O legado de Andrews

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Igreja Adventista celebra os 150 anos do envio de seu primeiro missionário para territórios estrangeiros

Renato Stencel

Monumento em homenagem ao pioneiro das missões estrangeiras adventistas, no campus da instituição, em Berrien Springs, no estado do Michigan (EUA). Foto: Universidade Andrews

Filho de Sarah e Edward II Andrews, John Nevins Andrews nasceu na cidade de Poland, estado do Maine, Estados Unidos, em 22 de julho de 1829. Aos cinco anos de idade, Andrews ouviu a pregação de um pastor com base em Apocalipse 20:11: “Vi um grande trono branco e Aquele que está sentado nele. A Terra e o Céu fugiram da presença Dele, e não se achou lugar para eles.” Tais palavras exerceram tão vívida impressão sobre sua mente que ele jamais se esqueceu daquela mensagem.

Desde sua infância Andrews adotou o hábito de se levantar às 4h e passar de duas a três horas em oração. Ele tinha a Bíblia como seu livro de estudos e pesquisas, tornando-a sua bússola, levava-a a todo lugar em que ia. Aos quinze anos, em 22 de outubro de 1844, enfrentou sua primeira provação espiritual ao passar pela experiência do Grande Desapontamento. Após tal experiência, Andrews não passou apenas a amar a mensagem do advento, mas a compreender as razões de sua fé. Ele esteve entre os primeiros adventistas que presenciaram o cumprimento profético da mensagem de Apocalipse 14 e a necessidade de os mandamentos serem resgatados à luz da Palavra de Deus, sobretudo o Sábado.

Andrews não tinha boa saúde, sendo-lhe necessário abandonar a escola muito cedo. Entretanto, tornou-se autodidata, sempre lendo um livro novo. Aos vinte anos, escreveu seu primeiro artigo para a revista The Present Truth no qual conclamou os adventistas a uma experiência de sincera confissão e profunda humilhação perante Deus. Em 1851 aos vinte e um anos de idade, Andrews iniciou seu ministério pastoral e no mesmo ano escreveu um artigo de cinco páginas para a Review and Herald identificando os Estados Unidos na profecia de Apocalipse 13.

Em 29 de outubro de 1856 casou-se com Angelina Stevens e desse casamento nasceram dois filhos, Charles Melville e Mary Frances. Infelizmente, sua esposa faleceu em 1872 de tuberculose, causando-lhe profunda tristeza. Seus filhos foram seu apoio emocional e grandes auxiliadores em suas provações.

No campo missionário

Em 1859, um leitor formulou uma pergunta ao Pr. Urias Smith, editor da revista Review and Herald: “A tríplice mensagem angélica está sendo dada ou será dada apenas nos Estados Unidos?” (Urias Smith, Adventist Review, General Conference Paper of the Seventh-Day Adventists, Review and Herald Publishing Association, 3 de fevereiro de 1859, p. 87; resposta à carta do irmão Lewis).

Em resposta, o Pr. Smith afirmou que talvez não fosse necessário proclamar essa mensagem em outros países, uma vez que a população dos Estados Unidos era composta de pessoas de quase todas as nações.

A visão dos líderes da IASD quanto à pregação do evangelho em outros campos missionários foi desenvolvida pouco a pouco. Trinta anos se passaram desde 1844 até que o primeiro missionário fosse enviado oficialmente em missões além-mar a fim de pregar a mensagem da salvação em Cristo a “muitos povos, nações, línguas e reis” (Ap 10:11).

No início da década de 1870 um novo espírito missionário permeou a IASD. Imigrantes conversos que foram alcançados pela mensagem do advento passaram a escrever cartas aos seus familiares e enviar literaturas a todas as partes do mundo. Foi estabelecida a Sociedade do Missionário Vigilante e o periódico O Verdadeiro Missionário foi criado para confirmar o conceito de missão global na IASD. Um texto bíblico foi adotado como lema do periódico: “Vão por todo o mundo e preguem o evangelho a toda criatura.” (Mc 16:15).

Em abril de 1874 enquanto Ellen G. White estava na Califórnia, Deus lhe concedeu um sonho surpreendente no qual escutou a voz de um anjo dizendo: “Suas ideias acerca do trabalho para este tempo são demasiadamente acanhadas. Sua luz não deve se limitar a um espaço pequeno, nem ser posta debaixo do alqueire ou da cama; deve ser posta no castiçal, para que produza claridade para todos quantos estão na casa de Deus. É preciso ter mais ampla concepção da obra. […] Sua casa é o mundo. Nunca perca de vista o fato de que a mensagem é mundial. A mensagem irá com poder a todas as partes do mundo. Nada é impossível para Deus” (Ellen G. White, Life Sketches of Ellen G. White [Pacific Press Publishing Association, 1915], p. 208, 209).

Este testemunho divino foi decisivo para convencer John Nevins Andrews a se tornar o primeiro missionário oficial da IASD. Esta não foi uma decisão fácil, sair de sua casa em Lancaster do Sul, onde seus filhos estavam bem estabelecidos, atravessar o oceano, aprender duas ou três línguas e enfrentar os desafios da missão que estava diante dele. Mas persistente, foi assim, na terça-feira de 15 de setembro de 1874, que o Pr. Andrews e seus dois filhos partiram do porto de Boston rumo à Suíça a bordo do navio Atlas.

Paixão pela escrita          

Ao longo dos onze anos de seu ministério no continente europeu, Andrews estudou várias estratégias para evangelizar aqueles países. Pode-se observar que além da pregação, evangelismo pessoal e público, Andrews fez das publicações sua mais poderosa ferramenta evangelística.

Em 1875, ele formou a Sociedade Missionária e de Tratados. Nesse ano inaugural, foram publicadas 3.000 cópias de diversos panfletos que versavam sobre o milênio, a volta de Jesus, o juízo de Deus, o santuário e 10 mil cópias de um panfleto sobre o sábado.

Além disso, Andrews decidiu lançar uma revista mensal em francês, intitulada Les Signes de Temps que teve seu primeiro número impresso em julho de 1876. Enquanto seu filho Charles o ajudava na impressão do material, sua filha Mary efetuava as correções textuais, uma vez que possuía um excelente domínio da língua francesa.

Num período de sete anos, Andrews escreveu mais de 480 artigos em diversas línguas, uma média de cinco a seis por mês. Seu interesse pelas publicações aumentava à medida que o evangelho era pregado em solo europeu.

Vale destacar que a principal fonte de inspiração para os seus escritos era a Palavra de Deus, livro amado e criteriosamente estudado por Andrews a cada dia. Sua paixão pelas Escrituras levou um de seus amigos a lhe perguntar se ele já havia memorizado toda a Bíblia. Com um sorriso, ele respondeu: se o Novo Testamento fosse perdido, eu seria capaz de reproduzi-lo palavra por palavra. Mas, não posso afirmar o mesmo para com o Antigo Testamento. Além do inglês, Andrews era capaz de ler a Bíblia em francês, alemão, italiano, grego, hebraico e latim.

Conclusão

Como um servo fiel e bem qualificado, Andrews dedicou à Obra de Deus toda a sua capacidade de liderança, seu talento com as línguas estrangeiras, suas habilidades como pregador, editor e escritor. Foi perseverante no compromisso de cumprir cabalmente sua missão. Apesar das aflições, da perda de sua filha vítima de tuberculose, Andrews dedicou nove anos de sua vida a evangelização da Europa, alcançando doze países. Em 21 de outubro de 1883 John Nevins Andrews descansou no Senhor.

O exemplo e o legado do primeiro missionário adventista devem servir de inspiração a novos missionários. Há ainda hoje um vasto campo entre os países estrangeiros. “Deus requer homens, voluntários, que levem a verdade a outras nações, línguas e povos (Ap 14:6; Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja [CPB, 2021], v. 3, p. 333). Há um chamado vindo dos confins da terra: “Passa […] e ajuda-nos!” (At 16:9; ibid., v. 6, p. 27). Homens e mulheres consagrados ao Senhor são convidados a resplandecer sua luz diante dos homens, e resgatá-los das trevas (Mt 5:14, 16). “Neste tempo deve ser proclamada uma mensagem de Deus, uma mensagem de influência iluminadora e capacidade salvadora. O caráter de Deus deve tornar-se notório. Deve ser difundida nas trevas do mundo a luz de Sua glória, a luz de Sua benignidade, misericórdia e verdade” (Ellen G. White, Parábolas de Jesus [CPB, 2022], p. 245).

Bibliografia:

  1. Adventist Review. General Conference Paper of the Seventh-Day Adventists. Review and Herald Publishing Association.
  2. Adventist HeritageA Journal of Adventist History. Published by the Department of History and Political Science, Loma Linda University.
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  5. OLIVEIRA, Lygia de., Na Trilha dos Pioneiros. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990.
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  10. LEONARD, H. (Ed.)., J. N. Andrews. The Man and the Mission. Berrien Springs, MI:  Andrews University Press, 1985.
  11. ROBINSON, Virgil., John N. Andrews. Flame for the Lord. Washington, DC: Review and Herald Publishing Association, 1975.
  12. SILVA, Fábio Ferreira da. “O Homem mais Capaz de Nossas Fileiras”: contribuições da vida e obra de J. N. Andrews ao período formativo da IASD e aplicações para o adventismo hoje. 2015. Dissertação (Mestrado em Teologia) – Faculdade Adventista de Teologia, Engenheiro Coelho, SP, 2015. 129 f.
  13. WHITE, Ellen Gould. Testemunhos Para a igreja, v. 3. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013. p. 631.
  14. White, E. G., Testemunhos Para a Igreja, v. 7. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005.
  15. White, E. G., Testemunhos Para a Igreja, v. 6. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004. p. 27.
  16. Idem. Parábolas de Jesus. Edição Digital dos Escritos de Ellen G. White em Português. p. 226, 227.
  17. Ibidem., Life Sketches of Ellen G. White. Edição Digital dos Escritos de Ellen G. White. p. 208, 209.

RENATO STENCEL, doutor em Educação, é diretor do Centro de Pesquisas Ellen G. White no Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP) 

Última atualização em 13 de setembro de 2024 por Márcio Tonetti.