Como a visão fragmentada da vida interfere em nossa espiritualidade
A vida na sociedade atual, especialmente nas cidades, é entendida e vivida como se fosse uma coleção de compartimentos: profissional, pessoal, familiar, religiosa, etc. Viver dessa maneira tem dificultado a compreensão e a prática da vida espiritual. Essa visão compartimentalizada estabelece que esses pedaços são universos paralelos, mutuamente excludentes. Trocando em miúdos, que não combinam. Pensamos que esses compartimentos da vida devem, idealmente, manter-se separados. Essa pressuposição, geralmente inconsciente, aparece em expressões comuns como “enquanto professor…” ou “enquanto pais…”.
Recordo de uma ocasião em que conversava com um amigo, durante uma festa de aniversário infantil, quando uma terceira pessoa interrompeu nosso diálogo, pedindo uma informação a esse amigo sobre financiamentos. Educadamente, ele pediu, no entanto, que a pessoa o procurasse no local de trabalho no dia seguinte, já que estava no contexto da festa “na qualidade de pai e não como profissional”.
O exemplo mostra como facilmente assimilamos e passamos a reproduzir indiscriminadamente essa lógica. Assim, permitimos que a vida espiritual seja determinada como pertencente a certos espaços e tempos relacionados com o compartimento religioso. É como se disséssemos: “enquanto cristãos adventistas…”. Sim, isso soa estranho, mas é exatamente desse modo que muitos vivem sua espiritualidade.
No século 21, esses espaços passaram a ser cada vez mais restritos e privados, assim como o tempo ficou mais exíguo para determinadas áreas da vida. Como reflexo desse fenômeno, é comum se atrelar a espiritualidade a determinadas circunstâncias e certos fragmentos de tempo. O resultado é a inanição espiritual.
Ser um fiel cristão adventista dentro de uma visão compartimentalizada é uma armadilha inteligente porque nosso cristianismo passa a acontecer em ambientes controlados e seguros, mas, ao mesmo tempo, distante do mundo comum. Por isso, na realidade, a ideia da vida compartimentalizada é um grande fracasso. Embora nos esforcemos para viver os compartimentos, o natural é ser um todo, integral.
Somos feitos à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26, 27) e, por isso, ligados com laços eternos e ininterruptos ao que denominamos mundo espiritual. Os universos que classificamos como natural e sobrenatural convivem em harmonia na obra-prima de Deus. O que existe é a vida, que é sempre espiritual.
Paulo Cândido é doutor em Ministério e missionário no Oriente Médio
Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.