Qual é a música apropriada para a adoração?
Marcos De Benedicto
A guerra da adoração começou no Céu (quem é digno de receber louvor?), mas veio para a Terra (que tipo de louvor é aceitável?). E, nas últimas décadas, vimos uma ruptura musical nas igrejas, como ocorreu em outros campos da cultura, muitas vezes com ritmos dissonantes. Por isso, precisamos discutir o assunto. O espaço aqui não é suficiente para dizer tudo o que eu gostaria, mas vou sintetizar o tema em sete “notas”.
A música não é neutra. Ela transmite conteúdo e mensagem. Carrega influências culturais. Reflete valores. Cria climas emocionais e espirituais. Transporta as pessoas para outros ambientes. Por isso, precisa ser selecionada. Como enfatiza a matéria de capa, é essencial fazer distinção entre o sagrado e o profano. Introduzir ritmos/gêneros populares no culto é brincar de Nadabe e Abiú com seu “fogo estranho” (Lv 10:1).
A música de adoração é veículo para a teologia. Cantamos sobre o que cremos, cremos no que cantamos. Quando letra e melodia se fundem harmonicamente, surge algo novo, belo e memorável. Se você separar a música da teologia, a música se tornará simplesmente entretenimento e fator de transição entre as partes do culto. Portanto, o líder do louvor deve conhecer a doutrina, a liturgia e a música em si.
A música litúrgica não é show. Hoje, o estilo musical nas grandes reuniões evangélicas parece lema de Olimpíada: mais alto, mais rápido, mais forte. Entretanto, o “louvor-adrenalina” não deveria fazer parte dos cultos adventistas. Na adoração, tudo conta: arquitetura, ambiente, liturgia, vestimenta, postura, gestos, linguagem, apelo… A música precisa seguir o ritmo da revelação.
O instrumento deve dar o tom certo na música do culto. Há poucos meses, estive em uma igreja em que o líder de louvor aprovava somente o piano. Exagero! Por sinal, a Bíblia não tem listas de instrumentos proibidos. No entanto, o templo de Jerusalém tinha suas preferências. Se a “santidade” não está no instrumento em si, o “pecado” pode estar, no sentido de que certos instrumentos são associados a contextos pecaminosos. Todavia, com o passar do tempo, o instrumento pode ser ressignificado.
Repetição na música nem sempre é superficialidade. Ulrico Zuínglio, talvez um músico melhor do que Martinho Lutero, reagiu contra as repetições na adoração medieval. Essa é uma crítica recorrente hoje aos cânticos repetitivos. Porém, a repetição é característica das liturgias menos improvisadas. Além de servir para a memorização, ela pode ter base bíblica. Os salmos, que são hinos e orações, repetem muitas vezes que Deus é bom. Em Isaías 6:3, os serafins repetem três vezes que Ele é “santo”. Em Apocalipse 4:8, os seres viventes repetem, sem cessar, “santo, santo, santo é o Senhor”.
A música de adoração deve apelar para a razão e a emoção. Onde Deus está, a adoração é a resposta. E devemos adorar em espírito e em verdade, com a mente e o coração. A música deve agradar primeiramente a Deus. Contudo, música sem sentimento é feita por e para “alexitímicos”, pessoas com dificuldade de identificar, experimentar e descrever emoções. Se música é louvor, é também terapia. “Cantamos porque gritar não é suficiente”, para citar o poeta uruguaio Mario Benedetti. O diabo não deveria ficar com as
canções mais tocantes.
A música de adoração deve ser orientada. Não há sentido em uma autoridade central controlar rigidamente a música na igreja, como fez o papa Gregório I ao assumir a função em 590. Na época, o “canto gregoriano” se tornou o padrão. Mas a igreja também não pode deixar cada um fazer o que bem entender. Símbolo da unidade na diversidade, o canto congregacional deve ser acessível a todos e criar harmonia entre o povo de Deus.
Enfim, o que define a boa música não é o tempo nem a monotonia, mas a sintonia entre estilo, beleza, qualidade, propósito e adequação. Um Deus tão grande merece um repertório novo e encantador, que glorifique Seu nome.
MARCOS DE BENEDICTO é editor da Revista Adventista
(Editorial da Revista Adventista de fevereiro de 2022)
Última atualização em 3 de fevereiro de 2022 por Márcio Tonetti.