Autora de livro recém-publicado conta como a igreja se estabeleceu no Amazonas e os desafios da denominação nesse imenso território
Popularizar a história do adventismo no Amazonas se tornou um dos principais objetivos da jornalista Loriza Kettle. “A maioria dos adventistas amazonenses desconhece suas origens. Eu mesma não tinha noção da grandiosidade dos fatos! É uma história que precisa ser conhecida de todos”, ressalta.
Desde que concluiu a graduação no Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP), em 2005, ela vem tentando realizar o sonho de publicar seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), desenvolvido no formato de livro-reportagem. Pouco mais de dez anos depois da formatura, o projeto acadêmico passou por um processo de atualização e, finalmente, foi publicado.
O livro Uma Igreja na Selva – A história sobre o pioneirismo da Igreja Adventista no Amazonas teve seu pré-lançamento por meio do Facebook no último domingo, 27 de março. A obra foi concebida a partir de pesquisas em documentos da igreja e, principalmente, de entrevistas com descendentes dos primeiros adventistas que viveram nesse território. Nesta entrevista, a autora fala sobre a importância dessa história para o adventismo no país e chama a atenção não apenas para os desafios do passado, mas também do presente.
Embora, na opinião da autora, essa região hoje se destaque no cenário adventista brasileiro pela sua força missionária, assim como no passado, há grandes desafios a ser superados nesse vasto território. Para se ter uma ideia, das 35 mil comunidades ribeirinhas, apenas 10 mil foram alcançadas pelo evangelho.
Coincidentemente, o livro chega no contexto em que os olhos da igreja no Brasil e no mundo estão voltados para alguns dos desafios do adventismo no estado do Amazonas. Aliás, essa parte do país será uma das regiões beneficiadas pela oferta especial que foi arrecadada nas igrejas adventistas de todo o mundo no último sábado, 26 de março (para saber mais, clique aqui). Parte dos recursos será destinada para o projeto “Igreja Que Navega” e para a construção de um templo no Instituto Adventista Agroindustrial (IAAI).
Como o adventismo chegou ao maior Estado brasileiro?
O primeiro contato com a mensagem da Igreja Adventista no Amazonas foi em meados de 1927, no município de Maués, fruto do trabalho dos americanos John Brown e Roger Wilcox. Na época, eles encaminharam estudos bíblicos a José Batista Michiles. Após estudar avidamente o material, Michiles voltou a ter contato com esses missionários quando, pouco tempo depois, eles retornaram para a região. Assim começou o processo de evangelização em Maués, município a partir do qual a mensagem se espalhou para outras partes desse imenso território.
Quais foram os principais desafios enfrentados por eles naquela época?
Foram vários. A começar pelo clima tórrido, somado às dificuldades de locomoção e às grandes distâncias, esses foram grandes desafios. O principal meio de transporte era a canoa. Eles viajavam horas, às vezes dias, para visitar comunidades ribeirinhas. Imagine fazer uma viagem dessas sob o sol escaldante da região amazônica! Também havia o problema dos mosquitos e pernilongos, mais conhecidos na região pelo nome carapanã. Podemos acrescentar também a dificuldade de adaptação à dieta, já que alimentos como cupuaçu, pupunha, açaí e tucumã eram muito estranhos para eles. Cabe mencionar ainda a necessidade de dormir em redes, costume praticado ainda hoje em várias comunidades do Amazonas. Muitos deles não conseguiram se adaptar com facilidade aos costumes dos ribeirinhos.
E quais são alguns dos desafios da evangelização no Amazonas hoje?
Acredito que a principal dificuldade seja as longas distâncias. Maués, por exemplo, é uma ilha e só é possível ter acesso a ela de avião ou barco. Porém, esses meios de transporte fazem o trajeto com pouca frequência.
Ao longo do tempo, ocorreram mudanças nos métodos evangelísticos adotados pela igreja?
Poucas mudanças. Por exemplo, na época de Leo e Jessie Halliwell, pioneiros da obra médico-missionária, durante o dia as pessoas recebiam atendimento na área de saúde nas lanchas Luzeiro e, à noite, assistiam às séries evangelísticas. Esse era o método que o casal usava para atrair as pessoas a Cristo. Acredito que seja uma das poucas coisas que não acontecem como antigamente. Mas o espírito missionário é o mesmo. Aliás, o trabalho das lanchas Luzeiro continua sendo feito pela ADRA, alcançando, inclusive, outros estados. Nos últimos anos também surgiram projetos como o Salva-Vidas Amazônia, que conta com uma escola que prepara voluntários para evangelizar comunidades de difícil acesso. As séries evangelísticas e as conferências anuais também continuam a ser realizadas, bem como os estudos bíblicos ministrados. No entanto, é preciso dizer que projetos mais recentes, como a Missão Calebe, têm ajudado a dinamizar o evangelismo na região.
Quais métodos você usou para resgatar a história do adventismo no Amazonas e como lidou com a escassez de registros escritos sobre o assunto?
Infelizmente, a igreja tem pouquíssimos registros de sua memória. Quando comecei minha pesquisa, descobri que não existia quase nada documentado sobre o início do adventismo no Amazonas. No começo fiquei meio perdida, sem saber por onde começar. A saída que encontrei foi ir atrás de depoimentos dos descendentes dos pioneiros. Localizei fontes importantes em cidades do estado de São Paulo, Amazonas e Pará. Posso dizer que 99 por cento do meu livro-reportagem é feito com base em relatos das famílias pioneiras. Também consegui levantar informações pesquisando nas atas da União Norte, da Associação Central Amazonas e da Igreja Adventista Central de Maués. Recentemente, com o objetivo de atualizar o livro, consultei documentos da Associação Amazonas Roraima e do atual distrito da igreja de Maués.
O que a motivou a pesquisar esse tema?
A proposta do livro Uma Igreja na Selva nasceu originalmente como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da minha graduação em Jornalismo no Unasp, campus Engenheiro Coelho. Sempre quis fazer um livro-reportagem, porque amo escrever. Mas, na época, não sabia qual tema abordar. Conversando com um professor, ele sugeriu que eu falasse sobre a história da minha igreja, uma vez que sou natural de Manaus. Em diálogo com meu orientador, definimos que o TCC falaria sobre o pioneirismo da Igreja Adventista no estado do Amazonas, dando especial ênfase às famílias pioneiras. Como surgiu a Igreja no Amazonas, como foi o primeiro contato com a mensagem, quem foram as primeiras famílias convertidas e como se envolveram na propagação do evangelho foram algumas das questões que me propus a investigar.
Com o tempo, acabei me envolvendo emocionalmente com essa história. Comecei a me perguntar: O que estou fazendo para que o evangelho seja espalhado no mundo? Tendo isso em mente, publicar o livro passou a ser meu principal objetivo, pois acho indispensável as pessoas conhecerem essa história. Não estou falando somente dos adventistas amazonenses, mas num sentido mais amplo. A história da chegada do adventismo ao Amazonas revela o espírito de missão que todos nós devemos ter. Fico honrada e agradecida porque o Senhor me escolheu para contar essa trajetória. Meu conceito sobre cristianismo mudou completamente depois dessa experiência. O que mais quero é que meu livro seja instrumento para levar pessoas aos pés de Cristo e que corações sejam tocados por meio de sua leitura.
O que a igreja no Amazonas representa hoje no cenário adventista brasileiro?
A Igreja Adventista no Amazonas é a que mais evangeliza no Brasil. Acho que isso se deve à maneira pela qual a mensagem chegou ao estado. Era como uma chama que ardia no coração das pessoas e elas sentiam a necessidade de também pregar o evangelho. E é assim até hoje. O amazonense é muito missionário. Basta dizer que todos os bairros de Manaus têm presença adventista. Trata-se da primeira capital no contexto sul-americano que conseguiu esse feito.
O que mais lhe chamou a atenção ao resgatar essa história?
Quando Maués, que era uma cidade tradicionalmente católica, conheceu a mensagem adventista, aconteceu um verdadeiro movimento no município. As pessoas não se acomodavam após o batismo. Após a conversão, procuravam aproveitar as oportunidades para falar do amor de Deus e de como o encontro com Cristo tinha mudado sua vida. Assim, todos se envolviam na missão. Mas acredito que a maioria dos adventistas amazonenses desconhece suas origens. Eu mesma, amazonense e adventista de berço, não tinha noção da grandiosidade dos fatos! É uma história que precisa ser conhecida por todos.
Você levou dez anos para conseguir realizar o sonho de ver seu livro publicado. Quais são os principais entraves encontrados pelos jovens escritores no Brasil?
O principal desafio que o escritor enfrenta para publicar seu livro é encontrar uma editora. Isso acontece principalmente com escritores desconhecidos, que ainda não têm nome no mercado editorial. As editoras não querem investir em obras que não sabem se vão vender. Ainda mais no caso do meu livro, que é voltado para público tão específico. Por isso, muitos escritores novatos procuram meios alternativos. Abrir uma editora e publicar por conta própria é um caminho. Mas nem todos têm recursos para isso. Outra forma é buscar patrocínio junto às pessoas ou empresas que se identificam com a obra. A questão é encontrar alguém disposto a tirar dinheiro do bolso para investir em algo, teoricamente, incerto. Diante dessas e de outras dificuldades, alguns autores têm optado por publicar o conteúdo apenas na internet.
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Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.