Familiares das nove pessoas mortas em igreja afro-americana de Charleston, na Carolina do Sul, surpreendem ao perdoar atirador
A disposição dos familiares em perdoar o jovem que deixou nove mortos e três feridos em uma igreja afro-americana em Charleston, na Carolina do Sul (EUA), na noite do dia 17 de junho, mexeu com o mundo e viralizou na internet no último final de semana. O fato incomum aconteceu durante a audiência preliminar no tribunal de Charleston, quando Dylann Roof, de 21 anos, preso logo depois de cometer os assassinatos, teve o primeiro encontro com os parentes das vítimas. Em vez de insultos e ameaças de vingança, as manifestações de perdão deixaram o jovem branco completamente sem reação.
“Você tirou algo muito precioso de mim”, disse Nadine Collier, filha de Ethel Lance, de 70 anos, uma das pessoas que foram mortas na igreja. “Você me machucou e machucou muitas pessoas, mas eu te perdoo”.
Da mesma forma, o pastor Anthony Thompson, que perdeu a esposa no tiroteio, declarou: “Eu te perdoo, minha família te perdoa, mas gostaríamos que você usasse essa oportunidade para se arrepender. Arrependa-se, confesse e entregue sua vida para Cristo, Aquele que é o mais importante de todos. Assim ele poderá mudar a sua vida, independentemente do que venha a acontecer com você”.
Essa história me fez lembrar de outra situação narrada escritor Philip Yancey. Uma mulher idosa havia perdido o filho e o marido, assassinados por um soldado chamado Van de Broek. Quando o juiz lhe perguntou o que ela desejava do sr. Van de Broek, sua resposta trouxe a atmosfera do céu para aquele tribunal: “O sr. Van de Broek tirou-me toda a família, e eu ainda tenho muito amor para dar. Duas vezes por mês, eu gostaria que ele viesse até o gueto e passasse o dia comigo, de modo que eu possa ser uma mãe para ele. E gostaria que o sr. Van de Broek soubesse que ele foi perdoado por Deus, e que eu também o perdoo. Eu gostaria de abraçá-lo, para que ele saiba que meu perdão é verdadeiro” (Sinais da graça, p. 267). Yancey conta que algumas pessoas começaram a cantar Amazing Grace (Graça Excelsa). Porém, Van de Broek não pôde ouvir o hino. Ele estava desmaiado. Histórias como essas nos fazem perceber que da mesma forma que o perdão não é fácil para quem o concede, ele é perturbador para quem o recebe.
Durante os três anos e meio que passou aqui na Terra, Jesus deixou recomendações nada triviais. Quem acha que é fácil obedecer a todos os seus ensinamentos não levou suficientemente a sério o que ele disse: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5:44). Como se não bastasse, ele nos coloca diante de outras advertências não menos inquietantes: “A qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra” (Mt 5:39); “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados” (Lc 6:37); “Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós” (Cl 3:13).
Jesus não pediu nada que ele mesmo não tenha feito. A ordem para perdoar é autenticada por uma série de situações em que ele também perdoou. Fico assombrado, por exemplo, com o fato de que as provocações em série não conseguiram lhe tirar do sério nos momentos de sua maior agonia. Quando lhe cuspiram na face e lhe bateram no rosto, simplesmente ele preferiu ficar em silêncio, mesmo diante da afronta: “profetiza-nos, ó Cristo, quem é que te bateu!” (Mt 27:67-68).
Finalmente, a cruz revelou o profundo contraste entre o ódio dos assassinos e as comoventes palavras do Filho de Deus: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. Se analisarmos friamente os detalhes envolvidos na prisão, julgamento e morte de Cristo – cada palavra de insulto, cada gesto de ultraje, cada ofensa, cada violação de sua integridade física –, rapidamente tomaremos consciência de que a humanidade desceu aos níveis mais baixos. Imaginar que em um simples estalar de dedos ele poderia mudar radicalmente todas as circunstâncias faz com que minha admiração por ele se aprofunde. E então me uno ao soldado romano, exclamando extasiado: “verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus” (Mt 27:54).
Um dos textos mais conhecidos da Bíblia diz que “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito…” (Jo 3:16). A maior ação do universo é descrita nessa passagem: a ação de doar, com a qual a ação de perdoar mantém uma relação íntima e indissociável. Perdoar é doar-se sem reservas à força que move o universo: o amor de Deus, que excede todo o entendimento. É o ato extremo de perdão praticado em conjunto pelo Pai e o Filho que torna autêntico todo ato de perdão praticado pelo ser humano. Talvez, pessoas como Dylann Roof e Van de Broek não tivessem outra oportunidade de experimentar o amor de Deus a não ser pela ação perdoadora das pessoas que foram prejudicadas por eles.
NILTON AGUIAR, mestre em Ciências da Religião, é professor de grego e Novo Testamento na Faculdade Adventista da Bahia e está cursando o doutorado em Novo Testamento na Universidade Andrews (EUA)
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Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.