Engenheiro ambiental que participa da COP 21 fala sobre as contribuições que as comunidades religiosas também podem dar na redução dos impactos ao meio ambiente
Márcio Tonetti
Representantes de 195 países participam da Conferência Planetária do Clima, a COP 21, que teve início nesta segunda-feira, 30 de novembro, em Paris, na França. O objetivo do evento promovido pelas Nações Unidas é chegar a um acordo global para lutar contra as mudanças climáticas.
Não resta dúvida de que o compromisso dos líderes mundiais, principalmente dos países mais industrializados, é imprescindível para reverter o quadro caótico em que se encontra o planeta. Nesta semana, a China, por exemplo, vem sofrendo com efeitos de um fenômeno prejudicial à saúde. Como consequência da poluição lançada na atmosfera, uma névoa densa cobriu algumas cidades do país, especialmente a capital, Pequim. No início da manhã desta segunda, o nível de partículas nocivas no ar chegou a ser quase sete vezes maior do que o considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Diante da necessidade de mudanças urgentes, a maior conferência do clima da história pode levar a atitudes mais concretas por parte das lideranças mundiais. Mas para o engenheiro ambiental Sílvio Barros, que participa do evento na capital francesa, o problema requer a participação de toda a sociedade. “Cada um tem seu papel e ninguém pode se omitir”, reforça.
Há vários anos prestando consultoria na área de desenvolvimento sustentável, Barros acredita que, além do que está ao alcance do poder público fazer pelo planeta, as igrejas também têm uma grande contribuição a dar nesse quesito.
Na entrevista, o atual secretário de Planejamento do Estado do Paraná, que é membro da Igreja Adventista, fala sobre as maneiras pelas quais as comunidades religiosas podem levar seus fiéis a ser ecologicamente mais responsáveis. O grande desafio, ele acredita, é transformar o discurso em práticas que envolvam os membros na implementação de mudanças.
As igrejas e os governos podem ter uma agenda em comum no que diz respeito às questões ambientais? Poderia citar exemplos de como isso pode acontecer?
Antes de tudo, quero esclarecer que nosso foco deveria estar mais na sustentabilidade do que nas questões ambientais especificamente. A sustentabilidade diz respeito a estabelecer condições dignas de vida para a nossa geração, sem privar do mesmo direito as gerações futuras. Temos que entender isso de forma ampla. A miséria e a pobreza são grandes ameaças ao meio ambiente. Portanto, sustentabilidade tem muito que ver com economia e com questões sociais. Essa interligação coloca o governo numa posição estratégica. Porém, sem o envolvimento da sociedade, de cada cidadão e, consequentemente, das igrejas, o equilíbrio não será alcançado. Cada um tem seu papel e ninguém pode se omitir.
Como despertar na igreja local maior engajamento com as questões ecológicas?
O tema da sustentabilidade tem um alto componente espiritual derivado de inúmeras passagens bíblicas. Portanto, o despertar da igreja seria no sentido de orientar os irmãos para atitudes coerentes com o que Deus planejou para nosso planeta. No primeiro capítulo de Gênesis (v. 27 e 28), por exemplo, vemos no plano original que o homem deveria crescer e se multiplicar, mas acho que exageramos um pouco. O ser humano também foi orientado a dominar e governar sobre as demais criaturas e não a destruí-las. Além disso, com base no verso 29, a proposta era de sermos vegetarianos, pois isso é muito mais razoável do ponto de vista ambiental. Hoje, ecossistemas estão ameaçados por pastagens que cobrem áreas enormes. Vale lembrar também que a maior parte da água doce é usada para produção de grãos que serão depois transformados em ração animal, visando à produção de carne. Além disso, a cadeia da produção de carne interfere de maneira significativa no clima, pois há pesquisas mostrando que os gases bovinos causam mais efeito estufa que os automóveis! Se a maioria das pessoas fosse vegetariana, os impactos seriam bem menores. Em Deuteronômio 23:13 Deus já deu orientações sobre saneamento básico, prevenção de doenças e redução de impactos ao meio ambiente. São muitas as passagens que tratam dos cuidados que devemos ter com nosso planeta e isso não é apenas no cristianismo. Orientações semelhantes existem em todas as religiões. O desafio é trazer isso para coisas práticas que envolvam os membros na implementação de mudanças.
Você poderia citar exemplos de possíveis projetos relevantes que essas comunidades podem realizar no campo ambiental (ou socioambiental)?
Existem muitas boas ideias sendo disseminadas. Algumas igrejas estão implementando projetos de coleta seletiva de lixo, incentivando os irmãos a separar os resíduos, a fim de facilitar a reciclagem e reutilização. Isso tem vantagens concretas, pois alguns recicláveis recolhidos pelos membros da igreja podem ser trocados por equipamentos para a igreja ou materiais a ser doados aos carentes. Outras estão produzindo cartilhas com orientações sobre consumo responsável, economia de energia e água. Existem também projetos mais abrangentes envolvendo a comunidade como um todo por meio de campanhas, manifestações ou mesmo das redes sociais. Enfim, são iniciativas que incentivam as igrejas a alcançar metas na área da proteção ambiental, como o plantio de árvores e programas de incentivo ao uso da bicicleta para ir aos cultos. São boas práticas que podem ser multiplicadas e ajudar na responsabilidade socioambiental.
É possível unir desenvolvimento econômico e responsabilidade ambiental? Que iniciativas bem-sucedidas nessa área você citaria?
Claro que é possível! Aliás, cada vez mais vai ser obrigatória essa conciliação. Dentro de algum tempo, empresas que não tiverem comportamento responsável e sustentável no processo de produção e na comercialização de seus produtos e serviços estarão fora do mercado, seja pelo boicote dos consumidores ou pela regulamentação legal. A Economia Verde, a Economia Circular e a Terceira Revolução Industrial são conceitos que já estão sendo transformados em políticas públicas em vários países e todos eles têm sua fundamentação na sustentabilidade. Outro enfoque nesse contexto são as empresas que estão nascendo e ganhando muito dinheiro exatamente porque conciliam a produção com a proteção ambiental. Existem empresas que usam o carbono do CO² que sai das chaminés (poluição) para fabricar polímeros biodegradáveis que substituem plásticos derivados de petróleo. Outros transformam resíduos de algumas indústrias em matéria-prima. Porém, não estamos falando apenas de grandes empresas, uma vez que pequenos negócios estão proliferando por todo lado, partindo do conceito da harmonia entre desenvolvimento econômico e responsabilidade ambiental.
Se, hipoteticamente, todo o lixo fosse reciclado, como seria o meio ambiente e quais seriam alguns dos benefícios para a população?
Com certeza, o mundo seria muito diferente. Em média, cada habitante do planeta produz um quilo de lixo por dia. Infelizmente, a maior parte não é recolhida e nem destinada de forma apropriada, deixando as pessoas expostas aos riscos de contaminação, já que no meio disso há perigosos resíduos hospitalares e industriais. A questão dos resíduos está intimamente ligada ao conceito da reciclagem, do consumo consciente e da energia que hoje é essencial para humanidade. Você já imaginou como seria sua vida se não tivesse acesso à eletricidade 24 horas por dia? No mundo, quase 2 bilhões de pessoas vivem assim, sem acesso à energia para estudar, usar o computador, cozinhar ou mesmo ter uma única lâmpada acesa à noite. O lixo que produzimos é uma das mais ricas fontes de geração de eletricidade no planeta. Mas, na maioria dos casos, ele está sendo enterrado de forma inadequada, provocando, inclusive, a contaminação do ar, do solo e dos lençóis freáticos. Na sustentabilidade, gerenciamento de lixo é um dos componentes mais transformadores do negativo para o positivo.
Como criar um sentimento de responsabilidade e conscientização na sociedade e, principalmente, nas indústrias?
Tudo é uma cadeia. Se o consumidor for mais consciente e exigir produtos mais responsáveis, dando preferência às indústrias que fazem o que é correto, ainda que isso custe um pouco mais caro, as outras terão que seguir o mesmo caminho. O comércio também deveria fazer sua parte na hora de escolher os fornecedores. Penso que o argumento mais forte para essa mobilização social é visível a todos nós: o clima está mudando, estamos vendo mais catástrofes naturais, e a alteração no regime de chuvas está provocando falta ou excesso de água, o que vai atingir a produção de alimentos. Se não começarmos a agir, rapidamente estaremos ameaçados de extinção. Os cristãos às vezes confundem as coisas dizendo que Jesus vai voltar e tudo isso estará resolvido. Eu também espero a breve volta de Cristo, mas Apocalipse 11 (v. 18), que fala desse assunto, nos traz um alerta: “[…] é chegada a hora de destruir os que destroem a Terra”. Eu não quero estar nesse grupo!
Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.