Por que você deve pensar em adotar o minimalismo digital
Marcos De Benedicto
A relação entre os neurônios e os chips nunca foi das melhores. Ela funciona bem no início, quando os neurônios criam os chips. Mas depois os chips ganham vida e querem dominar. Alimentam-se dos neurônios. Se a pessoa não cuidar, sobra apenas uma cabeça oca. Devagar, algoritmicamente, os chips vão transformando a pessoa em viciada digital. Se a tecnologia que facilita e valoriza a vida é boa, a que a empobrece e diminui é má.
Muitos especialistas e autores sabem do que estou falando. Por isso, têm alertado sobre os riscos digitais e estão propondo uma redução radical do uso dos dispositivos que controlam nossa vida. Por exemplo, Cal Newport, professor de ciência da computação, argumenta que o que precisamos “é de uma filosofia de uso da tecnologia, algo que capture, desde o princípio, quais ferramentas digitais permitimos em nossa vida, por quais razões e sob quais restrições” (Minimalismo Digital [Alta Books, 2019], p. 26). A dopamina digital é real e perigosa, conforme reconhecem vários pesquisadores. Substância do prazer, a dopamina pode ser desencadeada por gatilhos como curtidas e likes.
É impossível voltar no tempo e viver na era pré-tecnológica. A tecnologia oferece muitos benefícios, como informações em tempo real, contatos com pessoas distantes, comunicação onipresente e possibilidades educativas. Porém, ser escravo dos dispositivos digitais é insanidade. Não podemos nos transformar em bits codificados por 0 e 1 ou, no máximo, em bytes, com seus oito bits.
A tecnologia tem impacto financeiro, físico, psicológico, espiritual e ético. O pior é quando as vítimas são as crianças, que estão entrando cada vez mais cedo em contato com esse mundo luminoso. Gary Chapman e Arlene Pellicane mencionam o caso de uma menina do 6º ano que enviou 3.500 mensagens de texto em um mês, média de 116 por dia. E lamentam que, quanto mais tempo a criança passa na frente das telas, menos ela interage com os pais, os irmãos e os amigos. Ironicamente, o aparelho que conecta os
que estão longe pode desconectar os que estão perto. Além disso, uma vez que os pequenos são nativos digitais e os pais são imigrantes digitais, os filhos acham que sabem mais e que estão no controle (A Criança Digital [Mundo Cristão, 2020], p. 13, 14, 45, 194, 195).
O catálogo de problemas acarretados pelo uso disfuncional da tecnologia digital é longo: alteração na arquitetura cerebral, dependência, narcisismo, má postura física, distanciamento social, criação pobre de memórias, solidão, ansiedade, depressão, baixa autoestima, mudança de humor, impaciência, déficit de atenção, busca de respostas rápidas, aversão às recompensas tardias, insensibilidade à violência, exposição a conteúdo sexual impróprio, sedentarismo, alteração nos hábitos alimentares, sono irregular, obesidade, leitura superficial, incapacidade de reflexão, mau desempenho escolar, cyberbullying, e a lista continua…
Kimberly S. Young, uma das autoras de Dependência de Internet em Crianças e Adolescentes (Artmed, 2019, p. 155-158), sugere o que ela chama de “prevenção 3-6-9-12”: até os 3 anos, nunca, em nenhum lugar; dos 3 aos 6, 1 hora por dia, sob constante supervisão dos pais; dos 6 aos 9, até 2 horas por dia, com monitoramento dos pais; dos 9 aos 12, integração ou alfabetização em mídias, mostrando o que é bom e o que é ruim; dos 12 aos 18, busca da independência, com uma “dieta” digital balanceada.
Parafraseando Jesus (Mt 7:9, 10), qual é o pai ou a mãe que, se o filho pequeno pedir um brinquedo, vai dar um smartphone? Não pense que os criadores da tecnologia digital estão interessados na vida espiritual e moral do seu filho. Enquanto é tempo, leia a matéria de capa e, se necessário, desconecte seu filho do mundo digital e reconecte-o ao mundo real.
MARCOS DE BENEDICTO é editor da Revista Adventista
(Editorial da edição de outubro de 2021 da Revista Adventista)
Última atualização em 11 de outubro de 2021 por Márcio Tonetti.