Espelho do púlpito

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Qual é o sermão que estamos pregando através das letras de nossas músicas?
JOÊZER MENDONÇA
A música não é um acessório nem um complemento do sermão. Ela também é um tipo de sermão, pois também proclama o evangelho e os atos de Deus na vida das pessoas. Foto: Adobe Stock

É correto dizer que a música contemporânea de louvor enfatiza temas como vitória pessoal e paixão por Jesus. Mas não é correto afirmar que a predominância dessa temática triunfalista, individualista e sentimental seja culpa exclusiva dos músicos. Falando francamente, esses temas ressaltados em tantas músicas correspondem aos temas predominantemente abordados no púlpito das igrejas.

Proliferam vídeos e sermões que apresentam Deus como o sócio para os negócios e Jesus como o ser meigo e bondoso que dá um abraço quando você chora. Não estou dizendo que o Pai e o Filho não Se importam com os problemas da vida humana, mas Cristo não morreu na cruz para levantar minha autoestima.

Há quase uma relação direta entre uma sociedade que supervaloriza o sucesso pessoal e igrejas que trocaram o sermão bíblico pela palestra motivacional. Queremos tanto resolver nossos problemas profissionais e familiares que, ao chegarmos na igreja, esperamos uma mensagem terapêutica que nos faça rir, chorar e tomar boas decisões que duram até alcançarmos a porta de saída do templo.

De modo idêntico, a música acaba sendo utilizada para levantar o espírito dormente das pessoas antes do sermão. Ou seja, a música deixa de ser usada como mensagem de adoração e edificação congregacional e passa a servir a um exercício terapêutico de subir e descer as emoções nas asas do louvor. No entanto, o teólogo Gerald A. Klingbeil escreve que “a música não é o complemento emocional para a pregação intelectual da Palavra de Deus. A música deve também ter um aspecto racional/intelectual” (Música na Igreja: Veículo de Adoração e Louvor, p. 24).

A música não é um acessório nem um complemento do sermão. Ela também é um tipo de sermão, pois também proclama o evangelho e os atos de Deus na vida das pessoas. Nesse sentido, qual é o sermão que estamos pregando através das letras de nossas músicas? Se considerarmos a música um espelho do púlpito, um reflexo da proclamação do evangelho, então veremos canções de teologia sólida e poesia criativa refletindo positivamente sermões consistentes e nutritivos, mas, infelizmente, veremos também músicas espelhando sermões superficiais.

Em suma, biblicamente mal alimentados, desprovidos de proteína teológica e sem buscar por si mesmos a nutrição intelectual/espiritual, há músicos que simplesmente reproduzem em suas letras a falta de consistência e a aridez bíblica que ouvem dos púlpitos. Gerald Klingbeil acrescenta: “O que precisamos é de filhos de Deus criativos que podem vencer o desafio e colocar em prática o […] essencial: integridade de adoração (que fala tanto ao intelecto como às emoções) e uma clara proclamação da mensagem”.

Dizemos que a canção cristã precisa ser reformada. Mas a reforma da música e da adoração está relacionada à reforma do púlpito. Assim não haverá tantos cânticos teologicamente rasos espelhando sermões biblicamente superficiais.

JOÊZER MENDONÇA, doutor em Musicologia (Unesp) com ênfase na relação entre teologia e música na história do adventismo, é professor na PUC-PR e autor dos livros Música e Religião na Era do Pop e O Som da Reforma: A Música no Tempo dos Primeiros Protestantes

Última atualização em 5 de abril de 2019 por Márcio Tonetti.