Mesmo diante da agonia pessoal que estava prestes a sofrer, Jesus não exprimiu angústia nem lamento, mas alegria e confiança
Depois de celebrar a ceia durante a Páscoa, Jesus e os discípulos entoaram um hino e, em seguida, saíram para o Monte das Oliveiras (Mateus 26:30; Marcos 14:26). Aquela foi a última Páscoa de Jesus em companhia de Seus amigos e aquele foi o último hino pascal que cantaram juntos. Dali em diante os dramáticos eventos que culminariam na morte de Cristo se sucederiam sem festa e sem música.
No entanto, apesar da atmosfera de gravidade que antecedeu os momentos do Calvário, a música que Jesus cantou não exprimia angústia nem lamento, mas sim alegria e confiança. Como sabemos disso?
O Comentário Bíblico Adventista (v. 3, p. 991) informa que, segundo a tradição judaica, os salmos 113 a 118 constituem os “Salmos do Hallel”, isto é, os salmos de louvor recitados durante as grandes celebrações religiosas dos judeus. Na época da Páscoa, os judeus costumavam cantar os salmos 113 e 114 antes da refeição, e os salmos 115 a 118 eram cantados após a ceia. Portanto, Jesus e os discípulos podem ter entoado o salmo 117, por exemplo:
“Louvai ao Senhor, todas as nações,
Louvai-O todos os povos.
Porque a Sua benignidade é grande para conosco,
E a verdade do Senhor é para sempre.
Louvai ao Senhor.”
Este é um salmo curto e simples que convida todos a exaltar o amor de Deus. Um salmo de celebração cantado por Jesus antes de Ele ter sido traído, condenado e crucificado. A escritora Ellen G. White percebe o contraste da natureza exultante do salmo 117 em relação ao que estava por ocorrer: “Antes de deixar o cenáculo, o Salvador dirigiu os discípulos num hino de louvor. Sua voz se fez ouvir, não nos acentos de uma dolorosa lamentação, mas nas jubilosas notas da aleluia pascoal” (O Desejado de Todas as Nações, p. 672).
Na última ceia de Páscoa, Jesus não enfatizou a agonia pessoal que estava prestes a sofrer. Ele preferiu partir o pão e dar graças, tornando aquela ceia numa promessa (“… não beberei deste fruto da vide, até aquele dia em que o beba de novo convosco no reino de Meu Pai” – Mateus 26:29) e numa esperança (“Não se turbe vosso coração…Virei outra vez” – João 14:1-3).
Portanto, a Páscoa é a rememoração da cruz e da ressurreição, do Cordeiro e do Leão, da dor de Cristo e da esperança humana. Por essa razão, que se cantem hinos da cruz e canções da vida em memória do sacrifício que foi e em celebração da ceia que virá, quando então se poderá ouvir a primeira canção que Cristo cantará com os salvos.
JOÊZER MENDONÇA, doutor em Musicologia (Unesp) com ênfase na relação entre teologia e música na história do adventismo. É professor na PUC-PR e autor dos livros Música e Religião na Era do Pop e O Som da Reforma: A Música no Tempo dos Primeiros Protestantes
Última atualização em 17 de abril de 2018 por Márcio Tonetti.