Convicção, voz e altruísmo

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Pioneiro da comunicação adventista que fez história como radialista, jornalista, relações públicas e publicitário silencia aos 81 anos  
Créditos da imagem: arquivo pessoal
Créditos da imagem: arquivo da família

Quando José Wanderley Dias, chefe de Redação da Rádio Guairacá, selecionou os quinze finalistas para o cargo de radialista e repórter, já sabia quem conquistaria a vaga: Elon Garcia. Porém, ao saber do dia do teste decisivo, o jovem Elon, de 17 anos, chamou Dias à parte e revelou que sábado não iria participar, pois era adventista do sétimo dia. No mesmo instante, o jornalista voltou à sala e avisou aos demais o novo dia do exame seletivo: terça-feira.

Era 1952 e as carreiras de radialista e jornalista não recebiam a aprovação de parte da sociedade, principalmente dos membros da Igreja. Considerados boêmios, associados ao álcool e à vida noturna, até mesmo promíscua, radialistas e jornalistas fatalmente não seriam admitidos no círculo adventista enquanto profissionais. Todavia, um jovem desafiou o status quo e ousou iniciar e seguir carreira na área da comunicação.

Ao recorrer à liderança pastoral da Igreja Central de Curitiba, recebeu toda atenção e carinho necessários. O pastor Enoch de Oliveira o apoiou e convenceu o pai de Elon a assinar um documento, permitindo-o atuar na emissora antes de completar a maioridade. A surpresa se encontrava no contrato trabalhista, cuja redação confirmava a ausência de Elon na Rádio Guairacá, “do pôr do sol de sexta-feira ao pôr do sol de sábado”.

A vida de Elon se notabilizou pela seriedade e profissionalismo. Jamais se aventurava por mero passatempo ou diversão. Ao assumir compromissos, o comunicador de voz grave conduzia as tarefas com precisão. Tudo se demonstrava desafiante e motivador para superar ações anteriores. Não adotava o perfeccionismo, mas nada lhe escapava à percepção. Certa vez sugeriu ao pastor Assad Bechara abrir as portas da Central durante toda a semana: “Se a Igreja Católica mantém as portas escancaradas para qualquer fiel, por que a Igreja Adventista não abre também?”.

Não há como negar a própria história da Igreja Central de Curitiba se mesclando aos projetos pelos quais Elon se tornou cada vez mais influente na vida de pastores, irmãos de fé e na estruturação da atual rede comunicacional da Igreja Adventista brasileira. O pastor João Wolff, ex-presidente da sede sul-americana, conhecia Elon desde o tempo em que atuou no Paraná. A partir desse relacionamento, não teve dúvidas ao convidá-lo como representante dos membros da Igreja junto à Mesa Administrativa da Divisão na primeira metade dos anos 1980. Não foi difícil convencer os demais componentes a votarem favoravelmente. Ali se encontrava também o doutor Bechara, que havia atuado como pastor na Central da capital paranaense e recebera incentivo do próprio Elon para cursar Comunicação Social na então Universidade Católica do Paraná. Essa sinergia entre Elon e os pastores em Brasília fazia com que Wolff não se intimidasse a contatar o respeitado comunicador mesmo durante qualquer hora da madrugada para discutir uma ideia ou pedir conselhos. Educadamente, Elon não lhe negava orientação, sugestões, ou tão somente se limitava a escutar o presidente.

Parcerias e projetos

Da rede de relacionamentos de Elon emergiram diversos contatos, cujas amizades resultaram em parcerias de memoráveis projetos. Sem dúvida alguma, o mais importante companheiro foi o pastor Bechara, do qual recebeu apoio para continuar aprimorando A Voz da Mocidade, auxiliar no Telefone da Paz – Telepaz – e coordenar o cerimonial dos Congressos dos Missionários Voluntários (MV), hoje Jovens Adventistas (JÁ). Com isso, fica difícil responder se Elon se revelou um excelente profissional da comunicação ou mais ainda um ótimo membro de igreja. O sucesso na carreira se estendia para o universo eclesiástico. As experiências bem-sucedidas na Central aperfeiçoaram as tarefas e desafios no mercado, fosse nas emissoras de rádio e televisão, jornais, agência de publicidade ou em cerimoniais públicos ou privados para os quais o convidavam.

Muitas das ideias de Elon eram consideradas atemporais, mas plenas de significado. Ao receber críticas, revia conceitos e, humilde, elaborava outra sentença. Para ele, em um primeiro momento, mais importante que construir um templo era estabelecer uma creche ou um posto de saúde. Mais adiante, afirmou que, de uma creche não surgiu nada, mas de igrejas nasceram universidades e hospitais. Assim, o foco se posicionava sobre a igreja, ambiente apropriado para convidar as pessoas da sociedade a comparecerem. Não era à toa que a imprensa curitibana comumente chamava a Igreja Central de Curitiba de “O Templo de Elon Garcia”. Dois jornalistas residiam em uma casa ao lado esquerdo da Central: Francisco e Lúcia Camargo, chefe de Redação da Gazeta do Povo e professora de Telejornalismo na UFPR, respectivamente. Eles sabiam que Elon frequentava a congregação vizinha.

Ao se informar das intenções de Bechara em relação aos estudos em Comunicação, bem como às dificuldades encontradas junto à Associação, Elon aconselhou-o a ir assistir às aulas mesmo assim, e que ele e os demais anciões se responsabilizariam pelos cultos das quartas-feiras. Bechara ganhava um amigo, apoiador e mentor para a vida.

No início dos anos 1960, Wolff liderava os jovens na Associação e enviou um material para Elon trabalhar com a juventude da Central. Ele aperfeiçoou o conteúdo, criou um logo e deu nova aparência ao projeto. Assim nasceu A Voz da Mocidade, em seguida adaptada para o rádio, cuja emissora, a Rádio Colombo, tornou-se o palco missionário midiático dos jovens curitibanos. No início, 25 jovens atuaram junto à equipe selecionada a dedo por Elon. Dentre esses, destacou-se Dulce Maria Cecconi, hoje desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná. No auge do projeto, sob a liderança do pastor Cláudio Belz, 294 jovens receberam treinamento de Elon, direta ou indiretamente.

Depois de uma viagem aos Estados Unidos, o engenheiro Paulo Passos e a esposa Doracy com o irmão Darcy Menegusso, apresentaram a Bechara o projeto de aconselhamento por meio do telefone. Nascia em 26 de março de 1971 o serviço de atendimento Telepaz, cujo equipamento foi construído pelo administrador do edifício da Igreja Central, “seu” Frederico, pai de Dulce. Convidado para compor a equipe, Elon narrou a primeira mensagem para ser escutada depois de o solicitante ligar para 23-2193: “Você ouve Telepaz. Sê forte e corajoso, não tema. O Senhor Teu Deus é contigo. Disse Jesus: ‘Vinde a Mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei’.” A partir de então, a Central ficou aberta durante as almejadas 24 horas para qualquer pessoa que precisasse aconselhamento do pastor Wady Bechara, tio de Assad.

TV Adventista

Primeiro apresentador e imagem da TV no Paraná, Elon tinha experiência não apenas à frente dos microfones radiofônicos, mas também junto às câmeras. Garoto-propaganda e, em outros momentos, locutor nos horários das campanhas políticas e até nas apresentações cinematográficas da época, Elon amadurecia a ideia de um programa da Igreja, quando Wolff incentivou-o a trabalhar com o pastor José Irajá da Costa e Silva. Novo projeto. Surge o Encontro com a Vida, a princípio um programete de três minutos, transmitido na abertura da Globo no Sul do Brasil e por outras emissoras interessadas, em meados de 1980. Nesse aparente pouco tempo havia mensagem, música, promoção de estudos e convites para programações especiais da Igreja.

Desse modo se forjou o núcleo primário do que se conhece hoje como Rede Novo Tempo de Comunicação. E Elon nunca recebeu um tostão da Igreja. Jamais pediu, nem lhe ofereceram. Tudo ocorreu sem custo algum para a Igreja, a não ser o tempo dividido entre as atividades profissionais, as necessidades da Igreja e a família.

Casado com a professora Marly Isfer, pai dos publicitários Cristina e Elon César, avô de quatro netos, a Voz de Ouro do Paraná silenciou no último 11 de outubro, aos 81 anos. Findou a carreira do remanescente de uma geração preparada, emoldurada e lapidada para tornar esse mundo melhor. As raízes deixadas pelo radialista, jornalista, relações públicas e publicitário Elon Garcia alcançaram as profundezas da sabedoria e tocaram os lençóis de águas mais puras e cristalinas.

RUBEN DARGÃ HOLDORF, doutor em Comunicação e Semiótica, coordena o Bacharelado em Jornalismo do Unasp

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.