Por que devemos valorizar músicas que falem do sacrifício de Cristo
Um dos temas mais importantes do cristianismo, a cruz, tem perdido a preferência na música e na pregação do evangelho. Os tradicionais hinos sobre o Calvário são considerados excessivamente sentimentais por alguns autores. Outros alegam que eles se apegam demais às descrições sensacionalistas da dor e da morte de Jesus.
De fato, os compositores unem os versos doloridos a uma melodia que vai da melancolia ao triunfo para falar da cruz. Mas ao lembrar do Calvário e de tudo o que ele representa para a humanidade caída, ao rememorar a angústia, os cravos, os espinhos e o “Está Consumado”, como não ser comovido e convencido do valor do sacrifício de Cristo?
Infelizmente, boa parte da música gospel nacional tem encurtado tanto as letras que também acabou encurtando a diversidade de temas. E entre os temas desaparecidos está o da cruz. No entanto, o cristão não pode deixar de pregar sobre esse fato, pois sua salvação vem da cruz. Como diz uma canção, na cruz se revelou “o pior do homem e o melhor de Deus”. Esquecer-se das dores de Cristo é omitir que o assassino dele mora dentro de nós. Isso deveria remover o triunfalismo e a soberba. Recordar a morte de Jesus é assegurar-se de que o Cordeiro estava na cruz reconciliando o mundo com Deus. Isso nos deveria levar a cantar imediatamente.
Por isso, entre tantas músicas, relembro aqui quatro que, além de ressaltarem o momento de maior dor e coragem do Deus feito Homem de dores, nos mostram o valor da compreensão da cruz para a aceitação da fé cristã.
Via Dolorosa (Billy Sprague / Niles Borop)
Sandy Patty celebrizou esta canção que rememora a via crucis de Jesus, em que a caminhada pelas ruas da cidade até o Gólgota é motivo de humilhação pública. As cordas da orquestração intensificam a lembrança da tragédia que se converteria em redenção.
Ao ser convidado para tocar em cerimônias de Santa Ceia, muitas vezes escolhi essa música como uma espécie de trilha sonora durante a distribuição do pão. Mas, para os momentos finais, costumava interpretar “Não Tardará” ou “Eu não Me esqueci de Ti”. Além de lembrar a cruz, a Ceia do Senhor traz à memória a promessa da ressurreição e da segunda vinda de Cristo.
Monte do Calvário (On a rugged hill, de Keith Whitford)
A versão em português traduz a aflição e a esperança que são o paradoxo da cruz. Retrata a solidão do Cristo agonizante (“Só, em agonia pereceu”), e mostra o choque dos contrastes que sintetiza o Calvário:
“Puro, carregou meu fardo para libertar-me do pecar
Esse foi o dia mais feliz, pois morreu pra me salvar.”
Esses são também os últimos versos desse hino. Diferente de Via Dolorosa, ele não exige explosões vocais, sendo apropriado para momentos em que o canto congregacional precisa ser meditativo.
Cenas (Daniel Salles)
A Paixão de Cristo como um espetáculo de horrores assistido pelo Universo inteiro (“Cada anjo vê Jesus levando a cruz / Assumindo os pecados que não eram Seus”). A música parte do capítulo 53 do livro de Isaías para descrever que as cenas de horror representaram o mais puro amor. Essa canção também explora o peso de solo, coro e orquestra, todos juntos, para reforçar tanto a amplitude da dor de Cristo quanto a magnitude simbólica do ato de Jesus.
Pensando na Cruz (Jader Santos)
Enquanto algumas músicas externalizam o drama do Calvário de forma grandiloquente, esta tem uma retórica mais intimista. Há uma gravação que soa como uma meditação em piano, violoncelo e voz. É uma canção que pergunta pelo sentido da morte e ressurreição de Cristo em nossa vida.
Estilos diferentes, diferentes interpretações, arranjos variados. Em comum, a tradução emocional e inspiradora do centro da mensagem do evangelho: a cruz. Como o compositor cristão poderia abdicar de um evento histórico e espiritual que dá sentido à sua própria fé? O sacrifício de Cristo pelos pecados do homem ainda faz pensar, ainda é escândalo, ainda é loucura, mas ainda é salvação. [Ilustração: Eduardo Olszewski e Fotolia]
Joêzer Mendonça, doutor em Música (UNESP), é professor da PUC-PR e autor do livro Música e Religião na Era do Pop
Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.