O fato de a vida espiritual não ser mecânica a torna difícil de ser medida
A dificuldade de mensurar o crescimento espiritual é um dos grandes desafios da vida cristã. Muitos demonstram-se ansiosos por experimentar a presença de Deus de maneira mais marcante. Em alguns casos, essa sede espiritual chega a esbarrar em uma certa frustração quando esse “algo mais” não é percebido na experiência com Deus.
O fato de a vida espiritual não ser mecânica a torna difícil de ser medida. A própria tentativa de definir espiritualidade já é uma tarefa árdua. Uma das causas de frustrações na busca por uma vida espiritual mais robusta é exatamente essa subjetividade. A conversa entre Jesus e o jovem rico, registrada nos evangelhos, revela exatamente esse dilema: “Que farei de bom parar ter a vida eterna? […] A tudo isso [mandamentos] tenho obedecido. O que me falta ainda?” (Mt 19:16,20).
O ponto central da resposta de Jesus – “venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me” – é que espiritualidade não tem que ver simplesmente com tarefas, metas, objetivos, competência ou perfeição, mas com relacionamento, intimidade e conexão.
Embora relacionamentos sejam subjetivos, ainda assim são mensuráveis. Porém, eles necessitam de métricas diferentes para a avaliação de sua eficácia.
Constância
Um dos parâmetros para medir relacionamentos é a constância. Os contextos em que somos inseridos mudam e nos afetam, mas a constância em direção a Deus é uma das características para avaliar a vida espiritual. Se a prática espiritual ajuda a manter o coração em direção a Deus mesmo quando o contexto direciona a mente e canaliza a energia para outras coisas, então a prática espiritual está funcionando e o crescimento espiritual está acontecendo.
Intensidade
Às vezes nos frustramos porque temos a expectativa equivocada de que o ideal de espiritualidade é confirmado quando sentimos a presença de Deus em todos os momentos, experimentamos manifestações sobrenaturais ou recebemos respostas instantâneas às nossas orações. A verdade é que a espiritualidade não produz um estado contínuo de êxtase ou uma felicidade infantilizada e alienada diante das angústias e sofrimentos. Profetas bíblicos que viveram em intimidade com Deus, experimentaram momentos de profunda tristeza, perturbação (Sl 43:5), pensamentos suicidas (1Rs 19:4) e tiveram que lidar com o desconforto do “silêncio” de Deus (Sl 44:23,24). O contexto os espremia e os afetava, mas a constância em direção a Deus permanecia (Sl 27:8; 57:7). Por vezes, vamos nos sentir muito próximos de Deus, enquanto em outras ocasiões nos sentiremos como órfãos espirituais. As práticas espirituais nos fazem permanecer em direção ao alto mesmo quando envoltos em uma nuvem de incertezas e sentimentos negativos.
Crescimento
Alguns pensam que a lógica do crescimento espiritual é como a do sucesso. Por esse ângulo, o que importa é atingir o ponto mais alto onde, supostamente, a vista é mais bonita e o sol está sempre brilhando. Porém, na lógica do Reino de Deus o parâmetro é diferente, pois o crescimento espiritual acontece quando subimos ou caímos. Parece contraditório, mas apenas na lógica humana. O crescimento espiritual ocorre mesmo quando o gráfico da vida apresenta altos e baixos. Assim, passamos a perceber que o sucesso na vida espiritual não acontece quando chegamos no topo, mas durante a caminhada até ele.
Foco
Se as práticas espirituais estão provocando mudança de foco do “eu” para o “outro”, então o crescimento espiritual está acontecendo.
A prática das disciplinas espirituais não é fácil. Requer disciplina, dedicação, prioridade e planejamento. Assim como todo exercício, quer seja físico, acadêmico ou afetivo, a prática das disciplinas espirituais requer decisão e envolvimento. Mas também é verdade que, quanto mais praticamos, mais experimentamos seus efeitos e logo ela se torna uma necessidade. Quando isso acontece, nos tornamos dependentes do relacionamento com Deus tanto quanto do ar que respiramos. [Imagem: Fotolia]
PAULO CÂNDIDO é doutor em Ministério e missionário no Oriente Médio
Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.