os evolucionistas teístas, Deus cria por meio da evolução das espécies. O evolucionismo é o método escolhido por Deus para produzir nova vida. A morte dos mais fracos, debilitados e doentes é o instrumento principal de Deus para fazer a evolução das espécies avançar. Longe de ser uma intrusa na natureza, a morte passou a ser vista como um elemento criativo de novas espécies. Portanto, a morte, o sofrimento, a doença e a luta de milhões de seres viventes pela sobrevivência foram interpretados como mecanismos empregados por Deus para conduzir a história ao destino que Ele deseja. Conforme eles acreditam, Deus não cria por meio da Palavra (Sl 33:6-9) – Ele cria por meio da evolução.
Como você pode perceber, quem saiu perdendo nessa história foi a Bíblia. A ciência evolucionista se tornou a referência para determinar o que é factual, histórico e científico. O problema com essa distorção toda é que o cristianismo perdeu muita coisa no processo. Além de perder sua legitimidade na tarefa de determinar o que é verdadeiro ou não, o relato bíblico perdeu completamente sua relevância. Pense comigo: Se não houve uma semana literal, onde fica o sábado no meio de tudo isso? Deus disse que deveríamos descansar no sábado “porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou” (Êx 20:11). Se nunca existiu uma semana da criação, Deus nunca descansou no sábado, e, portanto, também não precisamos guardar esse mandamento. Além do mais, a Bíblia afirma que a morte entrou no mundo por causa do pecado de Adão (Rm 5:12). Se a história de Adão é uma lenda, ele nunca pecou. Não existe pecado, certo ou errado. Toda a nossa moralidade pode ser definida conforme nosso gosto e interesse. Se não existe pecado, não estamos perdidos, e consequentemente não haveria necessidade de Jesus ter vindo à Terra, viver uma vida de sofrimento e morrer na cruz para nos salvar. Desse modo, a morte deveria ser tratada como algo natural, e não algo a ser vencido.
Por isso, a esperança da segunda vinda de Jesus, de uma vida eterna e feliz no Céu, da ressurreição – tudo isso seria falsidade. Na melhor das hipóteses, esses elementos da fé cristã devem ser interpretados como experiências de cada indivíduo nas lutas do dia-a-dia. Mas crer que Deus vai ressuscitar os justos da morte não tem sentido. Uma vez que Ele usou a morte para criar nova vida durante bilhões de anos, mudar de estratégia repentinamente seria contrário ao comportamento divino.
Esses são apenas alguns aspectos contraditórios que gostaríamos de mencionar. Existem muitos outros. Mas, de todos estes, a forma com que Deus é retratado por evolucionistas teístas é o que nos preocupa mais. Como acreditar que um Deus que ama, cria, perdoa, cura, restaura e salva seria capaz de inventar um processo tão malévolo para produzir a vida e a variedade de espécies? Com um Deus tão misericordioso e bondoso, como conciliar um processo cego, cruel, doloroso, que exige a morte e o desperdício de milhares de seres vivos, e que não dá indícios de um dia terminar? Essa é uma pergunta para a qual os evolucionistas teístas ainda não ofereceram uma resposta satisfatória.
Tanto criacionistas quanto evolucionistas já perceberam que a tentativa de conciliar essas duas visões de mundo está fadada ao fracasso. A mistura dessas duas propostas acabou denegrindo a Bíblia e as ideias de Darwin, criando um resultado mais problemático do que as hipóteses anteriores. Em outras palavras, criacionismo e evolucionismo são autoexcludentes. Se o evolucionismo for uma realidade, a Bíblia está errada, a criação nunca ocorreu e estamos presos a este processo interminável de mortes sem significado. A vida foi um acontecimento inesperado e nós que viemos à existência não temos propósito nenhum para a vida, a não ser procriar e transmitir nosso código genético. Nossa morte é certa e nosso futuro sem esperança.
O que esse estudo sobre o evolucionismo teísta nos ensina é que não há como conciliar a morte com a vida. Se Deus pretende nos oferecer a vida eterna, a seleção natural e a luta pela sobrevivência nunca poderão proporcionar a maior esperança que o cristianismo anseia. Tentar batizar o evolucionismo nas águas do cristianismo não irá transformá-lo em uma nova espécie de verdade. Longe de ser uma evolução das ideias bíblicas, a tentativa de mesclar essas duas visões de mundo é, na verdade, uma mutação degenerativa de um sistema que funciona perfeitamente bem. Por isso, confie no relato bíblico. Toda a estrutura de pensamento e de crenças que a Bíblia constrói está fundamentada no relato da criação em Gênesis. Alterar esse fundamento poderia pôr tudo a perder.
GLAUBER ARAÚJO é pastor, mestre em Ciências da Religião e editor de livros na Casa Publicadora Brasileira
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Última atualização em 10 de novembro de 2018 por Márcio Tonetti.