Desde criança, ele também demostrava vocação para a ciência. Mas suas pesquisas o levaram a outra conclusão: Deus é o criador. A história de Ruy Vieira, o fundador da Sociedade Criacionista Brasileira
Charles queria pesquisar. Na sua casa em Shrewsbury, na Inglaterra, mantinha uma coleção de besouros, e minerais, e ovos de pássaros, e morcegos, e cães, e insetos e ratos que fugiam do controle do pai – já temeroso pelo hábito do filho que caçava para colecionar. Como se fosse um personagem peculiar, típico dos filmes de Tim Burton, Charlinho perdia as horas lúdicas com amigos para passar longo tempo ao lado de seus escrupulosos animais, em análises que só ele compreendia. Mas desse hábito caçador cansou. Entendeu que mais proveitoso era observar. Movimentos, metamorfoses, cores, pernas e antenas. Rabos e cabeças também.
Ao crescer, foi analisar animais maiores e transformou o que era hábito em teoria e objetivo de estudo. Falo de Charles Robert Darwin, criador da teoria da seleção natural das espécies, disseminada após o quinquênio de suas viagens a bordo do navio Beagle a ilhas e demais lugares remotos. “Os cinco anos de pesquisa mais produtivos da minha vida”, contou em seu livro A Origem das Espécies, publicado em 1859. Para pôr o ponto final na obra, Charles concluiu que “tudo na natureza é resultado de leis fixas”. Tornou-se agnóstico.
Vocação para a ciência
Um século depois, outro garoto, o Ruy, também queria pesquisar. Na garagem da sua casa em Marília, São Paulo, mantinha um laboratório de química que já era maior que o da própria escola. Como se tivesse saído de um filme do Tim Burton, Ruyzinho perdia as horas lúdicas com amigos para misturar elementos e ver o “sangue do diabo”, um pó vermelho, não ser capaz de tingir nem a roupa dos outros. Mas desse hábito não cansou. Entendeu que dele poderia fazer sua futura profissão. Biologia, química e tudo o que tinha a ver com ciência. Falo agora de Ruy Carlos de Camargo Vieira, presidente da Sociedade Criacionista Brasileira (SCB). Antes, evolucionista por formação.
Hoje, com 84 anos e cabelos grisalhos, ajeita os óculos de grau sobre o nariz e mostra convicção na decisão que tomou em 1952, quando se tornou adventista e aposentou as teorias evolucionistas. “Cristo representa tudo para mim. Não há ninguém como ele. Ele é criador, mantenedor e sustentador de todas as coisas”, reconhece com um sorriso no rosto.
O currículo acumulado é de dar inveja. Engenheiro mecânico e eletricista, foi professor de Mecânica dos Fluidos no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), lecionou Física Técnica na Universidade de São Paulo (USP), chefiou o departamento de Hidráulica e Saneamento na USP – fundando a pós-graduação que é considerada a melhor na área no Brasil –, representou o MEC no Conselho da Agência Espacial Brasileira, foi membro-fundador da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em duas gestões e membro do Conselho Federal de Educação. Alguém com bagagem científica suficiente para colocar em xeque as teorias da origem do Universo.
Sua aproximação com o criacionismo se deu de forma contrária à do evolucionismo. A começar pela alfabetização. Enquanto em casa não se dialogava a respeito do assunto, na escola Vieira era bombardeado pelas teorias de Darwin. O que fazia sentido para ele, já que era a única coisa que até então haviam lhe ensinado sobre o surgimento de todas as coisas. “Mas na época era mais passivo”, recorda.
As profecias e Newton
A reviravolta só aconteceu quando foi morar na capital paulista, em 1946. “Quando fui para São Paulo estudar, morei com minha avó, que era metodista. Ali tive os primeiros contatos com a Bíblia. Inclusive ganhei uma bem grande do meu avô e fui com ela para algumas reuniões da escola dominical. Mesmo assim, eu me questionava muito a respeito da criação em seis dias e sobre o dilúvio.” No entanto, a vida seguia e a prioridade do momento não era alterar o curso de uma ideia tão bem fixada. À época, Vieira ingressava no colegial, correspondente ao ensino médio de hoje.
“E quando me aproximei de verdade mesmo? Foi quando estudei sobre as profecias.” No penúltimo ano da faculdade de Engenharia Mecânica e Elétrica da Escola Politécnica da USP, em 1952, Vieira participou de uma série evangelística, na capital paulista, sobre as profecias dos livros de Daniel e Apocalipse. Três anos antes, sua avó havia morrido e ele já havia se aproximado da Bíblia, livro no qual encontrava conforto e as memórias da senhora metodista.
Vieira então iniciou os estudos bíblicos naquele ano, e logo em agosto foi batizado. “Mas ainda pensava muito sobre a criação em seis dias e o dilúvio.” Com esse assunto na cabeça, Vieira ia para a faculdade quando se deparou com um livro exposto no sebo à rua: Observações Sobre as Profecias de Daniel e Apocalipse de São João, escrito por Isaac Newton em 1733.
“Eu conhecia o Newton autor do cálculo, não o Newton das profecias!” Como fora este o assunto que o aproximou do evangelho, ler as palavras do pai do cálculo sobre as profecias criou em Vieira a convicção cristã mor para não voltar ao evolucionismo.
Uma causa para viver
Uma escolha que deixou rastros. Devido a seu conhecimento, não demorou para que Ruy recebesse cargos em sua igreja local e contribuísse para a conversão de outras pessoas. Mas a maior contribuição ocorreu em 1972, ano em que fundou a SCB nos moldes da Creation Research Society.
“Eu estava acompanhando uma palestra sobre datação com carbono 14 e perguntei ao palestrante, Orlando Rubem Ritter, o que é que ele tinha de fonte sobre o assunto. Então ele me indicou a Sociedade Criacionista Americana, que tinha uma revista com quatro publicações anuais”, lembra. A partir do exemplo americano, Vieira conseguiu fundar no país a primeira sociedade criacionista, com apoio, inclusive, da Sociedade Bíblica Brasileira.
A aventura deu certo. A SCB já traduziu 30 livros, 3.600 artigos, 20 vídeos, adaptou revistas e dublou um filme. Além de produzir a revista Folha Criacionista, hoje Revista Criacionista, disponível desde 2005 apenas na versão online – principal impresso da SCB. Outras iniciativas incluem palestras, folhetins a vestibulandos, o seminário “Filosofia das Origens” e um gama de materiais disponíveis no próprio site da entidade (scb.org.br).
O resultado desse avanço são as conversões de pessoas, como a de um dos associados da SCB e também palestrante dos encontros. Ex-agnóstico, Tarcísio da Silva Vieira se converteu após participar de um dos eventos realizados em Brasília, em 2002. Consequência indireta dos esforços de Vieira. “E para mim é isso o que mais importa”, enfatiza o senhor de cabelos grisalhos.
É por isso que se vê a história de Ruy ao pé da trajetória de Darwin. Mas às avessas. Porque o ponto final dado por Vieira foi que Deus existe. Pela história, e pela arqueologia, e pela palentologia, e pela astronomia e pela biologia e por todas as “ias” científicas. Assim, Vieira entendeu que, se há uma origem, ela se deu com Deus, aquele que fez “o céu, a terra, o mar e as fontes das águas” (Apocalipse 14:7). Algo de que nunca mais duvidou. Ponto final. [Arte: Eduardo Olszewski]
Isadora Stentzler é jornalista
Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.