Relembre os ataques terroristas que mudaram o mundo e suas consequências 20 anos depois
Marcos De Benedicto
No ano 2000, ao lado de minha família, eu visitei o World Trade Center, complexo de sete prédios inaugurado em 1973 em Manhattan, Nova York. Olhei para o alto, contemplando as Torres Gêmeas centrais, o World Trade Center 1 (Torre Norte, 417 metros) e o World Trade Center 2 (Torre Sul, 415 metros), os edifícios mais altos do mundo na época da inauguração. Porém, não subi nas torres. Teria oportunidade de fazê-lo no futuro. Assim eu pensei. No dia 11 de setembro de 2001, olhei novamente para as imagens do local mostradas exaustivamente na TV e não mais vi as torres!
O dia 11, terça-feira, amanhecera como outro qualquer. Sol, desjejum, gravata, tailleur, jornais, sons da rua, metrô, elevador, escritório, bilhetes aéreos, decolagens, voos… Mas ele não terminaria como os outros. Aviões, prédios, fumaça, corpos se jogando, implosão, destroços, bombeiros, breaking news, novas imagens, outro ângulo, Torres Gêmeas, Pentágono, Pensilvânia, horizonte urbano alterado, acontecimento histórico, o mundo se alterando qualitativamente em questão de horas… Foi um dia para criar vertigem nos mais fracos e assombro nos mais fortes.
Na Redação da CPB, desde o primeiro momento quando ficamos sabendo dos atentados, corremos para a frente de uma grande TV de trabalho e sintonizamos na CNN. Estarrecido, pensando nas pessoas do prédio e do avião que estavam morrendo naquele momento, eu disse para um colega: “O mundo não será mais o mesmo.” De repente, a silhueta de um segundo avião, pequeno ao longe, chocou-se contra a outra torre, numa explosão de fogo, fumaça e destroços. Então começou a ser montada a sequência aterrorizante, que só se tornaria mais clara algum tempo depois:
7h59: um Boeing 767 da American Airlines, voo 11, com 92 pessoas a bordo, incluindo cinco terroristas, decola de Boston com destino a Los Angeles.
8h14: outro Boeing 767 da United Airlines, voo 175, com 65 pessoas a bordo, incluindo cinco terroristas, também sai de Boston para Los Angeles.
8h19: os comissários do voo 11 alertam a equipe de solo que o avião havia sido sequestrado, e a companhia notifica o FBI.
8h20: um Boeing 757 da American Airlines, voo 77, com 64 pessoas a bordo, incluindo cinco terroristas, decola de Washington, capital do país, para Los Angeles.
8h42: outro Boeing 757 da United Airlines, voo 93, com 44 pessoas a bordo, incluindo quatro terroristas, sai de Newark para San Francisco.
8h46: o voo 11 da American se choca contra a Torre Norte, entre os andares 93 e 99, matando todos a bordo e centenas dentro do edifício.
9h03: os sequestradores jogam o avião do voo 175 da United contra a Torre Sul, entre os andares 77 e 85, a quase 950 km/h.
9h37: os sequestradores colidem o avião do voo 77 da American com a ala oeste do Pentágono, matando 59 pessoas a bordo e 125 militares e civis dentro do prédio.
9h59: a Torre Sul, afetada pelo fogo, implode.
10h03: o avião do voo 93 da United choca-se contra o solo perto de Shanksville, Pensilvânia, matando as 40 pessoas a bordo. Informações posteriores indicaram que o alvo seria a Casa Branca ou o Capitólio, mas os passageiros lutaram com os sequestradores e desviaram a rota.
10h28: a Torre Norte também implode, 102 minutos depois ter sido atingida pelo voo 11.
Num intervalo de 1 hora e 42 minutos, as “indestrutíveis” duas torres de 110 andares estavam em ruínas. Ainda me lembro da imagem de uma delas implodindo, depois a outra. As torres eram à prova de choques de aeronaves, mas não de fogo em sua estrutura. As pessoas correndo em busca de abrigo foi outro detalhe do “espetáculo” de horrores.
Durante o incêndio, cerca de 200 pessoas saltaram para a morte. Total de mortos em todos os ataques, incluindo cidadãos de 78 países: 2.996, sem falar nos milhares de feridos. Os 19 terroristas integrantes da al-Qaeda também entraram nas estatísticas. Dos quatro voos comerciais, ninguém sobreviveu. Foi o maior atentado terrorista em território norte-americano da história. O símbolo do orgulho e da supremacia econômica dos Estados Unidos estava no chão.
Então veio o dia seguinte, e o outro, e o terceiro… Na cabeça de quem estava acompanhando de perto os eventos sinistros, muitos detalhes embaralhados: todas as aeronaves civis norte-americanas proibidas de pousar nos aeroportos do país por três dias, a repetição infindável das imagens dos aviões atingindo as torres, o terror no coração e nos olhos da sociedade, os ataques como declaração de guerra, uma nova guerra virtual, inimigo invisível, al-Qaeda, terror, império humilhado, choque de civilizações, fundamentalismo islâmico, Afeganistão, Iraque, eixo do bem x eixo do mal, ataque preventivo, liberdade em troca de segurança, vistoria nos aeroportos…
Muitos dias depois, como se um século tivesse sido comprimido em um ano, veio o primeiro aniversário: marco zero, maquetes, prefeito Bloomberg, homenagens, música, flores, o que você estava fazendo naquele dia, Hollywood não poderia ter competido com algo daquela magnitude, somos todos nova-iorquinos, imagens icônicas, histórias de heroísmo, absurdas teorias da conspiração teimando em especular que o próprio governo havia derrubado as torres…
Dez anos depois… Artigos, livros, filmes, a morte de Bin Laden servindo como vingança, o sentimento antiamericano crescendo, o império tendo que dividir o poder, o terrorismo mudando para o ciberespaço, um “profeta” sugerindo que as torres eram o equivalente da Torre de Babel querendo tocar o céu, as guerras do Afeganistão e do Iraque com mais de 4 trilhões de dólares até aquele momento levando a América à falência, a afirmação de que Nova York é diferente, é a cidade mais rica dos Estados Unidos, o centro do mundo, a cidade que não dorme (na voz de Frank Sinatra), a diversidade cultural simbolizada pelas mais de 160 línguas faladas em suas escolas, os nova-iorquinos virtuais vivendo em cidades do mundo inteiro, Nova York com 8 mil templos e confiança nos deuses, uma cidade impossivelmente romântica, na TV as reportagens (America Remembers), 2.977 vítimas (sem contar os terroristas), os nomes, a emoção, o memorial…
Olhando para o cenário global e mirando os eventos na linha do tempo 20 anos depois, fica evidente que os ataques terroristas provocaram grandes mudanças na política e na estrutura de segurança dos Estados Unidos, com gigantescos efeitos em várias partes do mundo. Afinal, como poderia a mais poderosa nação da Terra ser humilhada desse jeito? Era preciso fazer algo para resgatar a honra.
Assim, a partir de 2001, os Estados Unidos iniciaram uma guerra global ao terrorismo. Primeiro alvo: o Afeganistão, com o objetivo de depor o regime dos talibãs, que haviam se recusado a entregar Osama Bin Laden, o fundador e líder terrorista da al-Qaeda que acabaria morto pelos Estados Unidos no Paquistão em 2 de maio de 2011, na Operação Lança de Netuno. Embora ainda na noite de 11 de setembro de 2001 a CIA já houvesse apontado a al-Qaeda como responsável pelo ataque, somente em 2004 Bin Laden admitiu formalmente seu envolvimento. Pelo menos cinco pessoas sabiam antecipadamente da ação. Um relatório da comissão nacional sobre os ataques terroristas indicou que Khalid Sheikh Mohammed, o cérebro por trás da operação, arquitetou o atentado por causa da sua “discordância violenta com a política externa dos Estados Unidos favorecendo Israel”, além das “agressões” contra os muçulmanos, entre outros motivos. Ele teria mostrado o diagrama dos ataques para Bin Laden ainda em 1996.
De acordo com um relatório da Universidade Brown (link.cpb.com.br/149f31), pelo menos 37 milhões de pessoas foram deslocadas devido ao terrorismo e ao seu combate, número que talvez chegue a 59 milhões. Em agosto de 2021, completando o ciclo de 20 anos da guerra no Afeganistão, a mais longa da história dos Estados Unidos, os norte-americanos deixaram o país num estado de caos, sob o controle dos radicais talibãs. As cenas das pessoas caindo dos aviões ao tentar uma fuga desesperada do país foram chocantes. Imagens para lembrar que Bin Laden não venceu, mas os Estados Unidos também não ganharam. Todos perderam.
Em setembro de 2002, com a nova Estratégia de Segurança Nacional (NSS-2002), também conhecida como Doutrina Bush, os Estados Unidos mudaram as regras do jogo, isto é, da guerra. Em vez de ações de dissuasão, contenção e reação, eles usariam ataques preventivos, para impedir que a superioridade militar do país fosse novamente desafiada. Em um livro de entrevistas a David Barsamian, o reverenciado linguista e ativista político Noam Chomsky interpretou a nova estratégia com estas palavras: “Os Estados Unidos governarão o mundo pela força e, se houver qualquer desafio à sua dominação, seja ele percebido à distância, inventado, imaginado, ou o que for, então o país terá o direito de destruir aquele desafio antes que se torne uma ameaça” (Imperial Ambitions [Hamish Hamilton, 2005], p. 2).
Para vários autores, como Alex Luvin, a chamada guerra ao terror é uma versão da ideia americana de que os Estados Unidos são os responsáveis pela segurança global e o guardião da ordem mundial. Com base nela, o país viola a privacidade garantida pela constituição, tortura para obter informação e usa tal estratégia como pretexto para praticar a violência sancionada pelo Estado, ampliando a geografia da guerra. “A guerra ao terror dos Estados Unidos é uma guerra verdadeiramente global, já que o policiamento, a contra-insurgência, a vigilância e a violência estatal estão cada vez mais distribuídos em todos os lugares, ainda que diferentes comunidades a vivenciem de maneiras mais mortíferas do que outras”, critica o autor (Never-Ending War on Terror [University of California Press, 2021], p. 115).
Ainda em novembro de 2002, foi também criado o Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês). Sob o guarda-chuva desse superdepartamento, que tem mais de 240 mil funcionários, foram agregados 22 departamentos. Uma das principais funções dele é proteger o território norte-americano, especialmente contra o terrorismo. Depois de aperfeiçoar uma escala de alerta a respeito de riscos de ataques terroristas, substituindo o criticado sistema colorido de cinco níveis, o DHS usa hoje uma escala de três níveis: elevado, intermediário e iminente.
No entanto, esse departamento não está sozinho na missão da segurança. Sediado no Pentágono, com mais de 1,4 milhão de militares na ativa e 2,8 milhões de empregados no total, o Departamento de Defesa, que integra o Exército, a Marinha e as Forças Armadas, também cuida da segurança nacional, com foco no exterior, além de fazer guerras. O orçamento da defesa proposto para 2022 foi de 715 bilhões de dólares (mais 38 bilhões para áreas afins) e tem como objetivo combater o terrorismo, mas também fazer frente aos avanços da Rússia e à militarização da China, com sua forte presença na Ásia e em outras partes do mundo.
Às vezes, o início das guerras é previsível, mas não o seu fim. E o custo em termos financeiros e número de mortes é alto. Calcula-se que aproximadamente 15 mil militares e terceirizados norte-americanos perderam a vida por causa das guerras de 11 de setembro, sem falar nos cerca de 900 mil mortos no Afeganistão, Iraque e outros países. Segundo um estudo recente, o custo acumulado nesses anos de combate chega a 8 trilhões de dólares.
Um problema criado pelo terrorismo, com sua violência intolerável, ceifando vidas e rompendo a normalidade, é a ameaça às liberdades e aos direitos individuais por parte de países que são tentados a responder fora dos limites democráticos. A equação entre segurança e liberdade não é simples, pois abdicar de uma resposta firme em casos de ameaça terrorista é renunciar à soberania. Por outro lado, a legislação às vezes tem que ser modificada para abrir espaço à reação, respondendo ao crime com vigilância e guerra. A exceção vira a regra e, no futuro, a regra pede nova exceção, e a liberdade vai encolhendo. A defesa da vida dos cidadãos se torna ameaça aos direitos deles. Num estado de emergência, leis de emergência acabam sendo aprovadas para legitimar as ações do Estado no combate ao terrorismo com base legal.
Tocando em algumas dessas questões, os autores do livro Post 9/11 and the State of Permanent Legal Emergency (Springer, 2012) advogam que nem o contraterrorismo valida o uso irrestrito do poder do Estado. Porém, o fenômeno da criminalidade extremista que exige medidas excepcionais não é novo. Por exemplo, as autoridades dos países da Europa Central no período de 1789 a 1914 tiveram que lidar com crimes e ameaças que pediram novas legislações (p. 3).
Naturalmente, os ataques também arranharam a imagem dos muçulmanos no Ocidente, já que muitas pessoas não conseguem distinguir entre os moderados e os extremistas. Porém, esse julgamento não é justo com a segunda maior religião do planeta. Afinal, os terroristas são uma minoria no universo de 1,9 bilhão de adeptos do islamismo (26% da população mundial). Ouça aqui o nosso podcast sobre os ataques de 11 de setembro.
Evelyn Alsultany vê iniciativas saudáveis e criativas na mídia para acabar com esses estereótipos, como diversificar as identidades muçulmanas e simpatizar com a situação difícil dos árabes americanos. Para ela, “o problema é que essas representações estão acorrentadas à guerra ao terror, associando assim a identidade muçulmana indelevelmente com terrorismo, extremismo e opressão”. A esperança dela “é ver personagens árabes e muçulmanos em contextos que pouco têm que ver com terrorismo, extremismo ou opressão” (Arabs and Muslims in the Media [New York University Press, 2012], p. 171).
E o mesmo poderia ser dito da imagem do Ocidente cristão aos olhos dos muçulmanos. As guerras e violência de Estado, a desigualdade social e a discriminação, a cultura considerada imoral e decadente, tudo isso projeta uma imagem sombria do cristianismo. Até por isso, entre outros fatores, fracassaram ridiculamente as tentativas norte-americanas de exportar a vida de Harvard para o Afeganistão por meio de pacotes culturais, segundo a caracterização ácida de um analista britânico mencionado na revista Veja (link.cpb.com.br/8631e9).
No plano adventista, alguns associaram os eventos de 11 de setembro com afirmações de Ellen White de que ela havia testemunhado cenas de fogo destruindo altos prédios “supostamente à prova de fogo” (Testemunhos Para a Igreja, v. 9, p. 12, 13; Eventos Finais, p. 99). Seria 11/9 o cumprimento de profecias da mensageira do Senhor? Alguns acham que sim, pois há similaridades nas descrições; outros defendem que não, pois ela não viu aviões, nem torres gêmeas, e não diz que isso ocorreu em Nova York, mas que ela estava lá ao presenciar as cenas.
Em outra frente, poderia 11 de setembro ter contribuído para o fortalecimento ideológico dos Estados Unidos em seu papel de dragão, o “monstro” perseguidor no fim dos tempos, ou “besta da terra”, conforme Apocalipse 13? Se levarmos em conta o desenrolar dos fatos, incluindo o desejo de manter a supremacia militar, política, econômica e cultural a qualquer preço e a tentativa de potencializar o cristianismo na versão da direita cristã, que mistura política e religião, a resposta é um inequívoco sim. A “besta” foi ferida, mas não morreu. Ao contrário, teve seus instintos aguçados.
Por fim, vale a pena observar que 11/9, o arquétipo do terrorismo, é uma lembrança de que o terror amedronta nosso planeta todos os dias, há milênios. Estamos em guerra cósmica. O mundo vive um constante 9/11 (nine-eleven), como os norte-americanos passaram a chamar a data. Por isso, precisamos de uma linha direta com o verdadeiro 911 (para contextualizar, 911 é o número do serviço de emergência nos Estados Unidos), acima do plano terrestre. O salmo 91 diz que aquele que habita no abrigo do Altíssimo não precisa temer o terror noturno nem as setas (em forma de avião ou não) que voam de dia. Num mundo em guerra, a torre do Altíssimo é o abrigo mais seguro para nós.
MARCOS DE BENEDICTO, pastor, jornalista e doutor em Ministério, é editor da Revista Adventista
Última atualização em 17 de setembro de 2021 por Márcio Tonetti.