Se a discriminação contra o gênero feminino ainda persiste, a culpa não é da Bíblia
Marcos De Benedicto
Se você fosse fazer um levantamento das 100 mulheres mais importantes da história, quem você incluiria? Caso fosse enumerar dez mulheres de destaque na Bíblia, quem entraria na sua lista? E se fosse nomear cinco mulheres com um papel decisivo em sua vida, quem você escolheria?
Ainda bem que não precisamos limitar a um pequeno grupo o número das mulheres que abençoaram o mundo e nossa existência, pois elas são incontáveis. Entretanto, no mês em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher, podemos relembrar o papel feminino no livro sagrado, tema da matéria de capa desta edição. Estudos e achados arqueológicos recentes têm demonstrado que as mulheres tinham um espaço destacado nos tempos bíblicos e no início do cristianismo. A impressão é de que os homens tinham autoridade formal, enquanto algumas mulheres conquistavam poder informal.
Apesar da alta estima que a Bíblia dedica à mulher, o judeu ortodoxo fazia uma controvertida oração diária agradecendo por não ter nascido mulher, além de gentio e escravo (Talmude Babilônico, Menahot 43b; Talmude Palestino, Berakhot 9d). A explicação é que, assim, o religioso teria mais tempo para se dedicar ao aprendizado das coisas espirituais, uma vez que a mulher estava dispensada de parte dos preceitos exigidos dos homens. No entanto, o sentido discriminatório mais superficial foi o que se popularizou. Por isso, em protesto, um livro de orações (siddur) feito na Idade Média para uma noiva rica inverteu o pensamento: “Bendito sejas Tu, Senhor nosso Deus, Rei do Universo, porque me criaste mulher e não homem!” A história dessa tríplice oração judaica é reconstruída por Yoel Kahn no livro The Three Blessings (Oxford University Press, 2011).
Longe do universo bíblico, o patriarcalismo escreveu uma longa e lamentável história de abuso da mulher. No início do século 20, Dorothy Sayers perguntou no título de um livro de ensaios: “As mulheres são humanas?” Isso pode parecer absurdo, mas reflete o questionamento da autora sobre o tratamento desumano dado à mulher em muitas culturas na época e até hoje.
A discriminação acabou gerando três ondas de reações feministas (fim do século 19, anos 1960/1970, década de 1990 para cá). Apesar dos excessos e extravagâncias, são inegáveis alguns avanços em direção à igualdade. Em 1997, por exemplo, a média mundial da representação feminina nos parlamentos era de 12%. Em 2015, pulou para 23%. Nas Américas, o número de mulheres nas casas legislativas chegou a 27% em 2015.
Esse fenômeno está causando uma rápida mudança na sociedade. Contudo, isso não quer dizer que a situação das mulheres esteja tranquila. Em muitos países, há uma enorme disparidade em relação ao estudo. Segundo a Unesco, dois terços dos 750 milhões de adultos analfabetos no mundo são do sexo feminino. Em algumas culturas e religiões, ainda prevalece a ideia de que a mulher não pode atingir o mesmo grau de sabedoria, santidade, liderança, autoridade e status que o homem.
Nas últimas décadas, o mundo evangélico também tem se envolvido em uma forte polarização sobre o papel da mulher na liderança. Ao estudar a melhor maneira de valorizar as mulheres e engajá-las na vida da igreja, é importante fazê-lo com humildade, respeito e espírito de unidade. Ao longo da história, Deus sempre tem sido mais justo, bondoso e inclusivo do que Seu povo. Precisamos aprender com Ele.
MARCOS DE BENEDICTO é editor da Revista Adventista
(Editorial da edição de março de 2018)
Última atualização em 14 de março de 2018 por Márcio Tonetti.