A polêmica sobre a lei dominical

3 minutos de leitura

Razões para crer no impensável

Marcos De Benedicto

Foto: Adobe Stock

Em uma democracia, será que a voz da maioria deve predominar sempre ou é preciso proteger o direito legítimo das minorias? Houve uma fase na história estadunidense em que a elite usava o argumento de que democracia é sinônimo de maioria. Porém, no século 19, as minorias reagiram contra a “tirania” da maioria e ajudaram a redefinir a democracia do país. Mais tarde, os adventistas, interessados na liberdade de consciência e no direito de adorar no sábado bíblico, fizeram parte dessa luta. Ao mesmo tempo, a partir dos anos 1820 e 1830, líderes protestantes começaram a defender a premissa de que a maioria moral deveria controlar a crescente democracia da nação. Kyle G. Volk documenta esses embates no livro Moral Minorities and the Making of American Democracy (Oxford University Press, 2014). Será que a história se repetirá? Poderia um “sábado” do interesse da maioria ser imposto ao mundo?

Desde os estágios iniciais do adventismo, a questão do sábado como fator de polarização no fim dos tempos fez parte da escatologia e do imaginário adventista. Porém, recentemente surgiram tentativas de releituras do nosso ensino sobre o fim, relegando a expectativa da promulgação de leis dominicais ao cenário do século 19. Por isso, pautamos o tema como matéria de capa. É fato que não conhecemos a configuração do futuro, nem devemos ­especular, tampouco criar sensacionalismo. Mas dizer que o mundo hoje não comporta leis obrigando a observância do domingo seria não ver o óbvio.

Tentativas de impor leis dominicais não são novas e surgiram em muitos lugares. Em 321, o imperador Constantino promulgou a primeira lei conhecida proibindo o trabalho no domingo, e o mesmo ocorrerá no fim dos tempos. Esse é o cenário claro de Apocalipse 13 e de outros capítulos que falam da marca da besta, em oposição ao selo de Deus. Afinal, o sábado é parte essencial da ordem da criação, um memorial no tempo sinalizando quem é o Criador. Não é por acaso que o inimigo tenta mudar o dia de adoração, violar a configuração do mundo e estabelecer um reino alternativo.

CONFIAR NO CENÁRIO PROFÉTICO, AINDA QUE PAREÇA IMPLAUSÍVEL, FAZ PARTE DA FÉ

Há precedentes em vários países para as chamadas blue laws (leis azuis), que objetivam regular certas atividades no domingo. Nos Estados Unidos, onde 28 estados têm blue laws, elas são debatidas há séculos, com destaque para o século 19. A primeira lei dominical no país foi promulgada na colônia de Virgínia em 1610. Mas o ano de 1961 foi um marco, pois em um só dia (29 de maio) quatro decisões sobre diferentes casos foram tomadas em favor de leis dominicais. A Suprema Corte do país decidiu que as leis sobre ­restrições de atividades no domingo não têm caráter religioso e não ferem a constituição. Um desses casos (Gallagher v. Crown Kosher Market) foi o de um judeu que havia sido preso por abrir seu estabelecimento no domingo, violando a legislação de Massachusetts.

Em todos os casos, o juiz William Douglas, apelidado pelos inimigos de “Wild Bill” por seu estilo independente, foi uma voz discordante. Defensor da Primeira Emenda, que proíbe o Congresso de fazer leis sobre religião e limitar a liberdade de expressão, ele citou em sua peça o quarto mandamento e concluiu que o fato de muita gente “guardar o primeiro dia da semana não autoriza a legislação a tornar essa observância compulsória”. Foi voto vencido.

Apesar dos revisionismos, mais do que nunca temos que preservar os fundamentos da nossa escatologia, pois são pilares da crença e formam a subestrutura do edifício teológico. Elimine a escatologia da teologia e você perderá metade do reino. Elimine o sábado da escatologia e perderá um sétimo de sua substância. Confiar no cenário profético, ainda que pareça implausível, faz parte da fé. Acima de tudo, Deus está no controle, e Seu poder protetor é maior do que qualquer ameaça.

MARCOS DE BENEDICTO é editor da Revista Adventista

(Editorial da edição de agosto de 2021)

Última atualização em 2 de agosto de 2021 por Márcio Tonetti.