Livro reflete sobre o papel dos cristãos na política em meio à era das polarizações
Guilherme Silva
O reino de Deus não é deste mundo, mas até mesmo o Eterno não deixa de interagir com os reinos terrestres. Acima dos governos mundanos, é o Senhor, em última instância, que governa o destino das nações e controla o desfecho da história (Dn 2:21). De idêntica maneira, o cristão nunca estará fora da esfera política, ainda que se diga apolítico. O evangelho transforma o indivíduo e abençoa a sociedade.
Assim, partindo do pressuposto de que a vida tem uma dimensão política inescapável, o pastor e jornalista Marcos De Benedicto, com pós-doutorado em Novo Testamento, apresenta à igreja um importante exercício de reflexão e conscientização em sua obra Política: O que Você Precisa Saber (CPB, 2022, 160 p.). O livro faz parte da Série Essencial, que incluirá vários temas bíblicos e contemporâneos.
Estabelecendo um diálogo entre a teoria política e a teologia, trabalhando com dados atualizados e conceitos importantes, o autor inicia o livro com uma genealogia da democracia e amplia a análise com um panorama da política na Bíblia e na visão adventista. Ele também reflete sobre a teologia do poder, questiona a polarização atual e propõe uma aplicação prática desses princípios para a relação entre política e religião. A obra ainda demonstra como a visão bíblica de um milênio no Céu, após a volta de Cristo (Ap 20), afasta os adventistas da ilusão de uma nova era de paz neste mundo. O último capítulo apresenta a compreensão adventista da filosofia da história, afirmando que a “providência divina está guiando a história ao fim desejado e que Deus fará uma intervenção iminente no mundo” (p. 151).
De Benedicto se alinha à mais fiel tradição adventista ao reconhecer que o povo de Deus tem um papel a desempenhar em favor de uma sociedade mais justa, mas deve se manter fora de toda disputa partidária, em uma clara separação entre Igreja e Estado. Desse modo, a igreja não apoia oficialmente partidos políticos nem candidatos, incluindo membros da própria denominação. Por outro lado, a igreja está aberta a interagir com as autoridades constituídas de todos os partidos e estabelecer pontes de diálogo para a defesa de valores humanos como a liberdade religiosa e a promoção de projetos de saúde, educação e desenvolvimento social.
Essas conclusões se alinham com a clara orientação de Ellen White: “Não podemos, com segurança, tomar parte em nenhum plano político” (Fundamentos da Educação Cristã, p. 475). Isso porque haverá o perigo de assimilar de modo acrítico o projeto de poder de qualquer partido, que sempre terá pontos contraditórios com os valores do reino de Deus. A pioneira adventista, por sua vez, valoriza a vida do candidato tendo em vista seu desdobramento na esfera pública. “Homens intemperantes não devem ser colocados em posições de confiança pelo voto do povo. […] Da decisão de homens nessas posições de confiança dependem vida e liberdade, ou servidão e desespero” (Temperança, p. 47).
O autor demonstra que o respeito às autoridades sem um adesismo bajulatório livra o servo de Deus de idolatrar partidos, ideologias e personalidades políticas, especialmente em ambientes reais ou virtuais de mútuas agressões. Todos os projetos políticos precisam ser vistos da perspectiva da eternidade. Em breve essas disputas darão lugar a uma nova realidade, assegura De Benedicto: “A boa notícia é que o reino de Cristo logo substituirá todos os domínios terrenos. Nesse reino, terá lugar apenas a boa ‘política’, que promove a vida, amplia a liberdade e beneficia todos” (p. 159, 160).
TRECHO
“Expectativa pelo novo mundo e cuidado da velha Terra sempre fizeram parte do imaginário adventista e da prática da igreja. Graça e glória são pilares da nossa política. Graça no presente e glória no futuro. Só pensar no futuro seria escapismo, pensar só no presente seria estreiteza” (p. 94).
GUILHERME SILVA, pastor e jornalista, é editor de livros na CPB
(Resenha publicada na seção Estante da Revista Adventista de julho de 2022)
OUÇA TAMBÉM:
Última atualização em 17 de agosto de 2022 por Márcio Tonetti.