Qual deveria ser a atitude da igreja quando o impensável acontece em seus domínios?
Marcos De Benedicto
Crises. Quem não tem? Só quem está morto. Por isso, se você está lendo este texto, é sinal de que já enfrentou e enfrenta crises. Assim como elas atingem as pessoas, afetam também governos, empresas e igrejas. Na verdade, o próprio mundo começou com uma crise e terminará com outra. E a igreja cristã nasceu em meio a uma crise externa (perseguição) e outra interna (divisão teológica sobre a inclusão e a exclusão de pessoas no grupo), como registra o livro de Atos (6, 12, 15).
Entidades idealizadas no Céu e localizadas na Terra, compostas por cidadãos do futuro ainda vivendo no presente, igrejas são terrenos férteis para crises. Quando a igreja toma posições erradas, provê respostas erradas, se comporta de maneira errada e adota uma agenda errada, as crises aparecem. Se perguntássemos a um membro de qualquer denominação qual é a pior crise de sua igreja hoje, as respostas poderiam incluir dificuldade financeira, escassez de liderança, queda do número de membros, declínio da espiritualidade e imoralidade. Motivos para crises não faltam, pois há um departamento no inferno trabalhando dia e noite para idealizá-las.
A Igreja Católica, por exemplo, atravessa um de seus piores momentos. Se não bastasse a crise vocacional e de fé, alguns tradicionalistas insatisfeitos com a política do Vaticano até se perguntam se o papa é mesmo católico! Além disso, há os gravíssimos escândalos sexuais. Numa carta endereçada ao “povo de Deus” em 20 de agosto de 2018, o papa Francisco reconheceu a magnitude da dor causada aos mais vulneráveis pelo abuso sexual e de poder. E condenou a cultura do “clericalismo”, que permite o abuso e ainda tenta escondê-lo, mantendo silêncio.
Entretanto, não devemos apenas olhar criticamente para outros quintais. Temos nossos próprios problemas. Na área de teologia, o adventismo tem enfrentado várias crises, algumas surgidas e nutridas nos extremos da fé, como explora a matéria de capa. Naturalmente, o autor poderia mencionar outros casos relacionados a indivíduos ou instituições. As crises sempre irrompem quando as pessoas seguem caminhos errados e a igreja falha em ser igreja.
A igreja, em qualquer de suas formas, dá muito trabalho para Deus, embora também proporcione alegrias. Não é fácil gerenciá-la. O importante é que, apesar das crises, ela será vitoriosa (Mt 16:18). Resiliente, a igreja triunfa sobre as forças da morte não por ser invencível, mas por ser redimida, purificada e impulsionada por Deus. Enquanto a igreja estiver unida a Cristo, ela não perderá o rumo. “Haverá crises nesta causa”, diz Ellen White (Testemunhos Para a Igreja, v. 3, p. 498). Contudo, se tivermos uma “ação pronta e decisiva”, os triunfos serão gloriosos. “Movimentos rápidos no momento crítico frequentemente desarmam o inimigo.”
No fundo, a questão não é a existência de crises, mas como as encaramos. Por isso, em palestras motivacionais virou lugar-comum dizer que os ideogramas chineses para “crise” (wei-ji) significam “perigo” e “oportunidade”, se bem que ji indica mais propriamente um “ponto crítico” em que as coisas acontecem do que “oportunidade”. A crise é a catalisadora da transformação. Para melhor ou pior, grandes crises desencadeiam enormes mudanças. Ninguém sai delas do mesmo jeito. Porém, será que aproveitamos nossas crises? Se a dor da crise não levar a uma fé mais robusta, a uma esperança mais forte e a uma vida mais santa, ela foi inútil. Assim, aproveite as crises para crescer.
MARCOS DE BENEDICTO é editor da Revista Adventista
(Editorial da edição de outubro de 2019)
Última atualização em 21 de outubro de 2019 por Márcio Tonetti.