A arte de discordar

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Divergência de opinião não dá o direito de criar dissidência sem motivo
MARCOS DE BENEDICTO
O problema do dissidente passa a ser também o seu problema se você der ouvidos, voz e publicidade às ideias dele. Foto: Adobe Stock

A carta chegou às minhas mãos com um endereço do sul do Brasil. Quem seria? Nestes tempos de muitos e-mails e incessantes mensagens de WhatsApp, receber uma correspondência pessoal pelo correio é raro. A carta era de uma jovem mulher que estava confusa sobre o real adventismo. Ela havia ido a um templo adventista e se encantado com o tratamento e a mensagem. Porém, um grupo dissidente pintou um quadro tão negativo da igreja, classificando-a como “Babilônia”, que a mulher ficou sem saber em quem acreditar.

Esse é apenas um detalhe da “obra” dos críticos e dissidentes, que, apostando no anonimato das novas tecnologias e na aparente impunidade no mundo digital, se multiplicam a cada dia. Um dissidente é alguém que questiona, critica e desafia a ordem estabelecida. No contexto religioso, a palavra vem sendo usada desde o século 19, enquanto no cenário político tornou-se popular a partir dos anos 1940.

Hoje, os dissidentes religiosos têm muitas faces e transitam por diversos territórios, mas também apresentam pontos em comum. Numa escala crescente de radicalismo, situam-se ao longo de um amplo espectro: inconformismo / discordância / questionamento / crítica / dissidência / ativismo / terrorismo. Com o risco da caricaturização, podemos enumerar dez tipos de dissidentes:

  • Administrativo: aquele que tem um problema com um líder e, a partir do seu caso, constrói uma teoria geral sobre a gestão da igreja.
  • Anacrônico: acha que tudo no tempo dos pioneiros era melhor do que hoje.
  • Conspiratório: pensa que seu “conhecimento secreto” lhe dá o direito de propagar mirabolantes teorias de conspiração.
  • Cultural: sempre vê a cultura como território exclusivo do diabo.
  • Excêntrico: sai do centro e vai para o extremo a fim de chamar atenção para seu comportamento exótico.
  • Ideológico: inventa uma narrativa alternativa para justificar seu deslocamento na sociedade.
  • Narcisista: aproveita o prestígio dos outros e pisa na imagem alheia para se aparecer.
  • Perfeccionista: consegue ver milhões de erros na igreja e nenhum em sua vida.
  • Sonhador: idealiza uma enevoada ilha da fantasia imaginando que seja o mundo iluminado da realidade.
  • Teológico: pensa que suas heresias deveriam substituir as crenças fundamentais da igreja.

Essa é apenas uma amostra. Infelizmente, os dissidentes, com causa ou sem causa, são inúmeros e sempre os teremos conosco. O pior é que muita gente inocente acaba caindo facilmente na lábia deles. Essas pessoas se esquecem de que o cristão deve ser simples como as pombas, mas cauteloso como as serpentes (Mt 10:16). Todavia, inocência não é desculpa. O problema do dissidente passa a ser também o seu problema se você der ouvidos, voz e publicidade às ideias dele. Afinal, se discordar em nome da verdade é saudável, promover a desunião em nome da mentira é a essência da obra do próprio inimigo.

O importante é saber discernir entre críticas legítimas e ataques injustos, sem aumentar ainda mais a polarização. Nesta época em que o mundo busca a unidade, mas paradoxalmente se torna cada vez mais fragmentado, é um dever sagrado do povo de Deus promover a pacificação. Você foi chamado para ser um agente da união em torno de Cristo e não da ruptura e da alienação.

MARCOS DE BENEDICTO é editor da Revista Adventista

(Editorial da edição de março de 2019)

Última atualização em 13 de março de 2019 por Márcio Tonetti.