O vírus do fim ou o fim do vírus?

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O que você precisa saber sobre o coronavírus no contexto da crise do fim do mundo
MARCOS DE BENEDICTO
Foto: Adobe Stock

Desde 23 de janeiro, dia em que as autoridades chinesas decidiram “fechar” a cidade de Wuhan, o novo coronavírus começou a desafiar fronteiras, a crescer na mídia e a ocupar a mente das pessoas de tal maneira que se tornou o “senhor” da vida e da morte no planeta. É como se o vírus, sequestrando o sistema de comunicação mundial, tivesse infectado os computadores, controlado as televisões e alterado os relógios do globo. Isso não significa que a mídia não esteja prestando um ótimo serviço; a observação é apenas no sentido de realçar um fenômeno social.

Apesar da informação, o desconhecimento ainda é grande. As pesquisas científicas sobre o vírus, cuja sequência genética foi logo mapeada, não foram suficientes para deter as especulações e os temores. Mesmo depois que um estudo de Paraskevis, Kostaki, Magiorkinis e outros publicado no periódico Infection, Genetics and Evolution revelou que não há indícios de manipulação genética do novo coronavírus, rejeitando “a hipótese da emergência como resultado de uma recombinação recente”, as teorias da conspiração não cessaram.

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Como interpretar a pandemia

O vírus é muito pequeno, mas causou grande impacto. Os vírus são cerca de 100 vezes menores do que as bactérias. Os coronavírus humanos têm, em média, 125 nanômetros. O atual é ainda menor. De acordo com um estudo de Jeong-Min Kim e outros publicado no periódico Osong Public Health and Research Perspectives em fevereiro, o tamanho do novo coronavírus, observado em microscópio eletrônico, varia entre 70 e 90 nanômetros. Um nanômetro (nm) equivale a um milionésimo de milímetro ou um bilionésimo de metro (0.000000001 metro ou 1 dividido por 1 bilhão). Apesar de seu tamanho minúsculo, os vírus infectam todos os tipos de organismos e atacam até as bactérias (por isso, são chamados de bacteriófagos, termo que veio do grego e significa “comedor de bactérias”). A crise gerada por algo tão pequeno deveria chamar a atenção para algo muito maior.

Causador de uma síndrome respiratória grave, o novo coronavírus passou a dificultar a “respiração” da humanidade. Muitos estão ofegantes e precisam de oxigênio teológico. Um respeitável cristão me ligou e perguntou minha opinião sobre a crise atual. Seria a pandemia um sinal do fim dos tempos? Outro, menos instruído e igualmente assustado, queria saber se a pandemia já é uma manifestação das pragas do Apocalipse. Muitas pessoas estão fazendo as mesmas perguntas. E não só no Brasil. Como você responderia? O que nosso livro sagrado ensina?

O que diz a Bíblia

A resposta objetiva para a pergunta se a pandemia é um sinal do fim dos tempos pode ser sim ou não. Tudo depende do conceito de “sinal”. Claude Richli, secretário associado da sede mundial da Igreja Adventista, relatou na Adventist Review que estava falando em uma igreja da Ásia dias atrás e perguntou: “O coronavírus é um sinal do fim?” Todos, exceto um ouvinte, levantaram a mão. Ele elogiou esse solitário corajoso e então explicou que tanto o “sim” quanto o “não” estão corretos. Porém, o “sim” não deve ser interpretado da maneira em que a maioria entende os sinais, o que torna o “não” certo também.

Jesus predisse que, além de guerras, fomes e terremotos, haveria “pestes” ou “pestilências”, termos que aparecem em Mateus 24:7 e Lucas 21:11, dependendo da versão bíblica (algumas traduções omitem a palavra “pestes” em Mateus). Porém, Ele advertiu que essas coisas são anúncios ou sinais indicando que algo espetacular está para acontecer, mas ainda não configuram o fim (Mt 24:6-8; Lc 21:9-11). Para usar a metáfora bíblica, esses eventos são “o princípio das dores de parto”, o que indica que o Filho (Jesus) vem depois das crises. Portanto, a tendência da história é mais importante do que um evento específico. Não fixe os olhos no vírus, mas no que vem depois dele.

Na sequência dos dois relatos, Cristo adverte que antes dessas catástrofes haveria uma grande perseguição aos fiéis. O contexto indica que isso se aplicaria ao 1º século, na época da destruição de Jerusalém pelos romanos, e também ao fim do mundo, antes da volta de Jesus à Terra. Nos dois casos, os cristãos deveriam manter um senso de urgência, um espírito de vigilância e uma atitude de serviço.

O Apocalipse (veja os capítulos 15 e 16) também fala de “pragas” muito intensas no fim dos tempos, mas deixa claro que elas ocorrerão bem no fim, no contexto de perseguição e com um forte componente religioso. O fator “doença” também estará presente: “O primeiro anjo foi e derramou a sua taça pela terra, e abriram-se feridas malignas e dolorosas naqueles que tinham a marca da besta e adoravam a sua imagem” (Ap 16:2).

Entretanto, isso não significa necessariamente que será uma pandemia causada por vírus, embora nada impeça que seja. Afinal, os vírus são as partículas biológicas mais abundantes do planeta (para saber mais, clique aqui), ultrapassando as bactérias na proporção de 10 a 1 (1031 vírus contra 1030 bactérias). Trata-se de um número astronômico para cada célula do nosso corpo.

Se ao longo da história as pragas têm sido causadas por vários agentes, como o desarranjo da natureza, o ser humano, Satanás e Deus, no relato do Apocalipse não resta dúvida de que elas serão enviadas ou permitidas pelo Céu. João diz: “Vi no céu outro sinal, grande e maravilhoso: sete anjos com as sete últimas pragas, pois com elas se completa a ira de Deus” (Ap 15:1). O fato de as pragas serem trazidas por anjos evidencia que elas surgem por determinação divina. A ideia de “completar” a “ira de Deus” indica que houve julgamentos anteriores e que eles foram permitidos ou enviados por Ele para algum propósito.

Outros versos do Apocalipse igualmente reforçam a ideia de que as pragas finais serão fenômenos naturais, mas com origem sobrenatural: “Saíram do santuário os sete anjos com as sete pragas” (Ap 16:6); “Então ouvi uma forte voz que vinha do santuário dizendo aos sete anjos: ‘Vão derramar sobre a terra as sete taças da ira de Deus’” (Ap 16:1). O “santuário” indica o lugar do governo, da adoração e do julgamento de Deus.

Essas pragas serão enviadas não porque Deus seja vingativo, mas porque a humanidade se desviou do caminho certo. A terceira praga, por exemplo, é descrita como um ato de justiça para retribuir a violência causada contra as pessoas fiéis (Ap 16:5-7). Embora as sete pragas finais estejam agendadas para um estágio em que não haverá mais chance de salvação, cada catástrofe na atualidade é um convite para reflexão e mudança de rumo. Deus usa recursos extremos para tentar atrair o mundo de volta para Si.

“Assim, embora não possamos dizer que o coronavírus deva ser considerado um sinal do fim, isso não significa que as circunstâncias que estamos enfrentando, com seu impacto em longo prazo, não terão uma qualidade apocalíptica, afetando o curso da história e talvez a acelerando na direção do cumprimento da profecia”, conclui Claude Richli. Até mesmo a aceitação do evangelho talvez se intensifique. Deus pode transformar coisas ruins em algo bom, como já ocorreu inúmeras vezes.

Lições de pandemias anteriores

Ao longo da história, a humanidade enfrentou muitas pandemias piores que a atual e sobreviveu a todas, mas teve que fazer ajustes. Vou mencionar apenas três casos.

No 3º século (249 a 262 d.C.), uma pandemia atingiu fortemente o Império Romano, matando até 5 mil pessoas por dia na capital (Roma). A doença ficou conhecida como “peste de Cipriano” porque o líder religioso de Cartago escreveu sobre a pandemia, fortaleceu a fé dos cristãos e promoveu uma agenda positiva em meio ao caos. Os historiadores são quase unânimes em afirmar que a pandemia, que exerceu influência na queda de Roma, ajudou na expansão do cristianismo.

“No calor da perseguição e da praga, Cipriano apelou para que seu rebanho mostrasse amor ao inimigo”, sublinhou o historiador Kyle Harper (The Fate of Rome: Climate, Disease, and the End of an Empire [Princeton University Press, 2017], p. 156). Segundo ele, “depois que o fogo da crise se apagou, suas cinzas deixaram um campo fértil para a expansão do cristianismo.” Esse é um exemplo positivo para os cristãos de hoje, que não devem julgar os outros, mas mostrar solidariedade.

No século 14, uma pandemia conhecida como “peste negra”, devido aos sintomas, matou entre 75 e 200 milhões de pessoas na Ásia e na Europa. A doença, causada por uma bactéria (Yersinia pestis) e cujo auge ocorreu entre 1346 e 1353, com recorrências, teve um alcance global. Somente no século 17 a população mundial voltou ao nível pré-pandemia. Vale mencionar que, em face de teorias alternativas defendendo que essa pandemia teria origem microbiológica ou viral, Ole J. Benedictow apresentou uma forte defesa de que ela realmente foi causada pela peste bubônica. A discussão está bem documentada em seu livro What Disease Was Plague? On the Controversy over the Microbiological Identity of Plague Epidemics of the Past (Brill, 2010).

Avançando para o século 19, a pandemia de influenza de 1918-1919, a chamada “gripe espanhola”, que por sinal surgiu nos Estados Unidos, infectou cerca de 500 milhões de pessoas e matou de 50 a 75 milhões. Ao contrário da pandemia atual, ela vitimou muita gente jovem, às vezes causando a morte dentro de 24 horas depois da manifestação dos primeiros sintomas. Os novos meios de transporte ajudaram a espalhar a doença, assim como ocorre hoje no mundo globalizado. Porém, a comunicação era muito mais precária. Na verdade, foi até proibido falar sobre o assunto em público.

A Igreja Adventista também foi afetada pela crise e o isolamento, mas procurou responder com ajuda ao próximo, inclusive por meio de sua rede hospitalar. Em 11 de outubro de 1919, os líderes da sede mundial tomaram uma resolução intitulada “Organizando as Igrejas para o Trabalho de Emergência”. O documentou recomendou que, “em tempo de epidemia ou outra emergência séria na área de saúde, as Associações [sedes regionais] devem fazer todo o possível para mobilizar as igrejas e prepará-las para atender as necessidades do nosso próprio povo e ajudar os outros, convocando nossos médicos e enfermeiros disponíveis para instruir e dirigir esse trabalho” (General Conference Committee Minutes, 11 de outubro de 1919, p. 412).

A resposta adequada

Do ponto de vista espiritual, além do exemplo na prevenção, a resposta mais apropriada diante da crise é demonstrar na prática o amor e a esperança do evangelho, intensificando a solidariedade para com os que sofrem. Num momento de instabilidade, é preciso prosseguir confiando no Deus inabalável, sem pânico, pois a promessa Dele é que não seremos atingidos pela “peste que se move sorrateira nas trevas” nem pela “praga que devasta ao meio-dia” (Sl 91:6). Isso não quer dizer que não seremos afetados ou mesmo mortos pela pandemia; significa que o vírus pode atacar nosso corpo, mas não pode destruir nossa fé. Em qualquer circunstância, Deus é nosso refúgio.

“Não esperemos minúsculos vírus paralisar nossa vida e trazer temor quanto ao futuro. A melhor notícia é que Cristo morreu para destruir o pior ‘vírus’ da história da humanidade, que afetou a todos e tem um índice de mortalidade de 100%”

Apesar disso, no momento apropriado e no tom certo, é necessário advertir a sociedade de que pandemias piores estão pela frente, no plano natural e no âmbito sobrenatural. No caso do novo coronavírus e de outras doenças, vários especialistas e escritores vêm alertando os governos, mas pouca providência foi tomada. Na capa da revista New Scientist de 9-15 de maio de 2015 apareceu um fractal psicodélico sob o título: “A nova praga: estamos a uma mutação do fim do mundo como o conhecemos”. Quando se olha bem, percebe-se que a imagem é formada por centenas de vírus, com destaque para um “metavírus” no centro. Alguns advertem que uma nova pandemia de gripe (influenza) parece inevitável. Será que estamos preparados para a pandemia? A resposta óbvia é não. Passamos “quase” incólumes pela pandemia de H1N1 em 2009, mas isso não é garantia de será sempre assim.

“A questão não é se ocorrerá outra pandemia de influenza, mas quando”, registrou Scott Barbour no livro Is the World Prepared for a Deadly Influenza Pandemic? (ReferencePoint Press, 2011, p. 8). O escritor Paul Kupperberg também acha que a questão não é se, mas quando. E comenta que os cientistas, embora muito mais bem equipados do que há cem anos, “ainda não sabem como prevenir ou curar a influenza” (The Influenza Pandemic of 1918-1919 [Chelsea House, 2008], 94). De acordo com Christos Lynteris, “a ideia da próxima pandemia como um evento que ameaça a humanidade com a extinção iminente surgiu no início dos anos 1990 devido a uma mudança no raciocínio epidemiológico, que deu origem à noção agora prevalecente de doenças infecciosas emergentes [EID, na sigla em inglês]” (Human Extinction and Pandemic Imaginary [Routledge, 2020], p 6).

As pandemias do passado “são lembretes de que esses surtos periódicos de doenças terríveis são como a natureza segurando uma espada sobre a cabeça da humanidade, sugerindo uma metáfora de batalha ou guerra”, compara Michael C. LeMay (Global Pandemic Threats [ABC-CLIO, 2016], p. 6). Independentemente da metáfora, esses lembretes costumam ficar gravados na memória coletiva por muito tempo.

As pragas sobre o Egito no tempo do êxodo dos israelitas, por exemplo, deixaram uma marca profunda no mundo antigo e na Bíblia, chegando até o Apocalipse. Os israelitas costumavam atribuir tudo a Deus, em última análise, afirmando o conceito da justiça divina retributiva. Contudo, em tempos de grandes catástrofes e profundas crises, ocorria uma ruptura cognitiva, cultural e religiosa. Então era preciso repensar o repertório de explicações para trazer “o retorno da consonância cognitiva”, conforme analisa Warren C. Robertson no livro Drought, Famine, Plague and Pestilence (Gorgias Press, 2010, p. 134).

De modo semelhante, a grande praga de Londres em 1665 transformou a literatura da época, que apelou para o próprio modelo das pragas bíblicas. “Os textos religiosos e médicos estavam entre os mais procurados nos tempos da praga”, avalia Kathleen Miller em The Literary Culture of Plague in Early Modern England (Palgrave Macmillan, 2016, p. 214), referindo-se aos dois subgêneros literários que dialogavam entre si e passaram por grandes transformações. Se o interesse por temas relacionados à doença explodiu, o mesmo deve ocorrer em relação à atual pandemia, que fascinou a mídia e deve reaparecer em livros e filmes.

Pandemias, às vezes, trazem inovações médicas e mudanças pessoais. Mas, infelizmente, elas vêm depois de muito sofrimento. Além disso, quando os problemas desaparecem, os governos e as pessoas tendem a se esquecer rapidamente de suas promessas e boas intenções.

A Bíblia prediz que isso ocorrerá em relação às sete pragas finais, que cairão depois do chamado fechamento da porta da graça, o tempo de oportunidade. Em referência ao aquecimento insuportável do sol durante a quarta praga, o autor do Apocalipse (16:9) comenta: “Estes foram queimados pelo forte calor e amaldiçoaram o nome de Deus, que tem domínio sobre estas pragas; contudo se recusaram a se arrepender e a glorificá-Lo.”

Em relação à praga seguinte, que cai sobre o centro do poder político-religioso perseguidor e deixa seu reino em trevas, ele diz: “De tanta agonia, os homens mordiam a própria língua, e blasfemavam contra o Deus do céu, por causa das suas dores e das suas feridas; contudo, recusaram-se a arrepender-se das obras que haviam praticado” (Ap 16:10, 11).

Nos dois casos, a conjunção adversativa “contudo” sugere que a resposta lógica seria uma mudança de comportamento, mas isso não ocorrerá. O que mais a humanidade precisa para se voltar totalmente para Deus? Às vezes, nem pandemias resolvem.

O mundo parado, cidades desertas, pessoas isoladas, o papa dramaticamente rezando sozinho na Praça de São Pedro e oferecendo perdão a 1,3 bilhão de católicos, a Itália contando um número recorde de mortos (quase mil) no mesmo dia 27 de março, tudo isso deveria fazer a gente pensar. Não esperemos minúsculos vírus paralisar nossa vida e trazer temor quanto ao futuro.

A melhor notícia é que Cristo morreu para destruir o pior “vírus” da história da humanidade, que afetou a todos e tem um índice de mortalidade de 100% (Rm 3:23; 6:23). Portanto, nada pode nos separar do amor de Deus revelado em Cristo (Rm 8:31-39), muito menos um vírus, por mais mortal que seja. A última palavra não é do vírus, mas de Deus. No mundo que Deus está preparando não haverá mais vírus, nem pandemias, tampouco lágrimas (Ap 21:1-4). O vírus não é o senhor do planeta. Deus é o Senhor da história, do mundo e da vida.

MARCOS DE BENEDICTO, doutor em Ministério, com um pós-doutorado na área de estudos sobre o fim, é editor-chefe da Casa Publicadora Brasileira e escreve regularmente para a Revista Adventista

Última atualização em 15 de abril de 2020 por Márcio Tonetti.