Uma conversa com três especialistas sobre as novas descobertas da astronomia
Márcio Tonetti
Se o Hubble já havia ampliado de maneira impressionante os horizontes da astronomia, da astrofísica e da cosmologia por meio de imagens incríveis, o que dizer de seu “sucessor”, o James Webb Space Telescope (JWST)? O projeto de 10 bilhões de dólares, liderado pela Nasa em parceria com a Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) e a Agência Espacial Canadense (CSA), tem potencial para revelar com maior nitidez e contraste os segredos do cosmos. Nas palavras do astrônomo britânico Richard Ellis, será o fim da “Idade das Trevas” para a astronomia.
Enxergando o que para os nossos olhos é invisível, a grande expectativa em torno do James Webb é que ele consiga captar o momento em que as luzes do Universo foram acesas. E se olharmos pelas lentes certas, também poderemos ter novos vislumbres da criatividade artística e da grandeza de Deus, conforme mostra a matéria de capa da Revista Adventista de novembro. A conversa com alguns dos especialistas consultados para a reportagem rendeu mais do que o espaço disponível na versão impressa. Por isso, as entrevistas a seguir ajudarão a ampliar seus conhecimentos sobre as novas descobertas da astronomia, o esplendor das galáxias e o impressionante tamanho do Universo.
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Eduardo Lütz, físico e engenheiro de sistemas, é mestre em Astrofísica Nuclear pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O telescópio James Webb tem captado imagens com uma nitidez muito maior do que as que eram fornecidas pelo Hubble. A astronomia está entrando em uma nova fase?
Lütz: O início das atividades do James Webb realmente foi um momento emocionante para a comunidade científica em função da expectativa de obter detalhes novos sobre o Universo. Isso tem empolgado muito os cientistas. Algumas pistas que o Hubble já havia levantado sobre as primeiras galáxias estão sendo aprimoradas pelo JWST. Essas observações fornecerão dados muito valiosos.Dadas as vantagens do novo telescópio espacial, muitos consideram que entramos em uma nova fase das observações do espaço profundo. No mínimo, trata-se de um passo significativo no progresso do conhecimento humano sobre o Universo.
Por outro lado, fake news sensacionalistas têm circulado nas mídias sociais e em alguns meios de comunicação não confiáveis, porém populares. Títulos alarmistas e artigos com inúmeros erros conceituais têm feito parecer que o JWST revelou fatos que desmentem quase tudo o que pensávamos saber sobre o Universo.Provavelmente, a mais famosa dessas fake news se originou com Eric Lerner, um ateu que procura evidências contra o modelo do Big Bang porque ele aponta para Deus. Lerner acredita que o Universo nunca foi criado e sempre existiu. Ele demonstra possuir conhecimentos de física bastante limitados e propõe ideias que chegam a contrariar leis físicas bem conhecidas e testadas, como a lei da conservação de energia.Infelizmente, alguns grupos de criacionistas que defendem a ideia de um Universo jovem ou eterno aceitaram e passaram a compartilhar os argumentos de Eric Lerner, sem perceber suas implicações anticriacionistas. A origem desse desvio conceitual está em confundir o processo de “terraformação” descrito em Gênesis 1 com a criação do Universo inteiro.
O que essas imagens revelam ou poderão revelar de novo sobre o nosso sistema solar e o Universo como um todo?
Lütz: Agora poderemos ver com mais nitidez os planetas vizinhos mesmo sem ter sondas em suas proximidades. Também estamos em melhores condições de observar outros sistemas planetários. Podemos ver ainda outras galáxias com detalhes mais finos do que era possível antes do JWST.Porém, o mais interessante é podermos visualizar com melhor resolução as primeiras galáxias do Universo. Não apenas ver, mas também fazer mensurações que permitirão analisar a composição química desses corpos celestes e o funcionamento de leis básicas. Uma das utilidades dessas informações é que elas nos ajudarão a progredir em uma área que tem sido um dos pontos mais fracos em nosso conhecimento de astrofísica: a formação das primeiras estrelas e galáxias.
“Foi Deus quem definiu e é Ele que mantém as leis da natureza, de maneira que Ele é o Criador, independentemente do processo exato pelo qual as estrelas e galáxias vieram à existência.”
O principal tipo de pergunta que esses detalhes ajudarão a responder é sobre quão exatos são os modelos que temos na astrofísica. Porém, novas perguntas podem surgir ao observarmos o que antes não havíamos notado. O processo de formação das primeiras estrelas e galáxias é um dos aspectos que precisam de estudos mais profundos. De acordo com os modelos mais populares até o momento, não deveríamos encontrar muitas galáxias nas primeiras centenas de milhões de anos do Universo. Entretanto, o JWST nos mostra um número muito maior de galáxias que já existiam nessa fase inicial. Eram galáxias pequenas e bastante jovens (percebe-se isso porque ainda não haviam formado muitos elementos químicos mais pesados), mas que aparecem em quantidade maior do que se esperava e provavelmente se formaram mais rápido do que se imaginava.
Como, afinal, o telescópio James Webb nos ajuda a contar galáxias no início da vida do Universo?
Lütz: Isso se dá pelo fato de que, quanto mais distante está o objeto que observamos, mais tempo a luz demorou para vir dele até nós e mais antiga é a imagem que ela traz. Em outras palavras, as imagens que vemos não mostram o presente, mas o passado. Quando vemos alguma coisa acontecendo no Sol, testemunhamos algo que aconteceu há mais de 8 minutos. Quando observamos algo acontecendo na galáxia de Andrômeda, testemunhamos um fenômeno ocorrido há cerca de 2,5 milhões de anos. O JWST já nos permite literalmente ver com mais detalhes fenômenos que ocorreram há cerca de 13,5 bilhões de anos, próximo ao tempo do nascimento das primeiras galáxias.
“O JWST já nos permite ver com mais detalhes fenômenos que ocorreram há cerca de 13,5 bilhões de anos, próximo ao tempo do nascimento das primeiras galáxias.”
Isso nos dá a oportunidade de revisar e aperfeiçoar modelos sobre os fenômenos que teriam ocorrido naquela época. A quantidade relativamente grande de galáxias observada na infância do Universo significa que os modelos de formação de galáxias não levaram em conta algo importante: os buracos negros primordiais. Sabe-se que buracos negros possuem um papel muito importante na estruturação das galáxias e, possivelmente, na formação de estrelas. Além disso, galáxias formadas em função de buracos negros têm uma probabilidade maior de apresentar o formato de disco, o que explica outro achado do JWST.
Onde entra Deus em tudo isso? Ele não teria criado as primeiras galáxias já prontas?
Lütz: Provavelmente, não! Ao contrário da vida, que exige intervenção especial para surgir, objetos astronômicos tendem a se formar naturalmente por ação da gravidade. É o que vemos acontecer em diversos lugares do Universo, até mesmo em nosso setor da galáxia, como na Nebulosa de Órion, por exemplo. Ali existem vários sistemas planetários em formação que podem ser estudados pelo próprio JWST. Deus é o Criador do Universo, mas isso não significa que cada pedrinha dos inúmeros rios tenha sido esculpida diretamente pela mão Dele. Essas pedrinhas são constantemente moldadas pelo próprio fluxo de água. Assim também acontece com inúmeros fenômenos pelo Universo afora. Deus estabeleceu leis e as mantém em funcionamento, e essas leis têm consequências na formação de inúmeras estruturas. Portanto, a seguinte questão é vazia: “Será que foram as leis da natureza ou foi Deus quem criou as galáxias?” Foi Deus quem definiu e é Ele que mantém as leis da natureza, de maneira que Ele é o Criador, independentemente do processo exato pelo qual as estrelas e galáxias vieram à existência. Para o cientista, interessa saber qual foi esse processo exatamente. Estamos montando as peças desse quebra-cabeça, mas o quadro ainda não está completo.
Fale um pouco sobre a composição das imagens do Hubble e, especialmente, do James Webb, que nos permitem ver o invisível.
Lütz: Esses telescópios possuem sensores similares à retina humana. Seres humanos observam seu ambiente pela percepção da luz visível, que corresponde a uma faixa relativamente estreita das ondas eletromagnéticas. Essa faixa pode ser medida em termos de frequências (número de oscilações da luz por segundo) ou comprimento de onda (distância entre dois picos de uma onda). Ao conjunto de todos os comprimentos de onda ou frequências das ondas eletromagnéticas (que compõem a luz, as ondas de rádio, os raios X e assim por diante) chamamos de espectro eletromagnético. A menor frequência da faixa visível do espectro corresponde à cor vermelha e a maior corresponde à cor violeta.
Se compararmos a luz com o som, a cor vermelha corresponderia a sons graves e a cor violeta corresponderia a sons agudos. Frequências que estão um pouco abaixo da faixa de percepção humana classificam-se como infravermelho. Frequências que estão um pouco acima classificam-se como ultravioleta. As “retinas” do Hubble foram feitas principalmente para enxergar luz visível e ultravioleta, bem como uma pequena faixa do infravermelho. Já as “retinas” do JWST priorizam o infravermelho. Se olharmos para os mesmos objetos com ambos os telescópios, veremos aspectos um pouco diferentes em cada um. Um exemplo disso é que nuvens de poeira interestelar parecem mais transparentes quando observadas pelo JWST por causa da faixa do espectro que ele vê.
Para estudar galáxias distantes, é muito importante que os telescópios consigam captar bem imagens no infravermelho em função de um fenômeno conhecido tecnicamente como redshift (avermelhamento). Como o espaço está em expansão, objetos muito distantes entre si e não ligados gravitacionalmente afastam-se uns dos outros rapidamente. Esse afastamento provoca um fenômeno chamado “efeito Doppler”. O resultado é que a luz visível se converte em infravermelho para objetos muito distantes. Além disso, o infravermelho consegue atravessar nuvens que são opacas à luz visível e é por isso que agora estamos conseguindo ver melhor através de nebulosas com as imagens do JWST. Outra diferença importante entre esses dois telescópios espaciais é o tamanho do espelho principal. Em vez de usar lentes para captar luz e formar imagens, eles usam espelhos côncavos. O espelho maior do Hubble tem cerca de 2,4 m de diâmetro, ao passo que o do James Webb tem cerca de 6,5 m. Isso permite obter imagens mais claras e mais detalhadas.
O que a ciência já revelou sobre exoplanetas (planetas que estão fora do nosso sistema solar) com condições semelhantes às da Terra?
Lütz: Milhares de exoplanetas foram descobertos, muitos com órbita na faixa habitável, isto é, a uma distância de sua estrela que permite a existência de água líquida (como o Proxima Centauri b). Mas os demais casos também são interessantes.Tem sido possível utilizar espectrometria para estudar a composição química da atmosfera, temperatura e outros parâmetros desses objetos. Os pesquisadores encontraram todo tipo de fenômenos interessantes, como ventos com velocidades supersônicas, temperaturas altíssimas, chuva de vidro derretido e oceanos que cobrem a superfície inteira de seu planeta (como aparentemente era a Terra antes de Gênesis 1).Infelizmente, é muito difícil estudar com maiores detalhes o que acontece nesses planetas em função da distância e do brilho ofuscante das respectivas estrelas.Até o momento, não foi possível comprovar que algum deles sustente seres vivos, mas os pesquisadores têm esperança de encontrar pistas nesse sentido.
Com o fenômeno da urbanização, o céu tem “desaparecido” ou sido ofuscado pelas luzes artificiais. Além disso, o campo da astronomia se distanciou da realidade da maioria das pessoas. O que fazer para resgatar o interesse pela observação astronômica? Filosoficamente falando, que bem nos faz olhar para o céu?
Lütz: Realmente, quem mora em grandes cidades tem dificuldades de observar o céu diretamente em função da poluição luminosa. Além disso, existe uma influência social muito forte para que a própria mente se ocupe com assuntos corriqueiros e perca de vista o contexto maior, tanto no tempo quanto no espaço. Mesmo quando a tecnologia era precária, a humanidade já vivia uma vida artificial, voltada para si mesma e concentrada em regras culturais pouco ou nada relacionadas às leis naturais. A tecnologia atual ampliou o leque de possibilidades em todos os sentidos. Podemos mergulhar ainda mais em convenções sociais e ideias que estão na moda ou podemos ter acesso a informações profundas sobre a realidade e seu Autor.
“O estudo das leis físicas, quando seus pontos estratégicos são devidamente conectados, dá nome e endereço ao Deus que sustenta a realidade.”
Uma das formas pelas quais a tecnologia pode nos aproximar da natureza é por meio de instrumentos de observação astronômica, como telescópios e aplicativos que nos fornecem mapas do céu. Infelizmente, mesmo os telescópios amadores são equipamentos relativamente caros. Uma maneira de contornar tanto os problemas da poluição luminosa das cidades quanto do preço dos telescópios é formar clubes de astronomia. Uma pessoa com boas condições financeiras ou o próprio clube pode comprar um telescópio, encontrar locais em que se possa fazer observações e reunir-se de vez em quando para apreciar as belezas do céu noturno. É uma boa oportunidade também para estudarem juntos a Bíblia e as informações disponibilizadas pela ciência e meditar sobre a grandeza de Deus. Um exemplo é o Clube de Astronomia S191, de Maringá (PR), liderado pelo professor Cláudio Luiz Abeche. Infelizmente, a pandemia criou dificuldades para que o grupo continuasse a se reunir. Porém, eles estão se reorganizando para continuar com seus planos, que incluem construir um observatório, um planetário e um museu na cidade. A propósito, S191 é uma referência ao Salmo 19:1: “Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das Suas mãos.”
Esforços coletivos como esse têm o potencial de inspirar jovens a desenvolver uma mente que se ocupe das coisas do alto, em ambos os sentidos. A revelação natural não é vaga sobre os atributos do Criador. O estudo das leis físicas, quando seus pontos estratégicos são devidamente conectados, dá nome e endereço ao Deus que sustenta a realidade. Sua perfeição e amor são infinitos.
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Rafael Christ de Castro Lopes, doutor em Física e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA).
Com as imagens do James Webb, que novas possibilidades estão sendo abertas para a compreensão da origem e da composição do Universo?
Lopes: Desde o advento dos grandes telescópios e das sondas espaciais, a cosmologia (ciência que estuda a estrutura, evolução e composição do Universo) está passando por uma nova fase conhecida como “era da precisão”. O surgimento de instrumentos mais precisos, como o James Webb, traz novas oportunidades para testar teorias e modelos que explicam o comportamento do Universo.
Quais são as hipóteses mais aceitas atualmente em relação à idade do Universo?
Lopes: Considerando os dados atuais mais precisos sobre as densidades energéticas da radiação, matéria comum, matéria escura e energia escura, estima-se que ele tenha aproximadamente 13,7 bilhões de anos.
A teoria do Big Bang é compatível com a visão criacionista?
Lopes: Esse é um ponto muito interessante, pois muitos cristãos tendem a pensar rapidamente que a resposta negativa seja a correta. A teoria do Big Bang descreve o Universo, que passa a existir a partir de um ponto. E aqui é importante ressaltar que não é apenas a descrição da criação de matéria, mas a criação de tudo o que existe, ou seja, da matéria e energia, do tempo e espaço.
O que é possível afirmar em relação à ideia de que o Universo está em franca expansão?
Lopes: Já na década de 1920, o astrônomo norte-americano Edwin Hubble demonstrou que as galáxias estão se distanciando. Mais tarde, nos anos 1990, também foi demonstrado que essa expansão não está acontecendo de maneira mais lenta quanto mais o tempo passa. Pelo contrário, o Universo está se expandindo de forma acelerada. E foi em meio à busca pelo agente causador dessa aceleração que se chegou ao conceito de energia escura, uma forma de energia que gera uma pressão negativa fazendo o Universo se expandir aceleradamente.
Há alguns anos, estimava-se que o Universo observável continha cerca de 200 bilhões de galáxias. Estudos posteriores, no entanto, demonstraram que esse número pode ser dez vezes maior. O que a ciência tem mostrado de novo em relação ao número de galáxias?
Lopes: Há algum tempo, uma das estimativas para o número de galáxias dentro do Universo observável (cuja luz pode ser observada), já estava em 2 trilhões. Porém, alguns dados a reduziram para cerca de 176 bilhões. Independentemente disso, é um número espantoso.
Um tema bastante instigante é o dos buracos negros. O que os estudos mais recentes têm mostrado a respeito desses “misteriosos” corpos celestes?
Lopes: Os buracos negros talvez sejam os objetos mais enigmáticos já sugeridos pelas teorias e comprovados observacionalmente. Basicamente, eles são corpos hipermassivos, cuja gravidade é tão alta que nem mesmo a luz pode escapar. Quando foram propostos, a grande maioria dos cientistas, inclusive Albert Einstein, não acreditava na possibilidade de eles existirem. Hoje sabemos que os buracos negros são agentes dinâmicos na composição do Universo, pois descobriu-se que existem buracos negros gigantescos no centro das galáxias.
Ao se deparar com observações profundas do Universo, cuja luz levou milhões ou até mesmo bilhões de anos para serem captadas pelos telescópios, que sentimento lhe vem à mente?
Lopes: O primeiro sentimento é de pequenez. Diante do Universo, estamos mais próximos de ser comparados ao nada do que a um grão de areia. Por outro lado, como cristão, vejo também a grandeza de um Deus criador, que é Senhor do tempo e do espaço. Além de infinitamente poderoso, Ele é amoroso. Isso me traz segurança.
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Josué Cardoso, astrônomo adventista que trabalha na agência espacial do Japão, é pós-doutor pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), pelo Instituto de Tecnologia de Israel (Technion) e pelo Instituto Tecnológico de Aerounáutica (ITA). Ficou conhecido pela atuação como divulgador científico/embaixador da missão OSIRIS-REx da Nasa, projeto que coletou amostras do asteroide Bennu e que está viajando de volta para a Terra, com chegada prevista para setembro de 2023.
Uma de suas áreas de atuação é a de engenharia aeroespacial e de missões espaciais. Quais são alguns dos projetos mais importantes nos quais você teve a oportunidade de trabalhar?
Cardoso: Tenho participado de várias missões espaciais como pesquisador e/ou divulgador científico. Na agência espacial do Japão, onde trabalho atualmente, estou envolvido em dois projetos. O primeiro deles é a missão MMX (Martian Moons eXploration), que pretende estudar as duas pequenas luas de Marte e coletar amostras de uma delas (Fobos). Outro foco do meu atual trabalho é contribuir com o estudo da trajetória em espiral que a missão DESTINY+ vai fazer, escapando da Terra até se aproximar da Lua e depois usando a gravidade do nosso satélite natural para ser redirecionada ao asteroide 3200 Phaeton. Também atuo em pesquisas para a missão ITASAT-2, que é um projeto envolvendo o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a Nasa e universidades parceiras dos Estados Unidos e de Israel.
Quais são algumas das missões espaciais mais importantes que estão sendo previstas para os próximos anos/décadas?
Cardoso: Vivemos uma era de ouro da exploração espacial, seja do nosso sistema solar ou de estudos do Universo como um todo. Além das contribuições que o JWST e outros projetos podem trazer, há muitas missões sendo planejadas. Podemos citar o projeto ARTEMIS, iniciativa liderada pela agência espacial norte-americana e que visa a colonizar a Lua. Essa e outras missões preveem o envio de astronautas, além da construção de uma estação espacial cislunar, a GATEWAY. Estão em andamento também diversas missões para estudar asteroides, como é o caso das missões Lucy, Psyche, DESTINY+, NEOWISE, JANUS e extensões planejadas das ainda ativas Hayabusa 2 e OSIRIS-REx. Destaco ainda as missões da Nasa e da Jaxa (agência espacial japonesa) para Marte, com o intuito de coletar amostras desse planeta e de suas luas.
“Vivemos uma era de ouro da exploração espacial, seja do nosso sistema solar ou de estudos do Universo como um todo.”
Existe ainda grande interesse em torno de outros satélites naturais. Por exemplo, as missões JUICE e Europa Clipper pretendem visitar as luas de Júpiter, onde se acredita haver água em estado líquido. É o caso também da missão Dragonfly, que estudará a lua Titã, de Saturno, onde há uma geologia ativa similar em alguns aspectos a que encontramos na Terra. Sem contar as missões DAVINCI+, VERITAS, desenvolvidas pelas agências espaciais norte-americana e europeia, que pretendem estudar Vênus e sua atmosfera e confirmar a existência de moléculas que estão relacionadas com marcadores de vida. Por fim, vale lembrar que missões da Nasa e da Space-X querem enviar astronautas para Marte até a próxima década.
Alguns cientistas acreditam que luas como a Encélado (de Saturno) podem ter condições de abrigar vida. Qual sua visão a respeito?
Cardoso: Existem modelos e algumas evidências que apontam que luas como Encélado possuem um oceano líquido embaixo de sua camada mais superficial, que é congelada. Uma vez que água é um dos principais ingredientes para a vida, muitos acreditam que locais assim sejam propícios para se encontrar vida em forma bacteriana. Tenho trabalhado com um estudo sobre Encélado junto com uma orientanda. Porém, sou cético acerca da existência da vida em si, pois há diversos fatores que precisariam estar alinhados nesses locais. No entanto, os resultados dos estudos vão ser muito importantes, pois poderemos entender melhor até mesmo quão sensível e especial é a vida na Terra. Na ciência, até as respostas negativas trazem resultados importantes.
Até onde a humanidade é capaz de chegar nessa corrida espacial?
Cardoso: É um prognóstico que depende de vários fatores e cosmovisões. Para os cristãos, Jesus irá voltar e eles poderão viver e se desenvolver para sempre, tendo tempo e intelecto para explorar o Universo de diversas maneiras. Por outro lado, a sociedade atual busca se desenvolver cada vez mais para ir mais longe. Já foi possível visitar todos os planetas e alguns outros objetos do nosso sistema solar usando naves espaciais e alguns robôs. Porém, ir além do nosso sistema solar continua sendo uma realidade distante. Seriam necessários milhares de anos, viajando com a tecnologia disponível, para chegar aos lugares mais próximos. Por enquanto, o que podemos fazer é focar em metas como mineração de asteroides e a colonização da Lua e de Marte, sabendo, porém, que ainda há grandes desafios para manter os seres humanos por longos períodos nesses locais. O corpo humano é muito sensível a viagens espaciais longas.
Qual é a maior motivação por trás desses esforços?
Cardoso: Além do conhecimento que traz retornos importantes, como tecnologias que usamos no dia a dia e melhoram nossa qualidade de vida, há aspectos filosóficos envolvidos na busca por respostas que dão significado à nossa existência. É um impulso natural do ser humano buscar entender quem é, suas origens e seu propósito no Universo.
Última atualização em 9 de novembro de 2022 por Márcio Tonetti.