A mensagem do calvário continua essencial, pois Jesus não foi apenas mais um entre os milhares de crucificados do 1º século
Há quase 2 mil anos, uma pergunta ficou no ar, aparentemente sem resposta, ecoando no Universo: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” O grito de protesto contra o abandono, uma evocação angustiada do Salmo 22:1, por volta das 3 horas (Mt 27:46; Mc 15:34), no momento em que os sacerdotes davam a primeira série de três toques do shofar durante o sacrifício da tarde para anunciar a proximidade do sábado, parece uma expressão intensa de agonia.
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Para o cristão, é um ato difícil de testemunhar, um gesto humano de pura vulnerabilidade que mistura nossas lágrimas com as gotas de sangue rolando pela face do Crucificado, um brado que concretiza o aparente silêncio e a suposta ausência de Deus. Tecnicamente, foi um lamento, categoria a que pertencem o Salmo 22 e um terço de todos os salmos, mais do que os salmos de louvor. É como se a criatura clamasse para Deus agir como Deus.
No entanto, esse foi o momento em que cintilaram todas as partículas do amor. Não, o grito sem resposta não significava indiferença divina. Deus estava totalmente lá, assim como nós. “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2Co 5:19). E, apesar do silêncio, Jesus sabia que o Salmo 22 começa com lamento, mas termina com uma expressão de louvor, reconhecimento da justiça e adoração ao Senhor por gerações futuras. O Deus do abandono ainda era o “Deus meu”. Na verdade, o Pai não abandonou o Filho na cruz e jamais nos abandona, mesmo quando o Sol se recusa a brilhar e a escuridão invade a alma.
No íntimo, Jesus sabia que esse momento chegaria. Das 19 afirmações feitas por Ele de que as Escrituras deviam ser cumpridas, 12 vezes (63%) se referem a algum aspecto da sua morte. Cristo foi para a cruz porque quis. Ele sabia como tudo terminaria, mas prosseguiu. O amor infinito nunca desiste.
Você pode não reconhecer a centralidade da cruz, mas ela continua sendo o núcleo do evangelho. Apesar de algumas novas teorias da expiação e reinterpretações do evangelho, especialmente por aqueles que acham que a cruz foi uma fatalidade, pois Deus não enviaria seu Filho para morrer, assim como o ser humano não manda um filho para a guerra com esse objetivo, a realidade é que Jesus morreu em nosso lugar (Is 53:4, 5; Mc 10:45), como expressão de amor inigualável (Rm 5:6-8).
“A vítima da crucifixão literalmente morria mil mortes”, escreveu Henry E. Dosker na International Standard Bible Encyclopedia. Sim, no caso de Cristo, bilhões de mortes numa única vez! E, com seu ato sacrificial e substitutivo, Ele redimiu não apenas o ser humano, mas a própria natureza, que saiu dos trilhos quando o homem pecou e que geme até hoje (Rm 8:19-22). Simbolicamente, as gotas de sangue que caíram da cruz ao solo curaram e renovaram a criação.
Durante o período romano, a crucifixão era comum. Em geral, os que perturbavam a paz do império terminavam na cruz. Isso sem falar em seu uso em tempos de guerra. Porém, “a frequência, tristeza e brutalidade do ato não encorajavam os autores a gastar muita energia fazendo descrições narrativas”, comenta John Granger Cook no livro Crucifixion in the Mediterranean World (p. 5), lançado em 2014. As pessoas não gostavam de falar em público sobre esse instrumento horrível, vergonhoso e mesmo obsceno.
A cruz ainda é escândalo ou tolice para muitos (1Co 1:23, 24), em especial para os que querem a miragem de um Cristo sem a cruz. Contudo, precisamos focalizar a cruz, cujo significado transcende os aspectos físicos. Afinal, ela é central na teologia do Novo Testamento, pois Jesus não era apenas mais um entre os milhares de crucificados. Os autores bíblicos falaram tão poderosamente desse instrumento que mudaram sua percepção na história.
A morte de Cristo foi a morte do pecado e da própria morte. Na cruz, do ponto de vista legal, tudo que estava errado foi consertado. A cruz explica todas as coisas e revela o caminho da glória. Foi para que você pudesse contemplá-la por um novo ângulo, no mês em que o cristianismo celebra os eventos do Calvário, que pautamos a matéria de capa desta edição. Aceite o Cristo da cruz e seja salvo!
MARCOS DE BENEDICTO é editor da Revista Adventista
(Texto publicado originalmente na edição de abril de 2017)
Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.