Por que o mundo se transformou em uma gigantesca fábrica de mentiras
Marcos De Benedicto
Nos últimos anos, a disseminação de notícias falsas atingiu um nível alarmante. A fronteira entre fatos e boatos, verdade e mentira, realidade e fantasia tornou-se tão tênue que muitos a cruzam sem perceber. E o tema ganhou uma atenção descomunal. Há inúmeros estudos acadêmicos sobre o tópico. A viralização das fake news até levou o Supremo Tribunal Federal a validar um inquérito para apurar ameaças aos ministros da corte e investigar a existência de um esquema de desinformação.
Um estudo do MIT sobre transmissões de 126 mil notícias (threads) pelo Twitter entre 2006 e 2017 indicou que a mentira circula muito mais rapidamente e vai mais longe do que a verdade. A probabilidade de que uma notícia falsa seja retuitada é 70% maior. Enquanto os robôs aceleram a circulação de verdades e mentiras, as pessoas espalham mais a mentira. As mídias sociais, em especial, se tornaram fontes de falsidades. O pior é que em 2022, segundo a consultoria Gartner, a população consumirá mais notícias falsas do que verdadeiras.
Muitas notícias falsas simulam o estilo das notícias reais a fim de passar credibilidade. Mas, com um olhar crítico, elas podem ser detectadas. A simples conscientização a respeito da desinformação já melhora a capacidade de percebê-la. Por isso, é importante desenvolver a “meta-alfabetização”, uma combinação de conhecimentos sobre a mídia, o ambiente digital, o aspecto visual, o ciberespaço e a informação. É importante verificar quem é o autor, a origem da notícia, a data, a confirmação por outros meios, o fato por trás da manchete, os interesses envolvidos e, se necessário, consultar um especialista ou site de verificação.
Conforme Michael V. Bronstein e outros descreveram em um artigo no Journal of Applied Research in Memory and Cognition em 2019 (v. 8, p. 108-117), algumas pessoas são mais predispostas a acreditar em ilusões e ideias implausíveis, devido à sua tendência de não se engajar em pensamento crítico e analítico. Por incrível que pareça, “indivíduos dogmáticos e fundamentalistas religiosos também se mostraram mais inclinados a acreditar em notícias falsas”.
Isso indica que precisamos desenvolver nossa capacidade de fazer uma leitura crítica dos fatos. Alguns países, como Itália e Portugal, já estão investindo em educação para a mídia. Isso é fundamental. Mas, em nosso contexto, o aprendizado da verdade revelada é ainda mais importante, pois fornece a ferramenta para ler toda a realidade de maneira consciente.
Do ponto de vista escatológico, a mentira se intensificará cada vez mais, como mostra a matéria de capa. O regime de engano entrou no mundo por meio da serpente (Gn 3) e será erradicado somente quando a antiga serpente for destruída (Ap 20). Até lá, a mentira ganhará terreno, tentando matar a verdade. Jesus insistiu que devemos cuidar para não sermos enganados, especialmente no fim (Mt 24:4, 5, 11). A mentira seria tão elaborada que, se possível, os próprios escolhidos seriam enganados (v. 24). Somente quem ama a verdade conseguirá discernir os enganos (2Ts 2:10). O Apocalipse apresenta um cenário de engano sistemático, generalizado e intencional. Não se trata de um mero declínio da verdade, mas de uma tentativa de estabelecer o reino da mentira, um mundo de versões alternativas.
Na Bíblia, verdade e mentira têm origens opostas: Jesus, a personificação da verdade (Jo 14:6), e Satanás, o “pai da mentira” (Jo 8:44). De que lado estamos? Neste mundo alvejado pela mentira, fiquemos com a verdade, que ilumina a vida, desperta o amor e liberta.
MARCOS DE BENEDICTO é o editor da Revista Adventista
(Editorial da edição de agosto de 2020)
Última atualização em 17 de agosto de 2020 por Márcio Tonetti.