O segredo das parábolas de Jesus e do poder das histórias
Marcos De Benedicto
Brilho na face, semblante sereno, olhar amigável, manto azul ao vento, Ele apareceu caminhando sozinho ou em grupo pelas praias da Galileia, nas colinas da Judeia e nos recintos do templo de Jerusalém. Onde estava Deus, lá estava Ele, e vice-versa. Também, onde havia gente, lá Ele aparecia para curar, animar e indicar novos caminhos. E para contar histórias. Muitas histórias. Na verdade, Ele era a personificação da História e das histórias.
Chamava as histórias de parábolas, pequenos recortes imaginários ou reais da vida para surpreender os ouvintes e ensinar uma lição moral ou espiritual. Cada parábola, com seu subtexto formado por ecos de verdades eternas, lampejos de uma mente criativa e interrogações do cotidiano, era uma combinação inteligente de enredo e personagens para suscitar exclamações, despertar emoções e criar um efeito no coração. A intenção, em geral, era ensinar apenas um ponto, mas que ponto!
A primeira vez que Y viu o jovem Rabi contar uma história, ficou fascinado. “Ninguém nunca falou como esse Homem”, pensou. “Ele fala com autoridade! Vive no mesmo ambiente em que vivemos, mas parece ter acesso direto ao Céu. Que mundo é esse que Ele está construindo? Será que Ele conta histórias porque Deus prefere Se revelar por meio de narrativas? Ele descreve o reino, e não apenas fala sobre ele. Usa histórias para revelar a realidade.”
Impressionado com o fenômeno, Y começou a seguir o Mestre, que abria a boca para iluminar a vida e não em busca de 15 minutos de fama. E foi gravando na mente as parábolas: as sementes lançadas no solo do coração representando respostas ao evangelho, o filho que sai de casa e volta depois de fracassar, as jovens que dormem esperando o noivo e metade delas perde o casamento… Mais de 50 histórias, que ligaram Y para sempre ao jovem Rabi. Estima-se que, em sua forma final, elas ocupem 43% do texto de Mateus, 16% de Marcos e 52% de Lucas.
Jesus não começava dizendo: “De acordo com a raiz suméria da palavra…”. “Por intermédio da imaginação, Ele alcançava o coração”, observa Ellen White. “Suas ilustrações eram tiradas das coisas da vida diária e, embora simples, traziam admirável profundidade de sentido” (O Desejado de Todas as Nações [CPB, 2021], p. 193). Ele adaptava a história à audiência, e o público seguia a tensão e o movimento do relato.
Dois mil anos depois, aquelas narrativas metafóricas continuam impactando, porque boas histórias têm poder e não envelhecem. Elas encantam, ensinam, desafiam, inspiram. Formam um quadro mental, criam uma moldura conceitual e colocam o ouvinte dentro do relato. Ativam os cinco sentidos. No fundo, as histórias não somente criam um momento, mas evidenciam ou redefinem a identidade, pois ninguém existe sem uma narrativa. Você nasce dentro de uma história e escreve sua própria história.
Nos últimos anos, os olhos do mundo se tornaram gigantescos para ver e o cérebro ficou pequeno para pensar. Os ouvidos perderam sensibilidade. Mas retratos bem elaborados da vida ainda têm apelo para as gerações atuais, que valorizam mais os instantâneos da vida que a linearidade dos argumentos. Seguindo o maior Contador de histórias que o mundo já conheceu, é legítimo contar histórias no sermão, assim como é importante apresentar o “assim diz o Senhor” e enfatizar os deveres do cristão.
Todos nós somos pregadores ou ouvintes de sermões e já fomos marcados por histórias. Por isso, deguste as matérias desta edição que destacam o valor de uma boa narrativa. Use histórias para ajudar o mundo preso em um pesadelo a sonhar de novo. Acima de tudo, sinta-se incluído na narrativa de Deus e viva dentro do Seu círculo de amor e graça.
MARCOS DE BENEDICTO é editor da Revista Adventista
(Editorial da edição de julho de 2021)
Última atualização em 6 de julho de 2021 por Márcio Tonetti.