Saiba como o consumismo afeta a identidade e como vencer o hábito de comprar compulsivamente
No calendário brasileiro, 15 de outubro é o Dia do Consumo Consciente. A data foi instituída em 2009 pelo Ministério do Meio Ambiente com o objetivo de conscientizar a população sobre os problemas socioeconômicos, ambientais e políticos que têm sido causados por conta dos padrões de produção e consumo insustentáveis.
Sociedade do consumo é a expressão que caracteriza grande parte do mundo desenvolvido, no qual geralmente a oferta excede a procura. Busca-se oferecer produtos que promovam a satisfação e agradem aos indivíduos. Sua maior preocupação é satisfazer as necessidades dos consumidores, criadas muitas vezes pela própria indústria. É marcada também pelo desejo da aquisição do supérfluo.
Assim, a identidade pessoal torna-se refém do processo de consumo, já que agora é preciso “ter” para “ser”. O psicólogo clínico Alberto Neri afirma que o indivíduo é capaz de conferir à mercadoria um valor simbólico, muito mais associado à sua relação subjetiva do que ao seu valor real. “A mercadoria pode se tornar fonte de autoestima, identidade e pertença grupal, na medida em que este valor é compartilhado por outras pessoas também”, sublinha.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), o consumidor brasileiro tende a se preocupar com a imagem que transmite às pessoas, adotando um padrão de consumo que muitas vezes não se encaixa no orçamento pessoal. A cada dez entrevistados, pelo menos seis (59%) admitiram que já ficaram “no vermelho” por adquirir algum bem que não precisavam ter comprado.
Frases como “Se minha vontade não passa, eu passo o cartão” refletem uma maneira de viver. “Como resultado, as pessoas passam a comprar o que não precisam, muitas vezes com o dinheiro que não têm, para impressionar pessoas que não conhecem, a fim de tentar ser quem não são. Para muitos, a ostentação do consumo vale mais que o próprio consumo”, afirma o publicitário Martin Kuhn.
Segundo ele, o consumo oferece à pessoa a representação de uma identidade. “Antes recebíamos uma identidade da família, da religião, e isso era determinante. Hoje eu posso escolher o que quero ser, além de compor identidades e perfis a partir das minhas opções dentro da sociedade”, esclarece o doutor em Comunicação e reitor do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp).
Esse apelo consumista não poupa nem mesmo as crianças. Cada vez mais a publicidade tem se voltado para esse público. Embora as crianças tenham uma longa participação no mercado consumidor, até recentemente eram pequenos agentes, ou compradoras de produtos baratos. Porém isso se alterou, conforme argumenta Juliet Schor em seu livro Nascidos Para Comprar. “Hoje em dia, crianças e adolescentes são o epicentro da cultura de consumo americana. Exigem atenção, criatividade e dólares dos anunciantes. Suas preferências direcionam as tendências de mercado. Suas opiniões modelam decisões estratégicas corporativas”, diz. No Brasil têm acontecido algumas tentativas de limitar a ação da propaganda para o público infanto-juvenil.
Necessidade ou status?
Uma pesquisa de mercado realizada pelo Instituto Data Popular com pessoas de classes populares da cidade de São Paulo constatou que o desejo de possuir um automóvel, independentemente do ano ou modelo, estava em primeiro lugar nas expectativas dos entrevistados. O consumidor da classe popular é motivado a adquirir um veículo para se livrar do sofrimento de horas em longas filas, aguardando o transporte público. Já para o consumidor das classes A e B os problemas com transporte público não são necessariamente uma realidade. O individuo adquire um veículo normalmente por questão de status. Pode-se dizer que nesse exemplo a “mercadoria” representa mais do que simples necessidade.
Atendendo aos “desejos”
Com o objetivo de compreender melhor a irracionalidade imanente ao atual consumismo exacerbado, a pedagoga Luciene Dorneles realizou uma pesquisa que analisou esse fenômeno da psicologia. “Que os consumidores sofrem influências externas do meio social já sabíamos, mas como estas influências se processam no interior do sujeito é que merecia ser pesquisado”, afirma ela.
Em sua tese doutoral, defendida na USP em julho deste ano, ela analisou a gênese do comportamento irracional de comprar, por exemplo, um automóvel de luxo em várias prestações mesmo sabendo racionalmente que ao final pagará muito mais.
Ela lembra que, no século passado, o conhecido sociólogo Thorstein Veblen dizia que as pessoas da classe média usavam as mercadorias de luxo para ostentar sua riqueza e assim obter status e prestígio social. De outro lado, com o nascimento do cinema, a vida das pessoas mudou consideravelmente, porque as telas passaram a mostrar detalhes do cotidiano delas antes não percebidos. “As telas mostram como a vida é mais feliz quando se possui coisas. Em outras palavras, o cinema inaugura novas formas de percepção do mundo, causando um impacto sobre a sensibilidade dos indivíduos, que tende a dar muita ênfase na experiência sensível com os objetos. Assim, a indústria cultural amplia a percepção de detalhes do cotidiano, ilustrado conforme os padrões que devem servir de modelo”, explica.
Conforme acrescenta a Dra. Luciene, no contexto da ideologia capitalista, que precisa manter as mercadorias em circulação constante, propositalmente a palavra “desejo” vira um tipo de mania. Com isso, a publicidade mobiliza a psicologia do consumidor com o argumento de que está buscando atender seus “desejos”. “Muitas vezes o desejo é posto como algo velado para criar um ar de mistério psicanalítico em torno dele. Muitos comportamentos de consumo podem ser considerados irracionais do ponto de vista econômico, logo, só fariam sentido do ponto de vista psicológico”, argumenta a coordenadora pedagógica da editora Casa Publicadora Brasileira.
Mas como, afinal, a publicidade consegue tanto sucesso? Para ela, uma parte da resposta está no fato de as propagandas trabalharem com estímulos psicológicos capazes de acessar desejos inconscientes. “Nesse caso, o que Veblen achava que era uma forma de ostentação pode não ser só isso. Com a nova vida advinda da industrialização do modo de produção, as pessoas tendem a perder o sentido da vida advindo das experiências subjetivas, elas passam a preencher o vazio existencial com a experiência com a concretude das mercadorias. Sendo assim, a cultura do consumo pode estar mais para um sintoma do enfraquecimento do ego do que simplesmente um meio de ostentação de status e poder”, complementa.
Na compreensão da Dra. Luciene, a força da publicidade está na conjugação de elementos conscientes e inconscientes, se valendo da própria psicologia do consumidor. Desse modo, ela afirma que o sucesso da publicidade está em contemplar os impulsos reprimidos ou insatisfeitos da massa. “E isso é feito por meio de linguagem-imagens que possam representar impulsos adormecidos. Ou seja, imagens capazes de evocar elementos arcaicos como se elas fossem um espelho do inconsciente. Mas, para o consumidor deve parecer que a indústria cultural apenas ajuda a trazer à tona aquilo que já está no seu interior”, explica.
Ao dizer que a publicidade explora basicamente duas carências internas, a da individualidade e da liberdade, ela sublinha que um das estratégias é elaborar enredos de forma a encaminhar os impulsos narcisistas de um ego insatisfeito consigo mesmo para o desejo de compensação por meio das mercadorias.
No entanto, a Dra. Luciene concluiu que a aceitação dos estímulos publicitários por parte do consumidor não é absoluta. “Os meios de comunicação dependem do conformismo da massa, que a predispõem a reproduzir ou ampliar sua submissão a esses meios, consciente ou inconscientemente”, sublinha.
Libertando-se do consumismo
Luzenir Rodrigues, de 48 anos, já passou por algumas situações embaraçosas. “Às vezes, meu esposo chegava em casa e achava que havia entrado na residência errada. Eu costumava trocar todos os móveis da casa de uma só vez a cada seis meses”, relata. As compras eram diárias. Qualquer coisa que ameaçasse aborrecê-la era motivo para ir às compras. “Era como uma válvula de escape, a única coisa que me satisfazia, pois eu me sentia bem fazendo isso”, completa a dona de casa que hoje procura levar uma vida mais simples, como recomenda o cristianismo.
Luzenir entendeu que a satisfação era apenas momentânea, e encontrou em Deus um refúgio para sua situação. “Eu comecei a orar, pedindo a Deus que tirasse essa vontade de mim; apesar de parecer que me fazia bem, depois das compras eu ficava muito pior”.
O cristão deve ter em mente que tudo o que ele faz deve ser para honra e glória de Deus (1Cor 10:13). O que come, o que bebe, como se veste, a maneira como se comporta no trabalho, na escola, tudo deve refletir a glória de Deus. “Você não é dono do seu corpo, você é uma carta aberta que Deus escreveu ao mundo. A forma como nos vestimos e como consumimos deve representar Deus ao mundo. Envolve modéstia, bom gosto e até mesmo qualidade. Mas o princípio que norteia é que tudo o que o cristão faz deve ser para glorificar a Deus. A identidade que eu assumo é a identidade de Deus. As pessoas me vêem e depois me conhecem, elas me vêem através daquilo que eu demonstro publicamente”, conclui o Dr. Martin Kuhn.
WILLIAN SILVESTRE é estudante de Teologia e Jornalismo no Unasp, campus Engenheiro Coelho (com colaboração de Márcio Tonetti)
Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.