As lutas e vitórias de uma mãe comprometida com a missão adventista
Maria Júlia Galvani
Quando estudamos a vida de Ellen White, geralmente enfatizamos o dom profético que ela recebeu de Deus e seu importante papel para o estabelecimento da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Contudo, não podemos nos esquecer de que, além de sua liderança espiritual, ela foi esposa, mãe, filha, irmã, vizinha, anfitriã e amiga. O objetivo deste artigo é analisar algumas das alegrias e dos desafios que Ellen enfrentou como mãe de quatro filhos.
Ellen Harmon casou-se aos 18 anos com Tiago White, pregador adventista, em 30 de agosto de 1846. Inicialmente, devido à falta de recursos financeiros, não puderam morar sozinhos e passaram cerca de um ano vivendo com a família dela em Gorham, Maine.
Após três meses de matrimônio, Ellen engravidou de seu primeiro filho. Ao retornar de uma viagem a Topsham, ela adoeceu gravemente, a ponto de pensar que não sobreviveria. Então, ela recebeu a visita de Henry Nichols, filho do casal Otis e Mary Nichols, importantes apoiadores dos White no início de seu ministério. Henry orou em favor da saúde de Ellen, e a jovem milagrosamente foi curada. O bebê nasceu em 26 de agosto de 1847 e foi chamado de Henry Nichols White, como forma de gratidão ao amigo da família.
Apesar de a chegada do filho certamente ter trazido alegria, não foi um período fácil para o casal. Era hora de deixar a casa dos Harmon e buscar a independência financeira. Eles precisavam de um local para morar e, mais uma vez, foram ajudados por outra família de amigos. Stockbridge e Louisa Howland ofereceram uma parte da sua casa, e ali os White começaram seu pequeno lar com objetos emprestados.
A situação era de muita pobreza. Tiago supria as necessidades da família com trabalhos manuais, ajudando a construir ferrovias e cortando lenha ou feno. A escassez era tão grande que, por vezes, Ellen tinha que escolher entre comprar leite para o bebê ou uma roupa para protegê-lo do frio. Ao comentar sobre esse período, escreveu: “Minha primeira impressão foi que Deus nos havia abandonado. Disse ao meu marido: ‘Chegamos a este ponto? Será que o Senhor nos deixou?’ Não pude conter as lágrimas e chorei amargamente durante horas, até que desmaiei.” Porém, graciosamente, foi-lhe mostrado que “o Senhor estivera provando-nos para o nosso bem. […] Se prosperássemos materialmente, o lar se tornaria tão agradável que não teríamos desejo de o deixar” (Testemunhos Para a Igreja [CPB, 2021], v. 1, p. 78).
O papel de Ellen e Tiago era fundamental no período de estruturação do movimento adventista sabatista após o desapontamento de 1844, e a missão de pregar as mensagens enviadas por Deus deveria ter prioridade. No entanto, o cuidado com o bebê impossibilitava a realização de longas viagens. Então, Henry ficou muito doente. Diante daquele quadro aterrador, a jovem mãe se comprometeu a ir aonde o Senhor a chamasse, e Deus misericordiosamente poupou a vida da criança.
Convidada para participar de uma conferência em Nova York, Ellen deixou Henry aos cuidados de Clarissa Bonfoey, de Middletown, pela primeira vez. Durante a viagem da mãe, a criança adoeceria novamente, a ponto de recusar qualquer alimento. Temia-se pela vida do pequeno, mas o casal White depositou sua confiança nas promessas de Deus e, gradualmente, a saúde do bebê foi restabelecida.
UMA DAS MANEIRAS QUE ELLEN WHITE ENCONTROU PARA ESTAR MAIS PRÓXIMA DE SEUS FILHOS FOI POR MEIO DE CARTAS
As demandas por viagens persistiram, e Ellen e Tiago reconheceram que, para se dedicarem plenamente às suas responsabilidades, seria necessário sacrificar a convivência com o filho. Por isso, decidiram entregar o pequeno Henry, que na época tinha 10 meses de idade, para ser criado pelos Howland. Ele permaneceu com essa família por cinco anos.
Ellen White afirmou que a decisão foi “uma prova dificílima”. No entanto, o casal sabia que aquela família de amigos poderia cuidar bem de seu querido bebê. “Foi doloroso para mim partir sem meu filho. Seu rostinho triste no dia em que o deixei estava dia e noite diante de mim, contudo, na força do Senhor, consegui retirá-lo de minha mente e procurar fazer o bem a outros” (ibid., p. 82).
Em 28 de julho de 1849, nasceu o segundo filho do casal, James Edson White. Ellen e Tiago continuaram atendendo às necessidades do movimento adventista sabatista; mas, dessa vez, passaram a levar a criança nas viagens. O contato, porém, com muitas pessoas, contribuiu para que o bebê contraísse uma grave encefalite aos quatro meses de idade, enquanto o casal viajava a Nova York. Após muita oração, Edson foi curado milagrosamente.
Quando o segundo filho completou nove meses, Ellen começou a delegar sua guarda a terceiros durante suas longas viagens. No entanto, o conflito entre seu anseio de estar com os filhos e sua dedicação à missão como mensageira de Deus a deixava profundamente abatida. Desanimada diante dos obstáculos encontrados na fundação do movimento adventista sabatista, ela escreveu: “Faço tão pouco! Por que não podemos estar com nossos filhos e desfrutar a companhia deles? (Vida e Ensinos [CPB, 2014], p. 135).
A Igreja Adventista do Sétimo Dia não seria formalmente estabelecida até 1863. Durante os quase 18 anos que se passaram desde sua primeira visão, o papel de Ellen White como mensageira de Deus foi essencial na estruturação denominacional e consolidação das crenças adventistas. No entanto, mesmo com sua contribuição vital, é importante reconhecer as lutas pelas quais passou durante esse processo.
Embora tenha sido reconhecida como profetisa, Ellen nunca se autointitulou dessa maneira. Essa designação carregava consigo uma carga negativa, sujeita ao julgamento e preconceito de alguns. Além disso, ela enfrentou muitos desafios ao se opor ao fanatismo demonstrado por alguns ex-mileritas.
DESAFIOS DE UMA MÃE MISSIONÁRIA
Por vezes, Ellen White não conseguia vislumbrar os resultados de seu árduo trabalho e, como qualquer ser humano, desejava ter uma vida mais tranquila, desfrutando a companhia de seus filhos. Além de Henry e Edson, o casal White ainda teve mais dois filhos: William, nascido em 29 de agosto de 1854, e John Herbert, em 20 de setembro de 1860. Em meio às responsabilidades de um movimento em formação, Ellen passou por um processo de amadurecimento em seus diversos papéis como cofundadora da Igreja Adventista, esposa e mãe de quatro filhos.
ELLEN E TIAGO ERAM SERVOS DEDICADOS E EXPERIENTES E SABIAM QUE É NO LAR QUE A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA DEVE INICIAR-SE
Ao recordar esse período de seu ministério, ela confessou sua angústia por não poder dedicar a atenção que desejava à sua família, devido às responsabilidades na igreja. “Ficava frequentemente aflita enquanto pensava no contraste entre minha situação e a de outros que não tinham nenhuma preocupação e obrigações; que podiam estar sempre com seus filhos, aconselhá-los e instruí-los, e que despendiam seu tempo quase que exclusivamente com a família. Perguntei, então: Será que Deus exigirá tanto de nós e deixará outros sem responsabilidades? Isso é igualdade? Devemos ser assim tão solícitos em cuidar dos outros e ter tão pouco tempo para dedicar aos nossos filhos? Muitas noites, enquanto outros dormiam, eu passava em amargo pranto” (Testemunhos Para a Igreja, v. 1, p. 94, 95).
Ellen e Tiago fizeram o melhor que puderam para enfrentar essa situação difícil. Mais tarde, ela afirmou: “Eu pretendia idealizar um plano que favorecesse meus filhos, mas surgiam objeções que me impediam de realizá-lo” (ibid., p. 95). Em 1853, quando Henry tinha seis anos, ele adoeceu novamente. Decidiram trazê-lo de volta ao convívio familiar, pensando em sua recuperação e na importância da proximidade com o filho. No entanto, devido às frequentes viagens de seus pais, eles ainda ficavam sob os cuidados de terceiros. Uma das maneiras que Ellen encontrou para estar mais próxima de seus filhos foi por meio de cartas, que podem ser encontradas no livro An Appeal to the Youth (1864).
Alguns aspectos se destacam nas orientações que Ellen White repetidamente transmitiu a seus filhos. É notável como ela conseguia explicar conceitos teológicos, como salvação e arrependimento, de maneira simples e acessível.
As cartas representavam uma tentativa de compensar a falta de orientação e cuidado materno. Em uma delas, escreveu: “Guarde as cartas que envio para vocês e as leia com frequência, pois, caso sintam falta de um cuidado materno, elas lhes serão úteis” (An Appeal to the Youth [1864], p. 47). Conforme as crianças cresciam, havia o risco de se sentirem negligenciadas pelos pais. Por isso, em todas as cartas, Ellen procurava reafirmar o amor que sentia por eles, expressando frequentemente palavras de afeto e saudade. “Queridos filhos, saibam que sua mãe nunca os esquece. Penso em vocês muitas vezes todos os dias” (An Appeal to the Youth, p. 42).
ERROS E ACERTOS
Ellen e Tiago eram servos dedicados e experientes e sabiam que “é no lar que a educação da criança deve iniciar-se. Ali está a sua primeira escola. Ali, tendo seus pais como instrutores, terá a criança de aprender as lições que a devem guiar por toda a vida – lições de respeito, obediência, reverência, domínio próprio” (O Lar Adventista [CPB, 2021], p. 145). Entretanto, isso não os isentou de cometerem erros na criação de seus filhos, como é comum a todo pai e mãe.
Em 1862, Ellen White recebeu uma revelação divina sobre o assunto. Por vezes, o casal havia sido condescendente na correção dos filhos, permitindo que seguissem suas próprias inclinações e desejos. Em outras ocasiões, foram excessivamente severos, especialmente em público. Ela afirmou: “Esse comportamento amarga a disposição e rompe o vínculo que nos une a eles, dificultando nossa capacidade de influenciá-los” (para saber mais, clique aqui).
Destruir o respeito e a influência sobre os filhos seria um erro fatal. Devido ao tempo que passavam longe deles, o único meio de aconselhá-los era por meio de cartas, e elas precisavam exercer seu impacto. “Vi que era necessário muita perseverança e paciência para instruir corretamente nossos filhos. Passamos tanto tempo longe deles que, quando estamos juntos, é essencial trabalhar com dedicação para unir o coração deles ao nosso, de modo que, quando estivermos ausentes, possamos exercer influência sobre eles. Compreendi que devemos orientá-los com seriedade, mas também com bondade e paciência, mantendo uma atitude equilibrada” (para saber mais, clique aqui).
ENTRE ERROS E ACERTOS, OS ESFORÇOS DO CASAL WHITE TIVERAM UMA INFLUÊNCIA POSITIVA NA VIDA DE SEUS FILHOS E NETOS
Nessa visão, Deus alertou o casal White sobre um erro comum cometido pelos pais. Foi-lhes mostrado que é preferível falar a sós com os filhos, com firmeza e bondade, apelando à razão, em vez de corrigi-los na frente de outras pessoas. Além disso, era necessário manter consistência nas repreensões. Posteriormente, Ellen White comentou sobre o método que empregavam na educação dos filhos: “Nós orávamos, trabalhávamos por nossos filhos e os controlávamos. Não negligenciávamos a vara, mas antes de usá-la nos empenhávamos em convencê-los a verem suas faltas e orávamos com eles. Procurávamos fazê-los compreender que o desagrado de Deus estaria sobre nós se desculpássemos seus pecados. Nossos esforços em seu benefício foram abençoados. Seu grande prazer era agradar-nos. Eles não estavam livres de faltas, mas críamos que seriam ovelhas do redil de Cristo” (Testemunhos Para a Igreja, v. 1, p. 95).
Outro tema abordado por ela em suas cartas aos filhos era a morte. De certa forma, a maneira de lidar com a morte no século 19 parece ser diferente do que estamos acostumados, devido às doenças e à precariedade da medicina naquele período. Ellen e Tiago, inclusive, quase morreram várias vezes, e a preocupação deles como pais era significativa. Além do receio de deixar as crianças órfãs, ela nutria uma visão realista da vida e dialogava abertamente com os filhos sobre a possibilidade de perderem a vida. Sua maior preocupação era que estivessem preparados, ou seja, que assegurassem a salvação eterna.
Em 1864, ela os aconselhou: “Nenhum de vocês é demasiado jovem para morrer. Vocês entendem o plano da salvação? A sua justiça não pode recomendá-los a Deus. Não creio que tenham sido adotados ainda na Sua família. Seus pecados causaram a Jesus uma morte vergonhosa, para que, por meio do Seu sofrimento e Sua morte, pudéssemos receber perdão. Podemos obter perdão dos pecados se não reconhecermos nossa própria pecaminosidade e percebermos a natureza do pecado? Penso que não” (An Appeal to the Youth, p. 67).
Infelizmente, dois dos filhos de Ellen White faleceram precocemente. À medida que foram envelhecendo, parece que os filhos da família White passaram a conviver de forma mais próxima com seus pais. Eles começaram a acompanhá-los em suas viagens e tinham responsabilidades durante as reuniões, como organizar a música, conduzir pessoas aos seus assentos e coletar ofertas. Henry tinha um talento especial para a música e tocava vários instrumentos, mas Edson e William também possuíam habilidades notáveis nessa área. Em algumas ocasiões, eles se apresentavam em trio, algo muito apreciado pelas pessoas (Paul Ricchiuti, Four Boys in the White House [Stanborough, 2008]).
Já adulto, William relembrou um pouco da rotina diária na casa da família White. Às 6 horas da manhã, todos já estavam acordados. Ellen estava ativa escrevendo materiais havia duas ou três horas. A cozinheira começava a preparar o desjejum às 5h30, e às 6h30 todos estavam à mesa. Às sete, reuniam-se na sala para o culto matinal, que era conduzido pelo pai e, na sua ausência, pela mãe. Ele lia um trecho da Bíblia e fazia comentários. Depois, todos cantavam um hino.
Ellen passava a maior parte da manhã escrevendo. À tarde, ocupava-se com costura, remendos, tricô e cuidados com o jardim. Além disso, ia à cidade e visitava os doentes. Ela também gostava de ler para os filhos, e Tiago sempre se certificava de que houvesse livros disponíveis. Entre as 18h e 19h, toda a família se reunia novamente para o culto (Paul Ricchiuti, Four Boys in the White House [Stanborough, 2008]), p. 29, 30).
Entre erros e acertos, os esforços do casal White tiveram uma influência positiva na vida de seus filhos e netos. Seus dois filhos sobreviventes foram ativos na missão da igreja. Edson trabalhou por anos na administração da editora Pacific Press e, posteriormente, atuou no departamento de Escola Sabatina. Ele também contribuiu para o desenvolvimento do primeiro hinário adventista e foi pioneiro na evangelização de negros por meio de um barco evangelístico.
William, por sua vez, ocupou várias posições administrativas na sede mundial da Igreja Adventista. Ele desempenhou um papel essencial na publicação dos escritos de sua mãe e no estabelecimento do Patrimônio Literário de Ellen G. White. Além disso, ele também foi extremamente dedicado no cuidado com a mãe durante a velhice dela.
MARIA JÚLIA GALVANI atuou como secretária do Centro de Pesquisas Ellen G. White no Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP)
(Matéria de capa da Revista Adventista de maio/2024)
Última atualização em 14 de maio de 2024 por Márcio Tonetti.